
Antes de começar, gostaria de dizer que fiz uma introdução para uma série de posts e detalhei a programação pros próximos dois meses neste aqui.
Estava pensando numa proposta para postdoc enquanto estava presa no mercado por conta da chuva, e me ocorreu que as duas propostas que eu tinha em mente, e que eu julgava tão diferentes uma da outra poderiam ser unidas. E assim, combinadas, diziam mais sobre mim do que eu poderia dizer. É engraçado como a pesquisa tem um quê de nos evidenciar o que fomos coletando ao longo da vida.
Por muito tempo, especialmente durante o doutorado, a frase que eu usei na descrição do meu instagram foi: “Eu não conto países, conto experiências”. Eu via e conversava com várias pessoas que se vangloriavam de terem visitado X países, e durante a conversa ouvia algo como: “Ah, mas eu fiquei lá um dia, eu conheço”. E isso sempre me lembrava aquele diálogo ao fim de Dirty Dancing, quando o dono do lugar acreditava que todo aquele universo que ele viveu e proporcionou às pessoas por anos estava acabando. Aquela ideia de viagens e hospedagens em família estava acabando pois, segundo ele não atenderia os anseios da nova geração: “É isso o que os jovens querem: viagens à Europa. Vinte dois países em três dias”.1
Eu acredito na transformação do olhar pela experiência da viagem, seja qual for o destino - lá fora em um outro país ou aqui dentro, em outra cidade -, e também acredito na diferença entre o turista e o viajante. O turista, aquele que só consome o que muitas vezes lhe é direcionado e não sai muito do roteiro, e o viajante, aquele que busca conhecer o que é verdadeiramente local, ter experiências diferentes, que o aproximam do dia-a-dia daquele lugar. Eu acho que, muitas das vezes, na condição de viajante, a pessoa tem mais chances de ter o olhar transformado (e talvez mais chances de passar uns perrengues também rs).
Eu comecei a viajar de forma mais independente com 14/15 anos, lá em 2006, quando celulares não tinham mapas, nem internet, e o Orkut, nossa única rede social, aceitava apenas 12 fotos. Uma época na qual andávamos com mapas de papel na mão no meio da rua (algo nada discreto). Na primeira viagem para fora, eu conheci alguns países e dentre eles, a Áustria, onde conheci Innsbruck e não Viena, cidade que ainda permanece na minha lista. E aí está o meu questionamento: será que vale mesmo contar países, se um único país tem diferentes experiências a nos oferecer? Não seria isso uma forma de nos limitar? Pego o Rio de Janeiro como exemplo: quantas experiências existem em uma única cidade considerada parte do imaginário brasileiro?! E se estendermos esta experiência ao estado então… quantas coisas não poderiam ser listadas?
Mesmo que façamos uma viagem repetidas vezes ao mesmo destino, o destino em questão terá mais e mais experiências a nos oferecer. Mesmo que eu vá ao mesmo lugar e repita a experiência, a mesma pode ser extremamente diferente. Como exemplo, não é isso o que acontece muitas vezes em restaurantes? As experiências são diferentes, nunca iguais. Por isso, na minha visão, não faz sentido essa coisa de quantificar lugares e não enumerar as experiências, acho isso que limita a nossa relação com os lugares. Descrever nossa experiência é uma forma de apresentar como aquele evento agregou algo ao nosso vocábulário visual ou repertório, que referências trouxe para nossa jornada, ou as mudanças que promoveu em nossas vidas.
Ex: Já que mencionei Dirty Dancing, vou me inspirar na continuação do filme para dar exemplos: Dancei salsa em Havana, Comprei uma gravura da artista cubana Amelia Peláez del Casal numa feira na rua, tomei mojitos em Ambos mundos, El Floridita e na Bodeguita del Medio (bairros que Hemingway frequentava em Cuba) andei de bicicleta por Guardalavaca, conheci um escritor canadense em SCU. Comentar estes exemplos não é muito mais interessante do que falar: fui à 25 países, e enumerar que um deles foi Cuba?
Eu tenho uma lista de experiências que gostaria de ter no Brasil e em outros países e ela começou a ser escrita em 2014 quando, em uma viagem, eu esbarrei em um journal chamado Travel Listography: exploring the world in lists, cujas listas tem temas relacionados à experiências e não apenas locais que se deseja visitar, como: viagens de carro, cozinhas do mundo, museus, aulas, lugares espirituais, lugares felizes/tristes até lista de pessoas memoráveis que conhecemos e de lugares que não temos interesses em visitar - é importante saber isso também. Eu fiquei ansiosa em preencher todos aqueles itens assim que comprei o volume, mas eu não tinha ainda certeza de todas as respostas. Sendo assim, o livro permaneceu guardado na estante por muito tempo e só recentemente eu o tirei de lá para revisar tudo aquilo que eu tinha escrito. E, acredite, muita coisa mudou.
Você já viu o Ted Talk do Tim Urban? O título é: “Inside the mind of a master procrastinator” (Dentro da mente de um procrastinador - clique aqui pra ver.) Nele, tem uma fala que me chama a atenção. Ao mostrar um calendário da vida com as semanas que nos restam, ele comenta sobre como essa ferramenta de análise pode influenciar nas nossas escolhas da vida que vem sendo adiadas. Não me recordo se ele comenta isso, mas lembro de ter visto algo sobre leituras, por exemplo.2
“Chamo a isto um Calendário da Vida. Há um quadrado por cada semana de uma vida de 90 anos. Não são assim tantos quadrados,especialmente, porque já usámos um monte deles. Acho que todos temos de olhar bem para este calendário. Precisamos de pensar no que andamos a adiar, porque toda a gente está a adiar alguma coisa na vida”.
Tim Urban
Eu achava que eu queria dar a volta ao mundo, e conhecer o maior número de países possível, mas, ano passado, ao planejar meu 2023, eu estava com uma passagem pro Japão no carrinho - a um preço incrível, muito aquém do valor de passagens para Nova York ou Paris - , quando apareceu um alerta na passagem acerca de quarentena em relação à COVID. Tendo que desistir, sabendo que os dias de isolamento influenciaram na duração da viagem, eu lembrei deste TED do Tim Urban e eu resolvi listar todos os lugares que eu gostaria de conhecer.
Qual não foi a minha surpresa ao ver que ao invés de locais e países diversos, eu comecei a enumerar experiências. Visitas à Museus, revisitar locais que eu visitei quando tinha 15 anos… Dos 196 países reconhecidos pela ONU, eu devo ter incluído uns 20 na lista. Falta de conhecimento? Falta de interesse? Não, eu apenas listei as minhas prioridades. Pra uns talvez o número seja pouco, para outros, muito, mas acho interessante que o próprio listography traz as expressões Visitei/Espero visitar - diante da finitude e imprevisibilidade da vida, nada é certo.
Um outro exemplo? Eu sonho em conhecer Lençóis desde 2001, quando vi o local sendo usado como cenário na novela O Clone. Confesso que ainda não o conheci por falta de companhia, mas já estava contemplado na minha lista há um tempo. Recentemente, o New York Times enumerou Manaus e Lençóis Maranhenses como dois destinos que valem a pena conhecer em 2023, em uma lista elegeu 52 destinos ao todo. Você já seguiu alguma dica do New York Times? Eu lembro do dia que eu segui a primeira. Estava com meus pais, em Tiradentes, em Minas Gerais, com reserva para jantar no Traga Luz, lugar que eu recomendo que você vá se tiver a chance, quando nos indicaram ir ao restaurante da Ângela, na cidade vizinha chamada Bichinho. O restaurante, bem simples, com panelas alinhadas sobre o fogão a lenha, havia sido indicado no New York Times. A página impressa do jornal estava orgulhosamente emoldurada em alguma parede na cidade. As pessoas falavam com orgulho: “saiu no New York Times”. Você talvez pode se questionar: porquê é preciso um olhar “estrangeiro” (aqui no sentido de olhar de fora/externo) para valorizarmos algo que é tão nosso? Respondo: nosso olhar pode se acostumar à algo do cotidiano e aquela experiência salta aos olhos do outro. Com isso, o olhar do outro pode atribuir um valor diferente à uma experiência que esteja inserida na nossa vida de forma a não ser mais tão valorizada.
Em Fevereiro deste ano vamos receber algumas pessoas para um evento em família. Pensando no Calendário do Tim Urban, e pensando nas poucas horas que as pessoas terão por aqui, eu logo pensei em fazer uma lista com indicação de experiências e lugares para visitar, onde ir e o que comer. Falei para o primo que gosta de café sobre os melhores cafés e os melhores baristas. Falei pra prima que gosta de atividades diferentes sobre as exposições que aconteceriam. Falei pra uns conhecidos sobre os bares com melhores vinhos. Mas logo me questionei: será que a ânsia de tentar proporcionar a alguém a melhor experiência possível por meio do meu olhar era a melhor alternativa? Porque não deixar que a pessoa flanasse por um tempo e descobrisse o que a interessasse mais? Quem sabe até eu poderia conhecer algo diferente pelo olhar do outro, não é mesmo? Mas, ao mesmo tempo, é tão bom conhecer um lugar especial indicado por alguém que mora na cidade.
Isso me lembra quando conheci a BookWorm3, um espaço incrível no distrito de Sanlintun, em Pequim, na China. Um amigo ficou sabendo dele por meio de um blog local e me convidou a ir com ele. Localizada no bairro mais badalado da cidade na época, o local era um mix de bar, livraria, restaurante, biblioteca. Ali eu me senti em casa. Talvez fossem os livros, talvez a comida, talvez o lugar que parecia me retirar daquele choque cultural por um instante e me trazer conforto em meio aos livros. Recomendei-o a um amigo. Ele me agradeceu tempos depois dizendo que ali tinha sido um espaço de acolhimento e alegria em um dia triste. Sempre é válido recomendar experiências que amamos.

Acredito que existe um momento no qual é preciso coordenar cronograma/planejamento com descobertas, assim como releituras com novos olhares. Ao pensar no calendário da vida do Tim Urban, me deu um pouco de culpa rever filmes e séries que eu gosto ou até mesmo reler livros já lidos, e até mesmo revisitar alguns lugares mais de uma vez. Mas aí eu me lembrei de um livreiro de quem comprava livros quando eu era adolescente. Lá na minha cidade, no interior do Rio de Janeiro, não tinha livraria e ele era um sul-africano que tinha um pequeno sebo. Livreiro e viajante, ele nunca me contou como foi parar lá, mas muito observador, um dia ele resolveu me contar que alguns livros devem ser lidos várias vezes na vida, para que a gente veja a história por diferentes perspectivas e aprenda o que a leitura anterior não permitiu.
A transformação do nosso olhar pelas experiências que vivemos é incrível, não?! É tão legal fazer novas leituras de histórias que já conhecemos, conhecer algo pelos olhos dos outros e revistar lugares que já visitamos e também nos permitir desbravar novos lugares e conhecer novas pessoas - seja no metrô, num templo budista ou numa fábrica de azeite... (ou até mesmo em um dos meus cafés preferidos na esquina de casa). E eu também amo quando nós carregamos pessoas e lugares de outras épocas da vida como inspiração/amigos. Nós somos construídos pelas experiências que nós temos. Nossa trajetória, nossas experiências e nossa jornada são tão únicas quanto nós mesmos, e tudo bem se o olhar do outro não enxergar isso tudo. Só somos capazes de enxergar e reconhecer aquilo que nós conhecemos. Feliz aquele que com olhar curioso se abre para descobrir diferentes mundos, ou até mesmo redescobrir algo já conhecido.
Essa conversa continuará em breve!
O diálogo completo no filme é um pouco maior, coloco o original aqui: “You and me, Tito, we’ve seen it all, eh? Bubbah and Zeda serving the first pasteurized milk to the boarders. Through the war years, when we didn’t have any meat. Through the Depression, when we didn’t have anything. Lots of changes, though, Max. It’s not the changes so much this time. It’s that it all seems to be ending. You think kids want to come with their parents and take fox-trot lessons? Trips to Europe, that’s what the kids want. Twenty-two countries in three days. It feels like it’s all slipping away.” — Max
Ele não quer gerar ansiedade em ninguém, ele usa isso como ferramenta de planejamento de vida.
Eu tinha lido que o lugar tinha fechado em 2019, mas, aparentemente, reabriu. É um lugar o qual eu gostei muito de conhecer. Sempre faço questão de conhecer bibliotecas e livrarias pelo mundo. Até o momento, uma das minhas que eu mais amei visitar é uma livraria famosa, bem pequena com livros em diferentes línguas que fica em Santorini, na Grécia.