O que vem ao acaso
Cada vez mais parece que em minha vida nada vem ao acaso… e que as coisas parecem de fato ter um propósito ou um porquê em nossas vidas. Recentemente, terminei de ler Flâneuse: Mulheres que caminham pela cidade em Paris, Nova York, Tóquio, Veneza e Londres, de Lauren Elkin - um livro que comecei a ler em Junho de 2023 mas cuja leitura parece não avançar de forma alguma tanto é que até dia 18 de Dezembro deste ano eu tinha lido apenas 95 de suas 300 e tantas páginas. Era como se o livro não quisesse ser lido por mim antes do “tempo certo”. Acredito que você também já tenha passado por isto.. não conseguir ler um livro e um dado momento e depois, ao terminar, ter a sensação de que a leitura ocorreu no momento certo. Acho que o mesmo acontece com viagens, programar conhecer algum destino pode dar errado por várias vezes até conseguirmos, finalmente, conhecê-los.
Sabe o sentimento de terminar um livro e pensar que aquele é o livro que você gostaria de ter escrito? Pois bem, foi assim comigo. O livro não apenas parece costurar diversas das minhas referências e com o que escrevo aqui, especialmente o que escrevi ao longo deste ano, como também dialoga, em parte, com a minha vida e minhas experiências pessoais. Esses dias uma pessoa me perguntou o porquê de ainda não ter contado por aqui acerca de algumas experiências que tive e que deixariam algumas pessoas encantadas e outras incrédulas e eu simplesmente não sabia responder. Embora eu considere que nem tudo que faz parte de nós deve ser exposto; e que algumas lembranças devem ser resguardadas.
Ao ver pessoas em destinos pelos quais passei ao longo da vida neste ano, senti que suas experiências eram distantes demais das minhas e não por serem apenas pessoas diferentes mas pelo motivo das cidades ao seu redor ja não se parecerem mais em nada com as cidades que visitei ou conheci. Cidades pelas quais vaguei como flâneuse que sou. Como Lauren Elkin comenta em umas das partes do livro, rememorando Baudelaire e Balzac, as cidades de fato se transformam de forma muito rápida, deixando vestígios que ficam em nós. O que visitamos no passado não é o que temos a chance de visitar novamente. Ela também nos lembra que os locais acabam sendo para nós guardiões de memórias… e com uma frase muito simples diz: “quero ler a cidade como um livro” - eu também, Lauren, eu também.
Sempre que volto para a cidade na qual nasci e cresci, tenho o ímpeto de explorá-la a pé. Gosto de ver o que mudou, o que se transformou… o que se manteve. No dia de Natal, tive a chance de visitar a minha avó. Foi a terceira vez, neste ano, que nos encontramos. Ganhei colo, cafuné e muito carinho. Minha avó é o do tipo que liga e diz: “eu quero que você tenha a certeza de que é amada”.. e quando voltei do intercâmbio, no final de março, após passar o natal fora pela segunda vez, ela me disse: “Esperei você chegar para fazer rabanada, imaginei que você ia querer. É uma exceção, mas que fico feliz em fazer já que você tanto ama”. Já faz alguns anos que eu não como sua rabanada, e acho que não terei mais esta oportunidade já que ela não cozinha mais… este pequeno sabor também ficará na memória junto com a casa que ela habitava na minha infância e a paisagem da cidade que víamos na rua.
Toda vez que nos encontramos ela me pergunta com o que tenho trabalhado. A cada cinco minutos me fala como eu estou bonita. Desta vez, separou fio a fio os cabelos brancos na minha cabeça que já estavam descobertos pela tintura. Ela observa o tempo passar em mim como se eu também fosse uma paisagem diante dos seus olhos. Diz que fico bem de preto mas não devo com muita frequência já que não é uma cor de jovens moças. Poderia fazer uma edição inteira dedicada à ela, mas como aprendi, o modo como eu vivo é, de alguma forma, uma maneira de honrar a ela e seus ensinamentos diariamente.