Existiu um arquiteto certa vez chamado Bernard Rudofsky, que falava o seguinte: “Life as a voyage, travel as a lifestyle” (“A vida como uma viagem e o viajar como estilo de vida”, em tradução literal - saiba mais sobre a exposição que fizeram sobre o arquiteto aqui). Tenho pesquisado recentemente como as pessoas vêem o viajar para aprofundar meus estudos em relação ao tema.
Uma frase muito comum em relação a viagens é a frase de Diane Vreeland: “The eye has to travel”, que entitula um livro e um documentário sobre o ícone fashion. E, por quê afinal o olhar deve viajar?
Bom, eu acredito que a viagem nos oferece 3 coisas: ela é uma experiência (independente se for você for um turista ou viajar - vamos falar disso depois), ela transforma o olhar a partir da experiência que a pessoa teve, e ela tem o potencial de ampliar o repertório.
Mas aí, nós temos que conversar sobre algumas coisas para poder abrir esses 3 tópicos:
Primeiro, eu acredito que toda viagem começa com o processo anterior à ela, quando a nossa curiosidade nos leva a querer ir àquele lugar. Ou seja, se você quer ir à Paris, por exemplo, existe todo o processo do “descobrir” a cidade, seja por meio da procura de hotéis, de atividades, ou até mesmo do pacote de viagens que vá saciar sua vontade de conhecer Paris. Ninguém viaja sem um objetivo, certo? Ninguém fala: vou pra Tailândia amanhã mas não sei o que vou ver lá. Mesmo que seja uma viagem de negócios, a pessoa tem que saber o básico.
Segundo, a nossa visão do local vai depender das nossas experiências prévias. Nisso, eu pego emprestado aqui uma frase da escritora e viajante brasileira, Júlia Lopes de Almeida, que fala o seguinte: “Como escrever impressões de viagem de um modo impessoal, se tudo que o escritor observa tem de ser julgado pelo seu modo exclusivo de ver e de sentir?”. Sempre falo que é importante nos despirmos de preconceitos antes de viajar, mas acho importante lembrarmos também o quanto o nosso olhar influencia na nossa experiência.
E por último, para a gente conseguir ampliar o repertório, é preciso um olhar atento e a busca pelo que é realmente local. A partir do momento no qual a gente busca o que é confortável e conhecido, a gente se fecha para uma parte muito importante da experiência, que é justamente, o desconhecido, o que causa estranhamento e o que pode ser uma fonte inesgotável de novidade.
Achei curioso esses dias li um artigo no Vox, e que eu recomendo a leitura - link aqui, que falava como o cinema tem a necessidade de impôr um motivo para as mulheres viajarem. É sempre um divórcio, um rompimento, algo assim. Como exemplo, o artigo cita as adaptações de Livre, de Cheryl Strayed; Comer Rezar Amar, de Elizabeth Gilbert; Eu incluo aqui Sob o Sol da Toscana de Frances Mayes1, que não tem muito a ver com o livro uma vez que no livro ela contra o processo de reforma de uma casa pelo o qual ela o marido passaram (pesquisei mas ainda não o li, confesso).
O mesmo artigo ainda relata que mulheres viajando sozinhas correspondem à 72% do total de entrevistadas de uma pesquisa feita, enquanto homens normalmente não viajam sozinhos. E, segundo pesquisas, ao contrário do que imaginávamos, mulheres viajavam sozinhas nos sex XVIII e XIX, mas nós não temos relataos suficientes sobre isso, por isso muitos pesquisadores achavam o contrário. O que aguçou ainda mais a minha curiosidade, confesso...
Outro artigo interessante que li esses dias, e que também recomendo a leitura, foi o “See how women traveled in 1920” da Nat&Geo que aborda como as mulheres viajam, e algumas curiosidades em relação ao passaporte, uma vez que mulheres solteiras e casadas tinham diferentes processos na hora de emitir o documento. Esse eu não vou comentar muito pois é muito detalhado, mas vale a pena ler!
Bom, e por falar em mulheres que viajam, uma coisa me chamou a atenção neste final de semana foi esta frase que li em uma biografia de Elizabeth Taylor :
“Sou uma observadora. Aprendi quase tanto a partir de minhas observações quanto com minhas experiências, embora nem sempre tenha sido fácil. Ver sem ser vista é um luxo para qualquer celebridade. E por isso que adoro visitar países como a China e a África, onde ninguém me conhece. Ainda assim, mesmo nos Estados Unidos, onde sou frequentemente objeto de atenta observação, procurei olhar, ouvir e aprender.” (Elizabeth Taylor, 1988, p.50)
Acho interessante a colocação de Elizabeth Taylor, pois, ela se coloca como uma observadora anônima em 1988 assim como Frances Mayes, autora de Sob o sol da Toscana o faz em 2006 e como eu Helena já me peguei pensando em silêncio em 2020, risos. Mulheres em épocas super diferentes e o mesmo comentário acerca de ser uma observadora em viagens e não ser reconhecida, não que Frances fosse, pq ela nunca foi tão pública como Liz, mas acho isso interessante porque além se observar com o olhar atento e o intuito de aprender e captar o que acontece à nossa volta, também nos apresenta a possibilidade de sermos livres e experimentar coisas diferentes, como dançar ou sorrir ou até mesmo usar uma roupa diferente. Acho que esse anonimato é, de certa forma, libertador. Abaixo, transcrevo um trecho do livro Um ano de viagens, de Frances Mayes:
“Viajar amplia minhas fronteiras. Na aparência uma comodista, viajar paradoxalmente oblitera o eu-eu-eu, porque rápido prestíssimo - o insignificantezinho eu se liberta do presente e está solto para se mover pelas camadas do tempo. Não é 2006 no mundo todo. Então, quem é você num lugar onde ainda não chegaram a 1950 ou 1920? Ou onde o guia diz: "Não estamos falando de d.C. hoje. Tudo a partir de agora é a.C.”. Lembro da criança que saiu de um barraco com teto de sapê enfiado no interior das estradas de terra da Nicarágua. Ela correu para tocar no carro, os braços erguidos no ar, intrigada. Ela teria ficado a noite toda olhando para os faróis acendendo e apagando. Você está solta também porque é insignificante para a vida do novo lugar. Quando você viaja, fica invisível se quiser. Eu quero. Gosto de ser a observadora. O que faz essas pessoas serem quem são? Eu me sentiria em casa aqui?” (Frances Mayes, 2006)
Na citação de Mayes duas frases me chamam a atenção: (1) “Não é 2006 no mundo todo. Então, quem é você num lugar onde ainda não chegaram a 1950 ou 1920?” e “Eu me sentiria em casa aqui?“. A primeira me lembrou muito de minhas viagens a Cuba, já a segunda tem um impacto maior sobre nós: CASA!
Quis terminar com esta citação dela pois uma outra questão que quero explorar nesta série de textos sobre viagens é a nossa relação com a casa, uma preocupação que observei em alguns textos como o de Rudofsky e o de Mayes. Inclusive, está em pré-venda o novo livro de Frances Mayes: “A Place in the World: Finding the Meaning of Home“, e pelo qual eu estou ansiosa. Adoro a forma como ela consegue nos apresentar tanto conteúdo das artes, relacionando-os às suas viagens, em uma escrita superpoética.
Por hoje, é isso!
Até breve.
Não recomendo a leitura de Livre, e acho que o filme também deve ser visto com parcimônia dado os possíveis gatilhos que podem despertar em algumas pessoas. Eu gosto muito da Cheryl Strayed como viajante e adoro seu podcast “Dear Sugar”, mas acho que como autora nem todos gostam de sua obra. Sou fã de Elizabeth Gilbert seja o livro ou o filme, e AMO o filme Sob o sol da Toscana tanto quanto amo a escrita de Mayes. Eu ainda indicaria o livro Between Two Kingdoms de Suleika Jahouad que fala sobre um tipo diferente de viagem, após um processo difícil de sua vida.