A casa e o viajar
Uma pequena nota: Quem me conhece sabe que eu já fiz 32, mas este post começou a ser escrito em 30/09/22, por isso o 31 anos ali.
Tenho sonhos que ora me parecem distantes, ora complementares. Recentemente, comecei a fazer o projeto da minha sala. Minha ideia inicial era retirar uma parede para ampliá-la, me desfazendo assim do escritório, levando a mesa de trabalho para outro cômodo. Em uma das versões dos projetos que fiz, acho que foram 5, eu cheguei a incorporar uma mesa de trabalho na sala, mas logo desisti. Um ponto importante do projeto era manter uma estante na qual eu pudesse colocar em exposição meus livros, parte importante de mim. No entanto, chegou um momento no qual eu percebi que eu realmente preciso de 3 quartos e não apenas 2.
Algumas pessoas já mencionaram que acham que eu não sou o tipo de pessoa que expõe itens de viagem pela casa. E elas estão certas. Assim como eu não sou consumista, e tento comprar apenas o essencial - com exceção de livros - eu mantenho essa essência em viagens. A memorabilia que eu trago comigo de se resume à itens para casa (jogos de café, de chá, itens de mesa), gravuras, perfumes, ocasionalmente alguns acessórios e comida! Nada de itens de souvenirs. Entretanto, na minha estante, existem sim alguns itens especiais, como a cerâmica da foto que ganhei de uma amiga que trouxe de uma viagem que ela fez.
Eu amo quando as pessoas lembram de mim quando viajam, pois eu, quando posso, tenho o hábito de fazer o mesmo. No método expandido das linguagem do amor, as minhas são tempo de qualidade e intelecto - que inclui lembrar especificamente do que as pessoas que eu amo gostam. (Já comentei sobre linguagens do amor e décor aqui, veja o link para o post abaixo). E isso inclui trazer coisas que me fazem lembrar de pessoas, mas eu ainda sou aquela que prefere mandar um cartão postal e enviar diretamente do destino, nada diz mais “lembrei de você aqui” do que isso. Geralmente, compro coisas especiais que a pessoa poderá carregar consigo (um olho grego, uma pedra turquesa, um brinco de pérolas - a lista de coisas que já comprei é longa).
Tenho me questionado recentemente o seguinte: se Frances Mayes foi à Itália aos 35 e escreveu “Sob o sol da Toscana” (e tantos outros títulos), se Liz Gilbert foi à Itália aos 33 e depois veio “Comer Rezar Amar”… seguindo a regra da diferença de idade, o que eu aos 31 poderia encontrar na Itália? Talvez questionar se o tom de azul do mar de Capri que alguém vê é o mesmo tom que eu vejo? Ou talvez falar sobre os grand tour que arquitetos fizeram no passado? Ou apenas escrever acerca do simples prazer de viajar: experiências, observações e o principal: a construção casa pra quem viaja… criar espaços para experiências em casa - talvez estes temas sejam a minha contribuição.
Eu adoro que Frances Mayes tenha comprado uma casa e estabelecido um lar em outro país. Acho isto incrível. E mais incrível ainda é como a experiência dela foi traduzida em diferentes livros para que outras pessoas possam ter também uma forma de experimentar o viajar sem sair de seu lar. Atualmente, estou lendo de forma calma seu mais novo livro: A place in the world: finding the meaning of home - e vejo que esta questão de encontrar o lugar que chamamos de casa é muito importante, e recorrente especialmente para quem viaja. Já comentamos sobre isso neste post, Onde é o nosso lar.
Por isso eu gosto de trazer itens de viagem para casa, e que possam ser usados ou carregados comigo sem ter um papel meramente ornamental. Eles não apenas contam uma história sobre mim, como eu também os considero uma forma de repetir pequenas experiências ou carregar sensações. Tomar chá depois de ir à China nunca mais foi a mesma coisa e eu ainda trouxe comigo copos e chaleira especiais para o preparo do ritual do chá. O mesmo eu fiz com copos de chai e café na Índia, e comprei a mesma xícara que usava para tomar café no local onde me hospedei na América Central e assim por diante. Pequenas lembranças carregadas de memórias e histórias que não necessariamente ficam expostas mas que fazem parte do meu dia a dia.
Muitas vezes somos impulsivos em nossas compras em viagens com o pensamento de que possivelmente não teremos a oportunidade de comprar aquele item de novo. Por isso eu acabo comprando coisas que eu tenho certeza que vou gostar e geralmente são pouquíssimas - para se ter uma ideia, na última viagem foram dois postais para emoldurar, um kit de colar da Fundação Annie Albers e doces, muitos doces para comer e presentear, além de um livro de fotografias - sempre trago livros sobre artes e culinária do local.
Poderia entrar num debate acerca de autenticidade, cultura urbana e globalização, mas isso eu deixo para a academia. Não acho que trazer um tempero na mala vá tirar sua autenticidade a ponto de diminuir uma experiência, pelo contrário, acho que é uma forma de transmitir e prolongar uma experiência, inclusive dividindo-a com outras pessoas. Afinal, parte do viajar é dividir a experiência depois de voltar. Acerca da cozinha ser uma experiências para os sentidos, recomendo o post maravilhoso da minha amiga Jess Carbone, em sua newsletter French Fries and Martinis - leia-o aqui.
Adentrar a casa de alguém é de certo modo fazer uma viagem à seu mundo. Conhecer em parte o que a pessoa tem para mostrar, seus hábitos e vida. E eu acho incrível como, geralmente, as crianças expressam esse desejo de conhecer a casa das pessoas. é uma curiosidade muito autêntica. Existe um livro do Kerri Smith chamado: “How to be an explorer of the world” e nele, o autor traz pequenas atividades para que as crianças explorem o mundo, observando-o, tomando notas e coletando informações. Basicamente, vivendo o presente.
Acho que nós, adultos às vezes precisamos lembrar disso tudo para nos desconectar do trabalho, do wi-fi e vivenciar o mundo, colecionando momentos ao invés de coisas. Fazer fotografias mentais (quando a gente fecha os olhos e deixa o momento percorrer os sentidos como uma forma de armazenar aquele instante para sempre). Não é um item que vai ativar uma memória, mas como você se sentiu naquele momento. Existem músicas que me transportam à lugares, consigo até sentir o clima do lugar onde estavam quando a mesma me marcou. Existem sabores que trazem conforto. Existem imagens que mesmo já tendo visto mil vezes, eu ainda as observo com o olhar atento e curioso como se fosse a primeira vez que eu a estivesse vendo.
Viaje, crie memórias, traga coisas que te chamem a atenção, mas que sejam realmente valiosas (para você) mas não se apoie nela para lembrar dos momentos que viveu. E não deixe de criar experiências em casa, no lar, como uma forma de compartilhar ou viajar novamente. A nossa casa resguarda uma parte muito importante do mundo, a nossa história, que deve ser construída com o olhar atento, nossa essência e nossa autenticidade.
Como um hábito influencia na nossa casa
Já mencionei aqui, em outra edição que para Pico Iyer, em seu Ted Talk, viajar não é apenas deixar a casa e sim promover uma mudança de hábitos. Eu, por exemplo, comecei a cozinhar após viajar. Eu me lembro de ter voltado pra casa com uma vontade indescritível de comer arroz com amendoim e limão, e não tinha restaurante indiano por perto no qual procurar este prato. Foi então que comecei a me interessar por cozinhar.
Já vi pessoas que começaram a ter livros em casa quando começaram a viajar, e para se planejar, compraram livros e guias.. e com isso nasceu a necessidade de se ter uma estante. Em outros casos, vi pessoas que ao mudarem de hábitos, por exemplo ao fazer uma dieta, criaram gosto pela cozinha, e a necessidade de ter um geladeira e freezer fizeram com que a cozinha precisasse ser reformada para contemplar este novo hábito.
Quem gosta de receber, acaba tendo a necessidade de atender esse desejo de ter as pessoas sempre por perto. Já, quem gosta de viver pelo mundo, acaba tendo a necessidade de ter menos itens, menos coisas - para simplificar a vida, sendo a casa um lugar onde se gasta menos tempo para poder investir o tempo em outras atividades.
Cito aqui algo que um amigo me escreveu sobre as maravilhas do viajar quando comecei a viajar sozinha e nunca me esqueci era mais ou menos assim: “Nós nunca sabemos o que esperar. Não importa o quanto nós nos planejemos, ou o que nos digam. É um pouco como a vida. Carrega surpresas maravilhosas e desconhecidos, altos e baixos, experiências memoráveis - algumas nem tanto.. pessoas e eventos que vão marcar a nossa vida de tantas formas e que vão influenciar a nossa trajetória… a ponto de influenciar algumas escolhas na vida”.
Hoje, ouso dizer que a casa é um pouco como a vida o viajar; ela reflete os dois. Cheia de surpresas. É algo que vai se moldando de acordo com os acontecimentos; os novos hábitos; as novas descobertas. A casa, este organismo vivo em constante transformação. E, por mais que nós planejemos, ainda há algo passível de ser transformado por conta de alguma novidade - seja para receber um novo hábito, uma nova atividade física, um trabalho que precisa de espaço, um novo hobby, um bebê, um novo relacionamento. A casa é o espaço que construímos para criar experiências e memórias, quando viajamos, procuramos lugares; experiências e voltamos cheios de memórias - talvez a casa seja uma extensão disso; a nossa base, onde voltamos para recarregar até a próxima aventura, podendo ela também ser uma viagem toda vez, afinal, nunca retornamos os mesmos.
Que texto lindo Helena!!!
Ressoa em mim! Obrigada 😊