Compartilhar o olhar e guardar algumas belezas
Como esta semana é curtinha e o mês termina no domingo, vou antecipar o post da semana a tempo de enviar o “Inspirações de Março” no feriado. Não acho que nossa série sobre o olhar acaba aqui, sempre teremos muito o que dizer sobre o olhar, especialmente nesta newsletter, mas acho que foi um mês de reflexões interessantes.
Espero que goste!
O YouTube me recomendou o vídeo desta mesa redonda com algumas atrizes e eu acabei aceitando a recomendação nisso, uma pergunta me chamou a atenção: “Como você descreveria sua profissão para uma criança de 5 anos?”. Bom, a primeira vez que eu tentei responder essa pergunta para uma criança, não deu muito certo… Acho que a melhor resposta hoje seria: Eu empresto meu olhar para as pessoas. Seja na academia, quando elas precisam pensar/ver algo de forma diferente, seja no interior styling, quando elas precisam escolher itens mais compatíveis com o gosto delas… eu empresto meu olhar.
Talvez, se eu tivesse que descrever uma fórmula de como o olhar é elaborado, eu diria que o nosso olhar é a soma não apenas do nosso vocabulário visual e repertório mas também é constantemente modificado pelas nossas experiências e vivências, e acrescido - a todo momento - de tudo que consumimos culturalmente.
Eu tenho pensado em como o nosso olhar ganha vida ao ser compartilhado mais e mais vezes. É como se o compartilhamento o fizesse mais real. Na verdade, acho que a melhor palavra seria concreto e não real. Entretanto, penso também como algumas belezas que testemunhamos residem na memória, e apenas na memória, e não podem ser compartilhadas, e o peso dessas belezas que guardamos e sua influência em nós. Eu me abstive de compartilhar meu olhar - e aqui quando falo olhar me refiro não apenas a visualidade e beleza mas também a minha opinião1 - no Instagram nos últimos 40 dias.
Um pequeno contexto: Há dez anos, eu acampei no deserto ou, mais precisamente, num deserto na fronteira da Índia com o Paquistão. Sempre que eu conto essa história as pessoas se espantam. Elas acham que as palavras acampar + deserto + Índia (o que dizer então de Paquistão?!) não combinam comigo. Foi uma experiência memorável, daquelas que fazemos de forma espontânea e não muito planejada aos 20 e poucos anos. Realmente, deserto + acampamento (nem camping, nem glamping) não combinam comigo mas esta experiência está registrada em mim; no meu “caderno de experiências” como diria a Oprah. Você já viu o pôr do sol no deserto? Está dentre as coisas mais lindas que eu já vi na vida. Aquela paleta de tons terrosos me encantou muito mais do que o céu noturno, tão procurado por quem busca este tipo de atividade de isolamento da cidade. E nenhuma fotografia de 10 anos atrás conseguiu com êxito registrar aquele momento.
Compartilhei isso pois eu sou católica, e agora estamos na quaresma, o que representa os 40 dias que Jesus permaneceu no deserto. Neste período, é comum para nós católicos nos abstermos de algo que gostamos muito ou que seja difícil nos abster. Desde minha experiência no deserto, comecei a entender muita coisa sob um novo olhar e fazer abstinências com propósito. Em 2024, depois de tantos coisas que li - coincidentemente na mesma semana, resolvi aprender com o silêncio. Para isso, arquivei alguns posts no meu Instagram, de cunho pessoal, e me abstive de postar qualquer coisa. Estou comentando esta prática aqui, pois como comentei sobre o descanso criativo, acredito que seja o timing ideal de falar sobre isso. Eu precisava descansar meu olhar e, ao mesmo tempo, entender quais belezas e opiniões dividir, quais guardar pra mim e como separar a quantidade das coisas que divido da qualidade das mesmas. Às vezes encontramos belezas ocultas e ao compartilhar tais belezas é preciso compartilhar nossa leitura das mesmas. Nem tudo é facilmente visível ou reconhecível aos olhos dos outros e isso pode nos dizer muita coisa.
Sim, existem algumas belezas que não precisam ser compartilhadas quando pautam algo de grande valor e interesse para nós. Este valor pode ser pessoal; pode ser uma inspiração de grande influência. Existem muitos motivos para guardarmos algumas coisas para nós. Inclusive, não querer compartilhar a descoberta de uma beleza que mexe com a gente. E isto foi uma das coisas que aprendi nos últimos dias.
Silenciar-me, para aprender com o silêncio, incluiria algo que eu não imaginei quando me propus isso.. ao propor a prática do silêncio no geral (do visual, da fala, da música), eu estava propondo, de alguma forma, não compartilhar o meu olhar. Quando eu escrevo aqui, de alguma forma, eu compartilho meu olhar mas compartilhá-lo em termos visuais não é apenas importante para a minha vida profissional como também para o seu enriquecimento. Quando Jane Jacobs fala do acúmulo da trivialidade, que comentei no post de semana passada, eu penso também no olhar. O acúmulo das pequenas coisas que admiramos e também que dividimos - seja uma inspiração, uma paisagem, um item decorativo ou até mesmo um poema, faz com que o nosso olhar seja construído e reconhecido perante os outros.
Foi uma experiência realmente edificante e valiosa pra mim ficar em “silêncio” no Instagram neste período. Aprendi o que realmente vale a pena ser compartilhado, o que acabou refinando meu olhar. E, de certo modo, sinto que também perdi um pouco pois é na construção dos pequenos compartilhamentos que eu vejo o meu olhar enriquecer. E existe uma diferença entre enriquecer e refinar; o primeiro aumenta a quantidade de coisas que vislumbro, ao passo que o segundo traz uma seleção ainda maior. E o segundo só é possível quando o primeiro acontece. Quanto mais exponho o meu olhar, mais eu sei o que eu não gosto, e assim fica mais fácil dizer o que eu gosto e essa construção é uma constante. O olhar não fica pronto, ele demora e demora muito - é um processo longevo.
Daqui a alguns posts, vamos falar sobre consumo por status e consumo por pertencimento. Antes de fechar esta edição gostaria de comentar que o nosso olhar também consome com o objetivo e de pertencer. Acontece que até já comentamos aqui que quando olhamos algo por muito tempo, isso se torna interessante. Acho que a sabedoria do olhar reside no fato de entender o que é apreço, o que estranhamento e o que é costume. É muito fácil nos acostumarmos com algo, mas o que verdadeiramente atrai o nosso o olhar? Essa é a questão que devemos sempre ter em mente.
Veja bem, emitir uma opinião é de fato uma forma de compartilhar o nosso olhar, as nossa visão de mundo e percepção de acordo com a nossa experiência de vida. O tema abordado na semana passada no Projeto de leitura que participo foi como uma mesma experiência pode ter efeitos diferentes para diferentes pessoas. Quando eu emito a minha opinião baseada no meu repertório e no meu “caderno de experiências” preciso me lembrar de que eu a estou emitindo para alguém com um repertório e caderninho completamente diferentes do meu, logo, é normal que as pessoas discordem ou não entendam de imediato o porquê de uma pessoa dizer algo. Esse reconhecimento de que o nosso olhar é moldado pelo que consumimos e nossas experiências é fundamental para entendermos que as vezes o que uma pessoa diz não é pessoal - no sentido de que se alguém discorda de nós diz mais sobre o outro (em termos de diferentes vivências e experiências) do que sobre nós.
Belas reflexões Helena, mas preciso dizer que me sinto um privilegiado quando você comenta como eu descreveria minha profissão para uma criança de 5 anos - Eu trabalho para o Papai Noel, decorando Shopping Center!... com certeza entendem de imediato e ainda brilham os olhinhos.
Que edição mais deliciosa! Amei a reflexão - e fiquei pensando que compartilhar o meu olhar é uma das coisas que mais gosto de fazer. Acho que por isso que estamos aqui, nesta rede, né? :-)