Cores, jelly beans e as formas da alegria
Estas duas últimas semanas foram intensas por aqui, mas tiveram algo de muito especial: inúmeras conversas, com diferentes pessoas e alguns apontamentos interessantes. A primeira delas me fez até voltar a gostar de amarelo! risos. Em meio à semanas tão revigorastes, que quis dividir algumas reflexões antes de falarmos da “Casa Inteligente” x “Casa Burra” na semana que vem, acho que este post vem a calha pois contempla questões interessantes.
Estes dias tive a sorte de passar um tempinho com as filhas de uma amiga na biblioteca. Estávamos pintando desenhos que a bibliotecária nos ofereceu. Contei a elas que quando eu era pequena, a biblioteca não era no Palácio como é hoje, era na antiga estação de trem. Elas duvidaram de mim, pois a única Biblioteca Pública da cidade que conheceram é justamente esta, no Palácio em frente à um jardim centenário - nada mal, eu diria. Escolheram então que eu pintasse a Peppa Pig. Enquanto pintávamos e fazíamos mágica com os lápis disponíveis (havia um único cor de rosa), fiz um degradê em tons rosa. A mais nova, me disse: “você tem um lápis e tem três cores de rosa aí” apontando que eu não coloria de forma uniforme. Comentei com ela que nosso olhar é capaz de captar 7 milhões de cores, mas ela me disse que só tinha visto 3 tons de rosa mesmo. E então começamos a conversar sobre nossas cores preferidas.
Eu não gosto de amarelo, mas nunca questionei o quão alegre e energizante é a cor amarela. Já usei em projetos de cenografia por conta de ser a cor da marca do cliente, mas não é uma cor que eu escolheria com frequência ou sem motivo. Não uso roupas amarelas, por exemplo, eu não me sinto bem de amarelo e Johannes Itten já explicou lá nos anos 1920 que tendemos a preferir cores que nos favoreçam.
Ao desenhar com as meninas, percebi que elas estão começando a entrar numa fase de pintar algo fiel a realidade, deixando de lado o uso livro de cores como faziam até pouco tempo atrás. Quando fiz intercâmbio na Índia, país que tem o branco como a cor do luto por ser a ausência de cor, que é algo vibrante e cheio de energia, a professora de artes da escola na qual eu meu time ministrou workshops, sugeriu que fizéssemos marcadores de páginas com o desenho de um girassol. Dentre as cores de tintas disponibilizadas, tinha vermelho, que eu adoro. Resolvi que meu girassol poderia então ser vermelho; ao meu ver combinava c a experiência. Eu tive professores que sempre defenderam que poderíamos fazer o chão amarelo e o céu lilás, se quiséssemos, a criatividade não deveria ser limitada. A professora indiana, ao me ver pintando a flor de vermelho, puxou o papel da minha mão e disse: “o girassol é amarelo, faça de novo”. Eu não sei onde está o marcador hoje, mas eu lembro em detalhes desta história de imposição do uso da cor.
Um parênteses: Escolhi a foto acima pois eu amo essa composição em tons de vermelho de Albers. É comum que ao vê-la, meu olhar me lembre da capa da designer Cipe Pineles para a revista Charm e a capa do livro Afiadas, de Michelle Dean.
Atualmente, estou lendo um livro chamado “As formas da alegria”, de Ingrid Fetell Lee. É o tipo do livro que traz insights interessantes mas também e que também requer um pouco de autoconhecimento para não ser encarado como uma receita de bolo, se não, ao invés de achar que algo vai trazer alegria, você vai ter o efeito reverso. E por isso eu comentei lá em cima das conversas que tive… Ao conversar com uma psicóloga, uma dentista e um arquiteto, todos comentaram algo em comum: As pessoas não sabem o que gostam, mas elas tem facilidade para dizer o que não gostam, e isso é o primeiro passo pra descobrir o que gostam. No exemplo acima, eu comentei que gosto de vermelho e não me sinto bem de amarelo, por isso não gosto da cor.
Ler "As formas da alegria" fez com que eu me atentasse mais ao maximalismo e as cores que me cercam. Ou melhor, tem me feito enxergar o que eu considero maximalismo como fonte de alegria para outras pessoas. Mas, no meu caso, ordem, harmonia e luz tem um peso muito maior do que formas e cores, como a autora coloca1. Eu, pessoalmente, prefiro viver numa casa clara com muita luz, uma paisagem a vista, texturas e linhas retas (e com o meu cachorro, é claro), do que viver em uma casa com formas arredondas e estímulos constantes de cores vibrantes, o que me deixam um pouco desconsertada. No entanto, ver um pote de jelly beans com suas cores e formas arredondas (e aquela escala menor) é uma fórmula certeira para alegria, com a exceção da azul, é claro, pois eu não gosto de anis.
E o interessante é como a própria autora vai abordando, de forma muito discreta, o que de fato contribui para nos trazer alegria.. não precisa sair de roupa laranja e rosa, mas o fato de usar poás, por exemplo, é o suficiente para trazer alegria pela repetição do motivo redondo, independente da escala; basta 1 item de cor que agrada o morador - que pode ser uma obra de arte ou um banquinho.
Os insights que ela traz são interessantes e os exemplos extremos também, pois fogem do comum, como o Reversible Destiny Lofts, projeto de Arakawa e Madeline Gins que busca a hiper-estimulação dos sentidos, e que vê a arquitetura como medicamento e um espaço de “cura”. Ou o hospital maximalista de Dorothy Draper que introduziu cores e texturas mostrando uma melhora mais rápida nos pacientes. Ela comenta algo que me chamou a atenção e que tem também um pouco a ver com um assunto que comentei com algumas pessoas esses dias, inclusive uma art advisor, que é o consumo por status ou pertencimento, quando ela comenta a simplicidade como uma escolha considerada sofisticada.
“Essa fusão entre estética e valor é recorrente na história, criando situações em que as escolhas estéticas fazem as vezes de janela de nossas virtudes. Isso ainda persiste. Em um mundo sobrecarregado de coisas baratas e acessíveis, escolher bens simples e sem adornos se tornou uma espécie de distintivo de integridade, como ser magro ou manter bons habitos de higiene.”
Veja bem, se talvez eu não soubesse como eu me sinto dentro de uma roupa estampada, que é algo não alinhado com a minha personalidade, talvez esta citação tivesse me acertado em cheio. E aqui dialogamos então com uma frase de J. Pawson que trouxe em outra edição da newsletter:
“Falamos cada vez mais sobre a arquitetura como uma estrutura para o bem-estar, o que é atualmente interpretado como mais textura e cor. Você é afetado por tais movimentos?” Ele respondeu: “(…) você sabe, as pessoas entram [na casa de campo] e dizem “Ooooo!” Quero dizer, esse é o teste decisivo, não é? As pessoas se sentem bem. Ou na igreja, eles se sentem mais próximos de Deus. No restaurante, eles sentem fome. Esses espaços são para as pessoas viverem, trabalharem ou orarem, e foram projetados para isso. Você não precisa de cor artificial”.
Concordo com Pawson e com o que ele diz: O que importa é que você se sinta bem. Então, acho que talvez tenhamos feito a pergunta errada. Já que é mais fácil responder “o que não gosto” ao invés “do que gosto:, e lembrando aqui o que Sontag diz acerca do gosto, que “defender um gosto é defender a nós mesmos”, eu não pude deixar de pensar: e se perguntássemos: O que nos faz/faria bem? ou até mesmo: “Como eu me sinto neste lugar/nesta roupa/em relação à este mobiliário?” - será que seria mais fácil responder?
Aqui se encaixa um pouco o que já falamos sobre Neuroarquitetura. Propor um espaço é uma experiência pessoal baseada na trajetória de vida da pessoa.
Fluido na simplicidade da escrita nos integrando ao texto ...!!!! Abraços sucesso.