Inspirações de Abril
Eu nem consigo acreditar como já estamos entrando em Maio, e o quão rápido o mês de Abril passou. Como este mês teve o dossiê com minhas notas da SP-Arte, vou antecipar aqui o post com as inspirações do mês. Amo quando, em meses como este, os temas de minhas leituras, artigos, pesquisas e afins coincidem e eu consigo fazer um e-mail redondinho com boas inspirações.
Aí vai!
A felicidade
Um dos highlights deste mês em termos de “consumo criativo” foi, pra mim, a leitura de “As formas da Alegria: O surpreendente poder dos objetos” (2018), da designer Ingrid Fetell Lee, conhecida pelo seu blog “The Aesthetics of Joy”. Eu ouvi o audiolivro em inglês, e li em português, encontrei até um errinho de tradução mas o que mais me incomodou foi a tradução do título do livro. O original, em inglês é: “Joyful: The Surprising Power of Ordinary Things to Create Extraordinary Happiness”, algo como: “Experimentando a alegria: o poder surpreendente das coisas comuns para criar felicidade extraordinária”. E é isso que resume o livro como o design de coisas que passam despercebidas pode influenciar na nossa felicidade cotidiana - um sorrisinho que for. E em nenhum momento ela fala na alegria como uma constante, mas sim como um fato que influência o prosperar; que traz leveza.
A princípio, eu não gostei da fala dela de que a alegria é amarela e sua forma redonda.. por isso o livro ficou uns bons anos na estante.. mas, com o tempo de leitura ela deixa claro que cada um percebe a alegria de uma forma diferente, e isso eu amei, confirma o que eu vinha lendo acerca de neurociência e neuroarquitetura1. Acho que podemos com isso dizer que #vemcoisaboaporaí. Já que os ensinamentos deste livro ainda virão sob a forma de diferentes conteúdos por aqui.
Felicidade segundo artistas
Este mês, esbarrei em três definições de felicidade feitas por 3 artistas em 3 dias. Achei até simbólico. A primeira que passou por mim, foi a definição de Agnes Varda, cineasta, que descreve a felicidades como o equilíbrio entre o doce e o salgado, ela até brinca que comeu melão e presunto e cru e aquilo é felicidade pra ela - o que ela quer dizer é que a felicidade coexiste com os momentos de sua ausência. Depois, foi a vez de cruzar com a definição de felicidade de Georgia O’Keeffe, pintora, que vai apenas dizer que é bobeira perseguir essa coisa momentânea que é a felicidade. O importante mesmo é o que é interessante, pois isso é contínuo. Já o escritor francês Jean d’Ormesson vai, assim como Agnes Varda, falar da coexistência dos opostos na vida, dizendo que “a vida não é uma eterna festa” para ele, é importante lembrar da beleza quando há tristeza, e o oposto também. Não é possível lembrar apenas de um ou de outro. Ele então diz que agradece tanto a existência das rosas como dos espinhos, um não existe sem o outro.
E aí vem Win Wenders e nos apresenta um filme de 2h05min belíssimo sobre uma pessoa que encontra a felicidade em dias comuns, em sua rotina cujo título já nos revela bastante: “Perfect Days” (2023). Com um trabalho de uma enorme sutileza para nos mostrar a apreensão do olhar de um senhor; o que atrai este olhar e o que o faz sorrir todo dia de manhã.. e no almoço.. e depois. Além dos opostos coexistindo ao longo de seus dias, afinal, nem sempre há sorrisos; há também os dias de cansaço e os dias de imprevistos.
Atualmente disponível no serviço de streaming Mubi, o filme nos apresenta Hirayama, um senhor interpretado pelo ator japonês Kōji Yakusho que foi laureado com o prêmio de melhor ator no festival de Cannes pelo papel. Nele, seu personagem faz a limpeza dos banheiros públicos de Tóquio. Nanda, que mora no Japão, me disse ano passado que eu iria amar o filme justamente por apresentar o projeto The Tokyo Toilet, que inclui banheiros com autoria de arquitetos como Junko Kobayashi, Kengo Kuma, Shigeru Ban, Sou Fujimoto, Tadao Ando, Toyo Ito. No entanto, foi Camila quem me perguntou: “Você viu a beleza deste filme?”.
A sua beleza reside na sutileza. É preciso atenção plena para apreciá-lo (vale dizer que o áudio original é em japonês). Passamos os primeiros 10 minutos do filme acompanhando o ator sem ouvir sua voz. O filme também tem um quê de choque cultural em relação ao espectador, ao apresentar as casas de banho, por exemplo. E também nos mostra o encontro de algumas pessoas com o novo, esses banheiros inusitados e as risadas do momento de descoberta de como o banheiro de Sigheru Ban funciona, por exemplo.
Os detalhes que fazem parte desta narrativa me encantam! Desde a apresentação do cenário da casa de Hirayama (os quadros aos poucos nos revelam seus interesses e objetos, e com eles seu gosto por música e literatura), até os sonhos do personagem, que são retratados em preto e branco. O fato dele ainda ser analógico e fotografar com filme em preto e branco. A sua rotina. O origami que carrega na carteira como uma forma de estar preparado para encontros aleatórios com o acaso e o que o traz felicidade. As idas ao pequeno sebo e a compra de tantos livros que também falam sobre árvores e florestas. A rotina em si. É preciso apreciar ou se deixar envolver pela ausência de falas e as músicas como elementos da narrativa. As emoções expressadas pelo ator. Arrepiei ao ouvir Nina Simone.
Um parênteses: eu acho que este filme dialoga muito com a leitura que citei. Nos mostra como a forma da alegria é pessoal.
O filme apresenta um conceito japonês chamado Komorebi. Vou aqui colocar a tradução nas palavras de Andreya Prestes que me marcou, “Uma palavra de origem japonesa, que traduz o exato momento em que um feixe de luz se descortina diante de nossos olhos, a entrar pela fresta da porta; ou, quando caminhando pela mata, raios de sol a atravessar a folhagem. É nesse momento que somos transportados para dentro de nós e de outros, num movimento de descoberta, entendimento do ser.”
Antes de ver o filme, eu tinha ouvido uma entrevista da culinarista Ina Garten em um podcast (recomendo muito, amei ouví-la), no qual ela comenta que ao se casar, o marido comentou: “ Você precisa saber o que quer fazer com a sua vida, só assim será feliz” e como foi para ela sair de um emprego de analista politica na Casa Branca e comprar uma loja de cozinha e se tornar culinarista. E eu me peguei pensando nisso. Pois, no filme, me parece muito claro o entendimento do personagem em relação à vida e a sua felicidade. Por exemplo, este encantamento do personagem com o komorebi, a fotografia em preto e branco.. a rotina. O seu momento de relaxamento em meio as árvores na hora do almoço, me lembrou a prática japonesa do shinrin-yoku, mencionada por Lee em “As formas”, que comentei assim. Shinrin-yoku ou “banho de floresta” consiste em relaxar na presença de árvores, o que poderia trazer resultados como a melhora do sistema imunológico para além do momento de relaxamento em si.
Estas questões em relação à apreciação da natureza e da arte e sua relação com a mente e o corpo humano tem sido muito abordada no livro “Your Brain on Art” (2023), que comecei a ler junto com outros livros este mês. Os nossos sentidos estão captando tudo a todo momento. e as minhas leituras do mês tinha em comum muitas coisas em relação à apreensão pelos sentidos. Em “As Formas da Alegria”, já mencionado, preza-se pelo retorno das atividades sensoriais, especialmente na casa. Já em “Your Brain on Art” é mencionado que não tivemos uma educação dos sentidos. Já Susan Sontag, em “Contra a interpretação” (1964) vai falar sobre o sentir no geral, que a gente se prende muito à interpretação, ao invés de aproveitar algo apenas por aproveitar - algo que ela também aborda em “Notas sobre o Camp” (1964) já mencionado aqui. O que me lembra de Walter Gropius, o arquiteto alemão, que comentou uma vez que a obra de Burle Marx, embora de difícil leitura, continha em si muita beleza. Apesar da dificuldade de entender a função, ele conseguiu apreciar a beleza do trabalho em si, que o distinguia de muitos.
Outra coisa interessante que “Your Brain on Art” apresentou e que já comentamos aqui, foi o conceito de neuroplasticidade, e como o nosso cérebro pode ser afetado (ele pode aumentar ou diminuir) de acordo com os estímulos do grupo e do local no qual estamos inseridos; o que também dialoga com o que Lee nos apresenta. Isso me deixou reflexiva, e ao sair da minha rotina por 15 dias eu já notei pequenas alterações no meu sotaque e nas expressões que uso até no meu modo de vestir… imagino de fato como deve ser uma transição drástica. Em Maio, vamos comentar isso em detalhes. Aproveitarei, inclusive, para tentar dividir um trabalho que fiz com uma neuropsicóloga sobre valores e trabalho e que hoje consigo entender com muito mais clareza do que na época que tive que responder e listar os valores em ordem.
Por hoje é isso. Nos veremos na próxima sexta-feira!
Espero voltar com a edição em seu horário habitual, pela manhã.
Um nome comercial para neurociência aplicada à arquitetura
Adorei as inspirações de abril. Eu incluiria aí a manjada, mas não menos bonita animação Divertidamente, que traz a mensagem que a alegria não existe sem a tristeza e vice-versa. Inclusive, li essa semana a última edição da Cyne News, que é justamente sobre o filme.