A newsletter esta semana está comemorando seus 1000 assinantes. Hoje, por aqui, é dia de festa! E coincidiu com a data do ano mais esperada por alguns, o carnaval.
Impossível não pensar em carnaval quando falamos de Brasil. Acho que o país deixou de ser conhecido pelo futebol, no entanto, a imagem do carnaval e da alegria do brasileiro ainda é muito forte na construção deste imaginário brasileiro.
Eu, como boa introvertida, não sou de sair e ficar por aí jogando confete e serpentina. Aproveito a época para descansar longe da folia e ler bastante. Mas não podemos dizer que o carnaval não é contagiante, pois ele é. Vou até retomar um livro famoso por aqui, As formas da alegria, no qual a autora Ingrid Fetell Lee vai nos lembrar que, de fato, a alegria tem muita. E esta forma muitas vezes é redonda, colorida e cheia de glitter.. além disso, é permeada por texturas e diferentes elementos sensoriais. Ah, e a música, sabemos também o poder que a música tem de agir no nosso cérebro alterando nosso estado emocional. Logo, quando estamos diante da presença de músicas - seja um sambinha, uma marchinha ou um axé - o nosso corpo vibra e a animação surge. Incrível como o cérebro funciona na reunião destes elementos, não? Vale lembrar que uma música famosa das playlists de carnaval, “Minha Pequena Eva” já foi mencionada por aqui, haja vista que ela foi escrita durante a corrida especial, que eu aprendi neste livro “No espaço, com Lygia Pape”, como contei aqui.
Para mim, como arquiteta e urbanista, é inegável pensar nos efeitos do carnaval da urbe. Algumas cidades são tomadas por pessoas logo cedo - antes até do raiar do sol, as ruas se tornam palco e cenário de uma festa popular. Atualmente, conheci até bloquinhos que reunem pets e crianças. Foi ao morar perto de um colégio com muitas turmas dedicadas às crianças, que passei a relembrar os festejos de algumas festas tradicionais (como o carnaval e a festa junina) pelos olhos dos pequenos. Festas nas quais há muito confete e purpurina, marchinhas antigas e risadinhas gostosas - acredita, é possível ouvir a festa o dia todo. Na semana de carnaval é impossível não se juntar aos festejos, afinal o som invade o meu apartamento. Cansei de lutar e resistir. Embora as vezes acabe saindo um pouco de casa se preciso de silêncio para trabalhar, logo me rendo à músicas como: “Olha a cabeleira do zezé” (da década de 1960) ou “o jardineira porque estás tão triste” (da década de 1930). O sambódromo pode até datar dos anos 1980, Tendo sido idealizado pelo governador Leonel Brizola e seu vice Darcy Ribeiro junto do arquiteto Oscar Niemeyer como espaço de celebração da cultura, mas o carnaval é muito mais antigo.
Aliás, eu não consigo pensar em samba e carnaval sem pensar no trabalho do antropólogo Roberto da Mata que me ganhou com suas histórias acerca desta festa tão brasileira, ele tem até um livro chamado: Carnavais, Malandros e Heróis. Ele nos conta como o malandro era essa figura que transita entre alta e baixa cultura, entre as festas no morro e os bailes no Copacabana Palace. Esse Rio ficou conhecido pelo samba, pelos malandros nos anos 1930, época na qual também ocorreram muitos encontros na cidade como o do arquiteto Le Corbusier e a dançarina Josephine Baker, símbolos do moderno em suas áreas,
Retrato desse novo momento na cidade é de um Rio de Janeiro conhecido pelo samba, com os malandros, personagens que se consagraram como atores na cidade na década de 1930, época na qual o samba ganhou evidência e encontros célebres ocorreram, fossem esses de pessoas (como Le Corbusier e Josephine Baker, símbolos do moderno) ou da arquitetura com a natureza. Essa referência à cidade romantizada nada mais é do que a perpetuação das figuras que ajudaram a construir uma imagem do Rio de Janeiro como cidade maravilhosa. Apesar do destaque nesta época, o nome “Cidade maravilhosa” já era usado como referência à cidade desde o começo do século XX.
O Samba tem um papel interessante na história do rio, ele não apenas sai da marginalidade (“samba de raiz”) como também virou exaltação durante o Estado Novo, nos anos 1940, época na qual até a Disney quis refletir essa cultura, durante a vigência da política de boa vizinhança entre os Estados Unidos e o Brasil, com o filme “Saludos Amigos” (1942), quando nos é apresentado o Zé Carioca, uma interpretação inspirada figura do malandro, com seu chapéu fazendo samba com a caixa de fósforo, junto de Carmen Miranda e canções como "Aquarela do Brasil” e “Tico-tico no fubá”.
Foi neste período também que a paisagem do Rio passou por muitas transformações em termos de intervenções urbanas como o desmonte dos morros e as construções emblemáticas modernas que por serem vistas como harmônicas em relação à paisagem, reforçariam o título de Cidade Maravilhosa da cidade, como nos contra Verena Andreatta neste livro aqui.
Durante o doutorado, uma colega leu um livro para um seminário em uma disciplina que chamou a atenção de todos. O livro, escolhido especialmente para ela pelo nosso professor, chama Dançando nas ruas, de autoria de Barbara Ehrenreich. Vou até colocar aqui a descrição usada pela editora do livro: “Barbara Ehrenreich estuda o impulso e o desejo de alegria coletiva, historicamente expresso em rituais e em festas com banquetes, fantasias e danças e desvela as origens profundas das celebrações comunitárias na biologia e na cultura humana. Original, estimulante e profundamente otimista, Dançando nas ruas conclui que somos seres sociais por natureza, impelidos a compartilhar nossa alegria e, assim, capazes de prever e construir um futuro mais pacífico”.
Minha terapeuta sempre faz questão de lembrar que nascemos para estar “em bando”, que sozinho ninguém vive, confirmando a frase do poeta que diz “é impossível ser feliz sozinho” - e aqui ela não fala de relacionamentos amorosos e sim sociais, como a autora do livro coloca. Nós somos seres sociais, até os introvertidos como eu que passam carnavais em casa com amigos também introvertidos envolvidos em outras atividades. (rs) No livro “Dançando nas ruas”, como esta colega e Lee me contaram, a autora revela como os festivais medievais começaram dentro das igrejas, que não tinham cadeiras (lembra que comentei que Lina Bardi se inspirou nas cadeiras que as famílias levavam para as igrejas para desenhar a sua Frei Egídio? Pois bem, ela se inspirou justamente em cadeiras desta época), e com o tempo, para conter os festejos dentro da igreja, as pessoas começaram a festejar nas ruas. E assim, segundo ela, surgiu o carnaval, esta festa que antecede a quaresma.
Não me surpreendeu quando vi Lee mencionar este livro que citei acima em “As formas da Alegria” , tanto é que corri para escrever a esta colega do doutorado pois antes de terminar de ler o livro de Lee, eu me lembrei - e muito - do seminário feito por ela. Com o tempo, após a leitura de “As formas da Alegria”, e com o meu olhar transformado por ela, comecei a perceber como alguns elementos mencionados por ela, de fato, comunicam alegria e tem o poder de alterar nosso estado. Prova disso, no dia que recebi a mensagem de que havia atingido os primeiros mil seguidores aqui no substack, me permiti um momento de alegria instantânea e impulsiva (já que estava fugindo da dieta). Fui à uma sorveteria daquelas self-service, no melhor estilo interior, comer uma bola do sorvete que mais tem sabor de infância pra mim, sorvete de uva! Qual não foi a minha alegria ao me deparar com vários granulados coloridos que estavam na bancada a minha disposição? Pois bem, com o meu potinho parecendo de criança, eu não contive o riso. O confete - seja ele de papel ou de açúcar - adiciona sim ainda mais alegria aos nossos dias.
Recentemente, nesta edição, comentei também o poder das roupas em alterar nosso estado emocional. O que me fez pensar em fantasias - qual o efeito das fantasias? Já comentei sobre uma festa a fantasia por aqui. Será que poderíamos relacionar fantasias com os relatos de liberdade de mulheres que viajam e viajavam sozinhas? Afinal, no começo, muitas mulheres se vestiam de homens para terem a liberdade de flanar por aí. O livro Mulheres Viajantes, lançado este mês, aborda um pouco desta história de mulheres que viajam e como foi lá no começo o viajar, a ocupação de espaços… Eu estou morrendo de curiosidade de ler.
Eu sou apaixonada pelo texto Restos de Carnaval, de Clarice Lispector, no qual ela conta sobre o olhar de uma criança de 8 anos ao ver esta festa que ocupa as ruas, as fantasias - que ora encontam ora assustam -, a alegria e êxtase coletivo e os contrastes entre o fim de festa e a quarta-feira de cinzas, data tão importante para os católicos já que marca o início da quaresma. Para no fim, sua alegria se dar ao ser reconhecida com um banho de confete não como menina e sim como rosa, já que estava fantasiada como tal flor.
Bom, eu não sei sambar e não to me guardando pra quando o carnaval chegar, ao contrário de Chico Buarque, acho que sou mais da tranquilidade das manhãs de carnaval e de novos amores, como nos mostra Roberta Sá. Mas é aquela história, quando Ivete aparece, não há quem não vibre com ela, e isso a ciência explica. E você, sabia destas histórias? Bom carnaval pra quem é de carnaval, bom retiro pra quem é de retiro e boa descanso e boa leitura para quem como eu, espera colocar o descanso e a leitura em dia.
Até breve!