Me assustei ao ouvir no rádio, na verdade em um podcast, uma pessoa falando de projeções para 2030. Na minha cabeça, ainda estávamos em 2014 e faltaria muito para 2030, quando na verdade, faltam apenas 5 anos. Parei para pensar então em quantas coisas tinham acontecido nesses últimos 10 anos e fiquei impressionada ao me dar conta dos saltos da vida nesse “curto” espaço de tempo. Eu me formei na faculdade, fiz mestrado, doutorado e vivi tantas outras coisas. Penso em como esse tempo de vida - a que conta no cv e, principalmente, a que não consta no cv - me moldou como pessoa e as transformações que ele carregou.
Tem uma frase famosa de um poeta espanhol chamado Don Antonio Machado, que diz assim: “Caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar”. Numa dessas correntes do instagram, algo bobo me chamou a atenção. Ao publicar a epígrafe dos meus trabalhos finais acadêmicos (TFG (o “tcc” da arquitetura), dissertação de mestrado e doutorado) vi que meu caminho, e em especial as bases do cerne desta newsletter, estavam muito claras ali.
TFG: ”Arquitetura é o gesto humano na paisagem do mundo” - Bernardo Jacobsen
Mestrado: “Você só pode se apaixonar por cidades e lugares se você for apaixonado por pessoas.” - Christian Louboutin
Doutorado: “Meeting a stranger is one way of getting to know ourselves; learning about other nations’ architecture enables us to see our own architecture in a new light.” - Bernard Rudofsky
Hoje, é interessante olhar para trás e ver este caminho que se delineou ao longo do trajeto mas, normalmente, esta construção não nos é tão clara durante a caminhada. Há dez anos eu me preparava para embarcar em uma jornada muito diferente de tudo que eu já tinha experimentado na vida. Uma semana após me formar arquiteta, embarquei naquela que seria minha primeira viagem sozinha. Se você apenas me lê e não me conhece ou nunca viu uma foto minha, vou comentar algo: muitas pessoas ainda estranham quando eu comento desta (e de outras viagens). Uma amiga uma vez expressou este descompasso em voz alta, ela disse: “você não tem cara de quem faz este tipo de coisa. Quem te vê vestida assim não imagina isso. Então, você abre a boca e começa a contar histórias incríveis que eu realmente não esperava ouvir de você”. Foi então que eu brinquei com ela: eu te contei que ainda na Índia eu acampei no deserto na fronteira da Índia com o Paquistão? - eu amo contar esta história!
Nesta semana, no meu grupo de leitura, falamos exatamente sobre o julgamento e como muitas vezes julgamos e também somos julgados. Hoje, num tempo no qual tanto se fala de imagem pessoal e o que a imagem comunica, na minha visão ainda é muito bom surpreender pessoas com histórias inesperadas em tempos de imagens extremamente lapidadas e histórias curadas. Afinal, como é natural do ser humano julgar, aprendi que surpreender tem também muitos efeitos maravilhosos.
Esta semana também estive num evento no qual todos que estavam lá tinham uma coisa em comum: haviam passado pela experiência de estudar fora, e o saudosismos e a compreensão mútua de terem passado por uma vida com histórias semelhantes era presente. Já comentei aqui acerca de um TED no qual Pico Iyer comenta que ao chegar em casa de uma viagem devemos nos perguntar o que nos tocou e o que nos surpreendeu após esta viagem - e mais ainda: o que trouxemos desta viagem para a nossa vida e como isso transformou nossa vida.
Esta viagem à Índia da qual retornei há dez anos atrás me ensinou e ainda me ensina muito. Posso dizer que ela contrariou muitas expectativas, mas uma lição eu aprendi antes mesmo de aterrissar no meu destino, ainda na ponte aérea Delhi-Jaipur. Ao meu lado no vôo estava um senhor indiano. Acho que meu medo de estar sozinha a caminho de uma experiência nova, sem saber o que esperar, ou talvez com um milhão de sentimentos e ideias pré-concebidas na cabeça, era tão visível que o senhor ao meu lado perguntou se poderia conversar comigo. Naquele momento eu recebi o seguinte conselho, e devo admitir que eu o carrego comigo até hoje:
“Se um copo está vazio, você pode preenchê-lo, se um copo está cheio, você não pode. Então, veja bem, você está a caminho da Índia, liberte seu coração. Vá com a cabeça aberta, esvazie-se de tudo que você já ouviu, viu ou sabe sobre o país… e permita que o seu coração seja preenchido com tudo que você encontrará lá, sem ideias pré concebidas.. apenas vá e permita que Jaipur preencha o seu coração, eu garanto que você não se arrependerá.”
Sinceramente, naquele momento, eu senti que ele me avaliou - e não me julgou - muito bem. Ele quis, de alguma forma, me preparar para uma experiência da qual eu ainda não consigo falar abertamente. Às vezes, alguns acontecimentos daquela viagem se apagam e voltam tempos depois. Não só o meu olhar foi transformando a ponto de enxergar beleza no caos, mas eu aprendi tanto sobre ser mulher e tantas outras coisas. Há alguns anos, contei no blog The Lolla da
como minha ida à Índia me mudou por meio da prática da ioga. Hoje, anos depois, após uma pandemia e com mais pessoas praticando ioga, me peguei com vontade de voltar ao tema. Neste mês de dezembro vou enviar uma edição acerca de Wabi Sabe e como admirar a imperfeição das coisas.. mas hoje eu acredito que se tem algo que eu aprendi na Índia, foi acerca imperfeição, que não é algo exclusivo desta filosofia japonesa que mencionei acima, vou explicar mais a frente…Dizem que toda autenticidade que vemos em alguém é fruto de um desconforto que aquela pessoa de alguma forma carrega. Posso dizer que se o fato de eu ter viajado o mundo sozinha com a cara e a coragem é minha parte mais autêntica e elogiada, posso dizer que fiquei desconfortável em inúmeros momentos e períodos com histórias que eu talvez nunca tenha comentado com ninguém. E este desconforto não é apenas o julgamento que recebi pela escolha de alguns destinos, mas também o desconforto do choque cultural, das diferenças como alguns lugares recebem mulheres e tantos outros.
Posso dizer que minha vontade de ir à India foi motivada pela vontade de conhecer o Taj Mahal, que nasceu em mim por volta dos 13 anos quando minha avó me deu uma revista com o templo na capa. Ao crescer, entendi que aquele lugar tinha muito mais a me apresentar.. desde suas cidades coloridas até algo que eu pudesse carregar comigo pra sempre, e aqui não falo do olhar e sem de uma prática milenar - a ioga (ou o yoga, se você preferir a grafia com “y”).