Porquê se consultar com um arquiteto antes de tomar uma decisão referente à imóveis?
+ Um estudo de viabilidade de um programa de necessidades em um pequeno duplex.
Uma vez, uma pessoa me procurou com um orçamento bem enxuto e um contrato de aluguel já fechado para fazer um projeto com necessidades bem específicas. Em nosso primeiro contato, pelo orçamento e a descrição de “espaço perfeito” que ela tinha encontrado, eu imaginei que ela precisava apenas comprar alguns poucos mobiliários e organizá-los espacialmente.
Ao medir o espaço, verifiquei que a metragem quadrada era quase 20% menor do que o anunciado pelo proprietário no anúncio do aluguel. Somado à isso, pude verificar que o programa de necessidades que me foi passado não cabia ali. Era necessário seguir muitas normas dadas as especificidades do projeto, ou seja, ia faltar espaço. O local precisaria de ter mais ou menos 100m2 a mais e o orçamento da obra para sua adequação seria bem maior do que aquele que me foi dito para que fosse possível adequar o projeto, já que a pessoa dizia não ter como enxugar o programa de necessidades pois precisava daqueles números mínimos para que seu empreendimento se sustentasse financeiramente.
Esta pessoa teve de rever todo seu orçamento, além do programa de necessidades, é claro, para que o espaço pudesse receber aquele projeto de forma adaptada. Eu não fiz o projeto, mas participei deste momento de revisão.
Resolvi compartilhar isto aqui pois esta história ilustra muito bem a importância de procurar um arquiteto para que seja feito um estudo de viabilidade para a implantação de um programa de necessidades antes de fechar um contrato imobiliário, seja ele de compra ou aluguel. Um investimento financeiro deste porte é algo que deve ser feito com muita atenção para evitar não apenas arrependimentos por parte dos compradores/locatários como também frustrações e sustos com orçamento. No exemplo que mencionei, o projeto do cliente corria o risco de não se sustentar financeiramente, ou seja, sua viabilidade estava ameaçada por conta da decisão tomada sem um apoio técnico.
No texto “O que é essencial pra você?”, comentei sobre uma visita que fiz à um pequeno apartamento duplex e percebi que aquele espaço tal como foi concebido não seria capaz de acolher as minhas necessidades, pois, o que eu considero essencial, não poderia ser contemplado ali. Esse texto, enviado semana passada, me motivou a escrever este aqui e expor o pequeno estudo que fiz daquele apartamento.
Uma pequena nota: Embora eu o tenha feito a mão e em poucas horas, resolvi fazer um croqui digital mais elaborado e incluir outros itens para melhor expôr as ideias deste processo aqui. Como já disse no texto “O tempo e os arquitetos”, aprendi com minha orientadora da faculdade que desenho é algo íntimo para ser exposto, por isso, resolvi digitalizar o croqui para que fique melhor a qualidade. Ah, lembrando, é só clicar nas imagens que elas aumentam, ok?
O que este espaço permite? Layout atual x layout repensado
O apartamento estava a venda mobiliado (incluindo eletrodomésticos e eletrônicos), sendo assim, resolvi colocar a planta do primeiro pavimento com o layout tal como estava. Com o objetivo de me mudar rapidamente e sem fazer obra, algumas coisas foram fundamentais para a idealização do novo layout e do projeto de décor, como, por exemplo, manter o ponto de tv existente e a cozinha tal como estava.
Sabendo que este espaço é menor do que o espaço atual que habito foi preciso pensar numa nova proposição de estilo de vida, entendendo que ali seria quase um ateliê/studio e não uma casa tradicional com ares de casa com sofá, poltronas, buffet e etc, o que muda completamente a concepção deste espaço. Após entender esta premissa - que é muito importante - estabeleceu então um partido a partir do qual pode-se pensar os detalhes.
Pensando o espaço: um ambiente feminino e acolhedor
O apartamento atual conta com um décor bem masculino e frio. O sofá é escuro, as esculturas de aço polido e sem elementos que aqueçam o espaço, tal como uma madeira clara, ou texturas e tecidos naturais, por exemplo.
Pensando assim, comecei estabelecendo (mentalmente - mas que vou ilustrar aqui) um mood board de como eu gostaria de me sentir naquele espaço. o que eu gostaria que ele me trouxesse.
Neste caso, percebe-se como ele apresenta luminosidade (um atributo muito presente no local dadas as enormes janelas de piso ao teto - aproximadamente uns 5,20 de altura), conforto (seja pela foto da moça sentada na poltrona ou eu de pijama, ou até mesmo no chão), um espaço para criatividade (trabalho), leitura, experiências culinárias e uma vibe de aroma fresco e um pouco amadeirado (representado pelos figos). E por último, mas não menos importante, aliás, o mais importante: o segundo morador da casa. Não coube no espaço, mas seriam também contempladas flores e músicas. Imagine um espaço no qual uma playlist como esta toca durante o trabalho e esta enquanto me maquio . E estas aqui e aqui enquanto cozinho/momentos de diversão.
Um esboço e alguns croquis: selecionando as peças que estariam neste espaço
Baseado no mood board comecei então a delimitar um pequeno design board, que optei por não incluir aqui, pois logo parti para o layout, indicando algumas das peças numa planta esquemática com algumas observações.
As taças por exemplo, são uma coleção que já possuo, ilustram ali a necessidade de mobiliário específico para abrigá-las. A madeira veio aquecer o espaço. O mobiliário moderno não é apenas reflexo de um gosto particular, mas abriga memórias diversas. A poltrona womb, além de ser uma das mais confortáveis possível, tem memórias afetivas de quando eu estudava horas no Smith Center, tal como o banco traz uma vaga lembranças da elegante Farnsworth, e assim por diante. Perceba que embora no desenho não apareça o tapete, ele é contemplado na lista de observações junto à uma luminária.
Como o banco é acessório, faz-se necessário um segundo croqui para verificar a viabilidade das possibilidades de outro layout, respeitando os cheios e vazios e os espaços de circulação.
Questionamento: neste espaço cabe o que é essencial?
Sempre proponho para os clientes alguns exercícios que têm como objetivo estabelecer as especificidades que o projeto deve contemplar. Desde o mobiliário baseado nas necessidades específicas de armazenamento até a descrição de como ele quer se sentir no espaço, detalhamentos de sua vida para antever algumas necessidades ou até mesmo a descrição de itens que ele pretende manter.
A tabela abaixo é um dos exercícios propostos e tem a finalidade de antever a necessidade e os espaços de armazenamento adequados para a futura habitação. Quando a pessoa tem um amplo acervo de roupas e acessórios, uma vasta quantidade de itens de cozinha, livros e documentos, ou quaisquer outros itens que exigem necessidades especiais de armazenamento, vale a pena descrever as necessidades específicas dos espaços a serem ocupados por estes itens. Para isso, há a tabela abaixo.
Depois de um croqui em planta, e pensar bastante na necessidade de armazenamento, é preciso espacializar essas ideias para ter uma visão completa. Novamente, estes desenhos são como croquis, nada com alto rigor técnico, mas feitos especificamente para pensar o espaço e ver se ele contempla ou não a área necessária para atender as necessidades da pessoa que vai habitar aquele espaço.
Alguns detalhes ficam mais visíveis, como por exemplo a parte da mesa com a necessidade de desenho específico para receber o teclado, já as gavetas não ficam em evidência. A escada marinheiro também se faz presente, assim como as portas para armazenamento de documentos no espaço de baixo e foram justamente elas que me fizeram optar por uma poltrona e não por um sofá. Tudo que implica numa decisão importante acaba aparecendo nesse tipo de desenho de estudo.
E o investimento?
Não basta apenas contemplar as necessidades espaciais, é preciso também ver a viabilidade financeira daquele projeto. Então, por último, é preciso uma lista dos itens contemplados a fim de saber o valor do investimento que seria feito naquele espaço. Eu não incluí aqui o mezanino, que era o quarto, mas ainda seriam contemplados a cabeceira, a cama, e alguma atualização dos armários. Mas, como o post é pequeno, acabei por colocar o primeiro pavimento com o que era mais interessante.
Bom, se você já leu no texto: O que é essencial pra você? sabe do resultado disto tudo. Nele, eu afirmei que embora fosse muito atrativo e contemplasse muitos sonhos - como uma estante que ocupa quase todo pé-direito duplo - o espaço em si não seria capaz de acomodar todas as necessidades previstas e o investimento seria alto para ainda assim não ser suficiente.
Por isso eu indico uma consultoria com um arquiteto antes de uma tomada de decisão deste tipo. Neste caso, eu mesma fui arquiteta e cliente, o que fez com o trabalho pudesse ser exposto aqui quase que inteiramente.
Por hoje é isso, até breve!