Nosso lugar no mundo
A casa, o lar e o lugar com o qual nós nos identificamos
Este texto foi originalmente publicado em 19/08/22 e editado em 20/08/22.
Para Edward Sharpe & The Magnetic Zeros, “Home is wherever I'm with you!”, ou seja, casa é estar com alguém especial. Há o jargão “home is where the heart is”, um lugar pelo qual você se apaixonou a ponto de reconhecê-lo como lar, apesar de não ser. O que eu posso dizer sobre isso? Já deixei meu coração em tantos lugares…
Comentei em um texto uns dias atrás que uma constante que vejo nos relatos de muitos viajantes é a identificação do lugar o qual se deve nomear como “lar”.
Achei curioso que assim que este texto foi publicado, eu li a seguinte citação no livro “A gente mira no amor e acerta na solidão da psicanalista Ana Suy:
“Você já deve ter ouvido falar que “o melhor de uma viagem é esperar por ela” ou que “o melhor de uma viagem é voltar para casa”. Tais frases apontam para a imensa satisfação que há em torno de uma realização propriamente dita. Quem não tem casa não viaja, e quem simplesmente viaja, sem espera, geralmente é por algum imprevisto indesejado.”
Ana Suy
O que me chamou a atenção na frase foi a sua colocação: “Quem não tem casa, não viaja” - o que me mostra que, de fato, existe essa relação da casa, um lugar para o qual voltar. Mais abaixo menciono o Ted de Pico Iyer no qual ele questiona essa questão da casa. Para ele, viajar não é o ato de deixar a casa, e nos faz os seguintes questionamentos: O que de fato seria uma casa? Um espaço físico? Um sentimento? O nosso lugar no mundo?
Na faculdade de arquitetura que fiz, uma pergunta muito comum era: “Como você vê a questão do morar?”.1 Assim que ouvi isso, eu pensei naquele estudo feito pela neurociência sobre 21 dias para criar um hábito, e me questionei se apenas uns dias em algum lugar seriam suficientes para chamá-lo de lar ou de “meu lugar”. E, até hoje, eu tenho a sensação que sim. Nós criamos essa relação com alguns lugares. Essa coisa de chegar num lugar e pensar: “Nossa, como eu demorei pra vir até aqui?” ou “Eu me sinto em casa aqui”. Vejo pessoas que ainda chamam de “minha casa” a casa dos país, mesmo tendo a sua própria - Isso a psicologia explica, eu não saberia colocar em palavras mas sei que existe uma relação. Vejo pessoas ainda procurando um lugar para chamar de lar mesmo com uma casa com projeto personalizado pois não se identificam com aquele espaço onde moram. E aí vem a velha distinção entre casa/lar, muito usada pelos estadunidenses. A meu ver, uma se relaciona com o espaço, o físico, e a segunda com um sentimento. Ora esses conceitos se misturam, ora se diferenciam tal qual o morar e o lugar no mundo, pois para identificar meu lugar no mundo eu não preciso necessariamente morar nele.
Esses dias, comentei com um cliente que meu sonho é conhecer o máximo possível do mundo, já que só se vive uma vez, mas que eu queria fazer isso com tempo, como viajante e não como turista visitando 20 países em 15 dias. Ele retrucou dizendo que não acredita nisso, que pela sua visão espírita, as pessoas estabelecem relações com locais por conta de vidas passadas. Como isso foge da minha crença espiritual, eu acho que criamos elos com lugares a partir de relações que construímos ao longo da vida, sejam elas referências, acontecimentos, livros, enfim.
Acho que nossa relação com a nossa casa/lar é constantemente transformada e a pandemia evidenciou bastante isso. Quem não quis ou não foi obrigado a transformar pelo menos uma coisa em casa durante a pandemia?
Eu quero juntar a minha biblioteca e sala de jantar desde então pois a ideia de escritório pequeno e isolado e a sala desocupada durante o dia não faz mais sentido pra mim. Tive a oportunidade de ouvir uma designer de interiores daquelas bem clássicas dos Estados Unidos, comentando sobre espaços que não usamos como “salas de jantar formal” e “bibliotecas” e isso ficou na minha cabeça.
Porquê eu quis comentar isso? Pois eu ainda chamo de meu lugar espaços eu não frequento mais, tamanho o peso das memórias que eu criei nesses ambientes. Eu estabeleci uma relação “de estar casa”2 em algumas bibliotecas nas quais passei longas hora estudando ou pesquisando. E deixar que os livros ocupem lugares na casa que não apenas o escritório faria sentido.
Eu acho que identificamos certos lugares como casa, pois são especiais ou remetem essa sensação, o que acontece com apenas um ou outro mas não todos. “Me sinto em casa” naquele café maravilhoso no qual eu faço questão de levar todas as amigas pelo aconchego que ele me apresenta, pois me lembra a casa de uma tia querida.Hoje em dia eu não consigo desassociar muito a ideia de casa/lar, pois para mim, os dois são intrínsecos. Quando eu me sinto em casa, estou falando de um sentimento semelhante ao do lar. E, ainda assim, eu ainda não consigo enxergar uma pessoa como casa, mas eu tenho essa busca constate por locais que possam me trazer essa sensação de casa em qualquer lugar no mundo. Se alguém me oferecer uma vaga em Singapura amanhã, porque não? Pode vir a ser um novo lar. Voltar para um lugar já conhecido? Pode também vir a ser um novo lar/lugar.
E aqui fica a pergunta: Onde é a nosso casa? Ou melhor: Onde é o nosso lugar no mundo?
Por isso pra mim existe Casa/Lar e lugar no mundo. Não sei se ficou claro ao longo do texto. Um é o espaço físico, e o outro um lugar de intensa identificação, mesmo que não o habitemos. Esses dias compartilhei uma frase do escritor Pico Iyer no instagram no qual ele nos convidava a fazer duas perguntas quando chegamos em casa após uma viagem: o que tocou você e o que surpreendeu você após esta viagem?
Ele faz estas perguntas como formas de entender o que pode ser transformador na rotina. Para ele, o viajar não é a respeito deixar a casa e sim promover uma mudança de hábitos. Eu achei isso tão interessante, pois eu sempre vejo a experiência da viagem como algo que promove uma mudança de olhar, mas não de rotina. O viajar por si só seria já essa saída da rotina. Fiz essa reflexão e percebi, por exemplo, que tenho tendência a ter uma vida mais pacata e tranquila quando estou em casa.
Em seu TED Talk, Where is Home?, ele reflete sobre os espaços que escolher atribuir o valor de casa, independente da forma como o visitamos, seja com visto de turista ou residente, como os locais nos vêem, e como a nossa percepção a respeito disso muda. Para isso, o autor revisita suas origens e comenta como mesmo sendo considerado por outros indiano, ele não se vê desta forma e nem nunca foi à Índia. Ele faz essa reflexão acerca do lar e do viajar e como muitas pessoas tem deixado seus países de origem se instalando em novos países, o que as afasta muitas vezes do que é conhecido. Mas isso já é uma conversa para um outro post.
Até breve!
ps: Estou curiosa para ler: “A Place in the World: Finding the Meaning of Home” de Frances Mayes, autora de Sob o sol da Toscana, que será lançado no próximo 23 de Agosto. Colocarei abaixo a reprodução da descrição original do livro, tal como encontrada na Amazon.
A Place in the World explores Mayes's passion and obsessions with houses and the things that inhabit them--old books, rich food, beloved friends, transportive art. The indelible marks each refuge has left on her and how each home influenced the next serve as the foundations of its chapters.
Written in Mayes's signature intimate style, A Place in the World captures the adventure of moving on while seeking comfort in the cornerstone closest to all of us - home.
Gosto de como Mayes trabalha as questões do viajar e do habitar. Uma frase que me chamou a atenção é: “Obsessão pela casa e pelas coisas que habitam nela, como livros, comidas, amigos…“. Acho que vai ser um livro interessante! Estou ansiosa!
outra era: “O que é arquitetura pra você?” - Essa eu lembro de ter respondido que era algo perceptível por todos sentidos - como podemos ver, eu ainda levo isso a sério.