Você deve estar pensando: “mais um post acerca do cenário de Nancy Meyers”. Bom, minha resposta é: precisamos falar desses cenários e de sua importância sim. Este post não é um post tal qual de inspiração de decoração e sim um post acerca da importância da linguagem não verbal como fator que ajuda a compor (e reforçar) uma narrativa.
Para começão, vou deixar aqui então esta citação da designer Beth Rubino, que trabalhou com Meyers em inúmeros projetos, sobre a diretora/escritora em entrevista à My Domaine.
“Nancy Meyers is a tour de force. We work together a lot (most recently on The Intern). Nancy is wonderful, very detail-oriented, and she has a keen sense of style. She is the writer-director and she writes to environments, she is really clear about the storytelling visually and through words. The physical entity of the set is the third character, the silent character. That character is created through design.”
Meyers é dona de uma linguagem muito específica, o que a torna um bom exemplo. A Vulture, inclusive, abordou os key elements de sua narrativa em um artigo, confira aqui. Meyers entende a importância do design para uma narrativa, e isso é sempre evidenciado em suas obras. Se você não conhece Nancy Meyers, sugiro visitar este link da Vogue Australia com alguns ambientes de seus filmes. Então, vamos lá!
Em 2017, Michael Martin escreveu um artigo na seção Set Design da Architectural Digest com o seguinte título: “The Psychology Behind Why Everyone Wants a Nancy Meyers House” (A psicologia por trás do porquê de todos desejarem uma Casa Nancy Meyers - em tradução direta ) a chamada era “AD takes a look at how the movie master draws audiences in with her simple yet thoughtful sets” ( AD explora como a mestre do cinema atrai sua audiência com seus sets simples mas cuidadosamente pensados. )
Ele então elenca seis itens pra discutir o tema. Vou colocá-los abaixo e discutir cada um, a partir da minha opinião, com a curadoria de diferentes artigos sobre o tema.
1. They remind us of home—real or imagined | Eles nos lembram um lar - real ou imaginário
- Esse é meu item preferido. Quem nunca quis passar um final de semana na casa dos Hamptons da Erica de “Something’s gosta give”? Ou trocar de casas com Amanda (Cameron Diaz) em The Holiday, ou então no vinhedo de Dennis Quaid em “The Parent Trap” (apesar da escala nababesca dos itens inseridos lá?)
Quando assistimos os filmes, vemos que as casas são, de fato, habitadas. A exemplo da casa de Natasha Richardson1, também em The Parent Trap, que evidencia até um pequeno acúmulo de itens - peças que foram sendo incorporadas ao longo dos anos.
2. They capture the hottest trends | Eles seguem as tendências em evidência
Agora, é importante observarmos uma coisa: em Baby Boom, por exemplo, a personagem principal mora num apartamento repleto de itens de design (incluindo Charlotte Perriand e Le Corbusier) e obras de arte, como o próprio título deste artigo da AD que o intitula como o sonho de qualquer interior design da década de 1980, mas que não contempla esse novo papel de mãe que ela vai exercer. Ela então se muda para Vermont numa casa digna de filme de Nancy Meyers. Em 1987 ( a curadora de conteúdo aqui vai longe nas pesquisas rs), o Los Angeles Times publicou um artigo com o título: Design in the movies: Babies & Bauhaus Don’t Mix : That’s the Not-So-Subtle Message in Film Designer Jeffrey Howard’s ‘Baby Boom’. Destaco um trecho abaixo:
“Howard saw the importance of using high style as a dramatic counterpoint to the story. As the comedy unfolds, J. C. Wiatt (Keaton)--a successful, unmarried New York executive and owner of an exquisite co-op apartment--inherits a baby from a deceased relative and rejects her one-track life style in favor of motherhood.
Believing that “things have a coded language” of their own, Howard designed J. C.'s home as a place filled with objects that not only would reflect her education, sophistication and six-figure income but would also “set up” the radical change in her life style when she abandons her job and moves with the child to a house in Vermont.” (Goodwin, 1987)
Howard, que foi premiado com o Emmy por seu set design em “Miami Vice” acredita que “Pesquisa é a principal skill de um diretor de arte” e que “ A era da tv nos fez muito mais atentos aos sinais, símbolos e aspectos visuais de nossa cultura”. Compartilho muito disso, e acho interessante trazer esse conteúdo de 3 décadas atrás para mostrar que não é algo de agora, que toda linguagem comunica, e precisamos estar atentos à isso.
Em “Home Again”, Reese Witherspoon interpreta uma designer de interiores. Em “The Intern”, Anne Hathaway tem uma startup. Nesse sentido, como Michael explora no primeiro artigo que comentei, suas casas e escritórios são um reforço de sua identidade, assim como as obras de arte e a coleção eram pra J.C. em “Baby Boom”.
3. They're women-first
Michel, em seu artigo, comenta que as casas que estão sempre em ordem são o oposto da vida amorosa das personagens, uma bagunça. A cozinha de Érica, em “Something’s gotta give”, foi inspiração para muitas pessoas. Ao ser indagada acerca do ambiente, Meyers respondeu, em entrevista ao The Hollywood Reporter, o seguinte: “It’s crazy. It’s a gorgeous kitchen, but it’s not the only gorgeous kitchen (…) It’s because there was an emotional response. Jack kisses her in that kitchen. They fell in love in that kitchen.” - Ou seja, seus ambientes não são “apenas o set” de um filme, mas são estrategicamente criados pensando nas experiências que acontecerão alí e em como ele vai ser parte essencial daquele momento. E isso tem o poder de atrair a atenção do espectador.
Outro fator que auxilia nessa linguagem da composição dos sets de Meyers, é a parceria de trabalho com Beth Rubino. As duas trabalharam juntas em The Intern, It’s Complicated, Something’s Gotta Give, e What Women Want. Em entrevista ao My Domaine, Beth comentou acerca de seu processo criativo:
“My design process is very much driven by the character. My process may be different than others’ processes. I really start off from figuring out what defines the main character or characters of the film. I design from the tangible minutia of the detail to the big stroke picture.”
4. They soothe our color-phobia | Eles acalma nossa fobia de cor
É interessante ver como a paleta de cores é usada. Apesar de existir uma preferência por uma paleta pastel e muitos neutros, o uso de cores de fato não assusta os apaixonados por neutros - como eu no caso rs. Alguns exemplos:
Em The Parent Trap o tom reproduzido na casa de Denis Quaid era o mesmo tom do cabelo das gêmeas, com o intuito de fazê-las se sentirem em casa. Já no set de What Woman Want, em especial o apartamento do eterno solteiro, interpretado por Mel Gibson, azul foi usado para combinar com seus olhos, e a preferência pela cor laranja não foi por ser complementar ao azul, e sim por representar a cor preferida de Frank Sinatra, cujas músicas são importantes elementos na trama. Essa cena dele cantando nos revela a decoração escura, em tons neutros com pontos de cor. Mas, mesmo sendo os sofás os elementos “coloridos” deste ambiente, eles não nos “assustam”. É um ambiente mais frio e menos acolhedor. Perceba que, mesmo com a quantidade de janelas, o apartamento mantém essa imagem escura, assim como o escritório dele em oposição ao apartamento creme perfeito de Helen Hunt e o escritório que, apesar de manter cores escuras, tem as paredes em bege.
Já em de The Intern - veja imagens do set aqui, a casa, que parece saída Pinterest, traz personalidade para o quarto neutro, só que na cena que ela está no quarto, com as luzes acesas não temos essa percepção desse cinza escuro, e sim daquele set digno de Nancy Meyers - mais creme, charmoso e acolhedor. Existem pontos de cores nesta casa, que fazem um contra pronto em relação ao ambiente de trabalho. Já a casa de Robert De Niro, é tão tradicional e neutra que a decoração não se destaca, ela serve como esse ambiente que - possivelmente, tem esse papel de não entreter e o estimular a sair dali. Eu simplesmente AMO o HQ da startup da Jules, especialmente a logo. Acho genial. É uma decoração simples, que respeita a arquitetura na qual está inserida, é funcional e tem impacto.
5. They're built for (and from) the Pinterest era | Eles são construídos para e a partir do pinterest
Isso é inegável, né? Quantas pessoas não desejam esse clima casual e acolhedor das casas de Meyer? Mas, acho que esse dá um post por si só. Então, vamos continuar.
6. Those kitchens | Aquelas cozinhas
Adoria ter como fazer um carrossel aqui no substack mas, na ausência da ferramenta, vou colocar a cozinha que mais se destaca quando o assunto é o set de Nancy Meyers: A cozinha de Something’s gotta give, set design de Beth Rubino.
Para finalizar
Eu posso não compartilhar da linguagem projetual desses espaços, mas aprecio muito a teoria que está por trás da construção deles, por isso, gosto sempre de fazer esses posts, como uma forma de direcionamento do olhar para a leitura desses elementos que compõem essa linguagem visual.
Vale comentar um filme cuja casa é um espaço muito especial na narrativa e, talvez, seja meu filme preferido de todos de Nancy Meyers, apesar de ser um remake: O Pai da Noiva . O valor aqui perpassa o físico; é bem aquilo que ela comentou da cozinha - não é o ambiente e sim a experiência que acontece ali. O mais especial nesta casa é que ele é o lugar onde a família morou a vida toda e onde, no final, acontece o casamento de Annie.
Ps: Percebem as pequenas hordas de livros nos sets como se fossem pilhas de livros a ler? Então.. Isso também se repete em outros sets, como em “Home Again” e em “Baby Boom”. Já neste artigo da House & Home, Lynda Reeves fala da perfeição destes cenários (se você tiver curiosidade, ela inclui o nome dos decoradores dos filmes) que vão receber “personagens inspiradores, habitando uma casa com decoração casual.” (devo adicionar que esse casual tem um interior styling perfeito para conseguir passar essa imagem). Acho que no final, Lynda e Michael concordam, é de fato um lar e não apenas uma casa.