Pela primeira vez na vida, me peguei dançando de olhos fechados na frente do computador. Seria nostalgia? A música era um hit dos anos 90 e, de alguma forma, me senti na sala de uniforme dançando na sala depois da aula. O que me lembrou de uma vez que fui ao shopping com minha mãe e uma moça, que estava num versailles vermelho atrás do nosso na rampa, dançava como se não houvesse amanhã. No elevador, quando eu a vi com óculos de sol, calça justinha e colete, e um cabelo acaju da cor do carro, eu a achei a pessoa mais ousada que eu já tinha visto na vida. Naquela conversa de porta de elevador, ela comentou com minha mãe que estava ouvindo a trilha sonora de “Curtindo a vida adoidado”. Naquela época, o filme já tinha uns 10/15 anos. Quando essa lembrança me ocorreu, fui atingida de súbito por uma empatia enorme por aquela moça dançando no carro. De alguma forma, eu me coloquei em seu lugar, anos depois.
Ano passado, li um artigo no The New York Times sobre nostalgia. Seu título é: The Comforts of Nostalgia: Popular culture is taking us back to the past. No artigo, a autora Melissa Kirsch abre da seguinte forma: “Quando o presente é estressante ou desconfortável, quando o futuro parece difuso e incerto, a nostalgia oferece um bálsamo.” 1
Ou seja, é a nostalgia que buscamos quando precisamos de conforto. Então ela comenta a decisão da indústria de trazer conforto para as gerações X e Y que estão chegando perto “da meia idade” por meio de séries, video-games e etc que fizeram sucesso em seu passado. Ainda segundo a autora, a nostalgia é facilmente vendida, especialmente em tempos de internet pois gera conexão instantânea entre as pessoas, criando assim algumas pequenas comunidades. Embora isso seja colocado em pauta há um outro questionamento: “será que não seria a nostalgia algo chato?”. Kirsch aponta sua importância neste momento e que ela estaria funcionando muito bem. Enquanto no português vemos nostalgia como “saudade” ou “desejo de voltar ao passado” no artigo, é introduzida a origem grega da palavra como o “desejo de voltar pra casa”.
Quis trazer este artigo, apesar de ter sido publicado o ano passado, pois ele tem uma certa relação comigo e com o tenho observado na internet. Não sei se vocês acompanham, mas uma das minhas marcas preferidas, a Carolina Herrera, fez um desfile para lá de exuberante no Rio de Janeiro. [Vale mencionar que nos últimos dias a marca anunciou uma parceria com a Spetaculus, uma Ong fundada pelo Arquiteto e Cenógrafo Gingo Cardia e a atriz Marisa Orth] Em seu instagram, o diretor criativo da marca, Wes Gordon, não se cansou de falar em “Cidade Maravilhosa”. Outras marcas também usaram muito da imagem do Rio em suas campanhas recentemente, a Jaquemus e a Suzane que inclusive fez uma parceria com a Farm. (Apesar de ainda ser um sucesso, a Farm me apresenta muita nostalgia de uma época que eu morava no estado do Rio e usava roupas da marca recém-saída da Babilônia Feira Hype - no bom carioquês, eu sou “farmete das antigas”, apesar de só consumir peças lisas da marca).
Uma amiga me mandou este tiktok sobre a campanha da Jaquemus no Rio, no qual a moça explica que a marca “Jacquemus já entendeu que querer vender o estilo de vida de um único lugar não funciona mais, o negócio é se conectar com a comunidade local” para se aproximar e assim vender a marca baseada no imaginário daquele lugar. e ela em algum momento fala de localismo. Este termo se refere à uma oposição ao globalismo, ou seja, é a ideia de consumir o que é local - é um dos pontos até do movimento SLOW que já comentamos aqui. Eu não vejo a campanha desta forma, eu vejo como uma forma de aproximação cultural com o intuito de venda, localismo pra mim seria consumir de uma marca daqui. Mas, eu posso ter perdido algo no pensamento dela em algum momento.
Enfim, o porquê de eu querer comentar isto aqui essa semana, foi uma conversa que eu tive com a Renata Zveibel do
, na qual eu comentei que este resgate dos imaginário carioca, da cidade maravilhosa pelos gringos me soa como um revival do período moderno/pós-guerra quando o Brasil teve um peso importante na arquitetura e com potencial atrativo de pessoas/artistas. Essa coisa do imaginário foi (em parte) tema de pesquisa do meu doutorado. E a paisagem do Rio de Janeiro, especialmente - vale lembrar que Dom Pedro, lá atrás, antes do Rio ser conhecido como cidade maravilhosa (o que aconteceu em 1933, salvo engano) já vendia a imagem da cidade nas exposições internacionais, como nos conta a historiadora Lilia Schwarcz em um dos seus livros sobre o Brasil.O escultor Alexandre Calder, por exemplo, foi uma pessoa que veio algumas vezes ao país entre 1940-50 pois era apaixonado por esse imaginário do Rio de Janeiro, do samba, do carnaval. E ele se inspirou e muito no Brasil. Não apenas para compor chocalhos e móbiles, como coloca Renata Saraiva em Calder no Brasil, Como disse, Calder já tinha um interesse pelo país antes de visitá-lo. Posso enumerar aqui, como exemplo, a obra Peixe Brasileiro (c.1947), que esteve exposto na exposição do Ministério da Educação e saúde no Rio, em 1948. No entanto, após visitar o país, ele se inspirou a ponto de produzir duas obras: o móbile Jacarandá (1949), inspirado pela árvore de mesmo nome, e a escultura El Corcovado (1951). O primeiro faz parte do acervo da The National Gallery of Canada, Ottawa, 1977 já o segundo faz parte da coleção da Fundació Joan Miró, em Barcelona.
Não, o Calder não é uma marca, mas em 1942 ele, já apaixonado pelo Brasil, visitou uma exposição sobre o país no MoMA, a Brazil Builds - cujo catálogo está disponível de forma gratuita no site do Museum, só clicar aqui. À época, o Brasil tinha que se alinhar com alguma das duas frentes que existiam, então, tínhamos aqui uma neutralidade de Getúlio Vargas que não sabia se deveria se alinhar com os Alemães ou com os americanos. Na tentativa de se aproximar do país, como aliado, o MoMA estabeleceu uma exposição que pudesse propagar uma imagem positiva do país, de forma que ele pudesse atrair e se aproximar do Brasil como aliado político.
É muito interessante, né?
Mas o que isso teria a ver com as marcas? Já comentamos aqui que nossa opinião é emitida a partir do nossas experiências e vivências. Quando eu vejo esses anúncios da Jaquemus, da Farm e Sezane e o desfile da Carolina Herrera com modelos brasileiras - essas aproximações das marcas com o que é sinônimo de maravilhoso, de incrível... eu lembro do MoMA. Embora as marcas não sejam algo em busca de um aliado político elas querem de alguma forma disfarçar esse globalismo e atrair o consumo dos locais, revertendo este processo pós-pandemia - num momento no qual estamos buscando este conforto por meio da nostalgia - que aqui não foi exposto com séries, mas com novelas também, a exemplo da regravação de Pantanal e do retorno de Rei do Gado, por exemplo. Bom, isso é o que eu acho, baseado na minha visão.
Para quem não sabe, minha tese se chama: Diálogos Transnacionais: A construção do moderno como linguagem e versa sobre viagens, paisagem, arquitetura, artes, e como redes de pessoas tiveram um papel na criação de uma linguagem moderna. Meu objetivo durante o período da pesquisa foi estudar os diálogos transnacionais, ou seja, o diálogo entre estrangeiros, pessoas de diferentes países, ocorridos durante o período da arquitetura moderna, e que resultaram na formação de uma rede de intelectuais, e sua contribuição para a construção da arquitetura moderna brasileira como linguagem arquitetônica.
Já que eu acabei mencionando estrangeiros, vale mencionar o tema da Bienal de Veneza (o maior evento do mundo das artes) 2024 , já antecipado por seu curador Adriano Pedrosa, primeiro curador do hemisfério sul E da América Latina. “Foreigners Everywhere”, ou seja, estrangeiros em todos os lugares. Genial! Amei! Ele pretende revistar algumas obras que foram consideradas de “outsiders” no período moderno. Estou ansiosa !!!
Para terminar, adoraria dividir este Ted de uma pessoa cujo trabalho eu gosto de acompanhar. Não é novo, mas é muito interessante. Na década de 1990, J. Nye cunhou o termo Soft Power, em oposição à hard power, no campo dos estudos políticos. Então, ao invés de uma nação coagir com formas agressivas por meio da economia ou atividades militares, que corresponderia ao Hard Power, o Soft Power tenta buscar aliados por meio da cultura, de valores, de parcerias e outras formas de política externa.
Este Ted da Ngaire Blankenberg, ela fala sobre como ativar o soft power de um museu. Dentre as formas que ela coloca, ela menciona o museu como um espaço de atração de estrangeiros e refugiados e isso é muito interessante. Vale lembrar que ela, junto de Gail Lord, além de terem trabalhado em projetos de museus enormes como o Gugg Bilbao - pela Lord Cultural Resources, foram autoras de Cities, Museums and Soft Power. Inclusive, vale apontar que neste livro encontramos o Rio de Janeiro como exemplo. Aliás, o Rio de Janeiro já foi algumas vezes listado como uma das cidades líderes de soft power do mundo.
Bom, acho que já teve muito por hoje, melhor deixarmos um pouquinho para uma próxima edição. Quis apenas reunir algumas coisas que foram se conectando na minha cabeça nos últimos dias.
Nas palavras da autora: “When the present moment is stressful or uncomfortable, when the future seems especially fuzzy or uncertain, nostalgia offers a balm.”
Amei o resultado da nossa conversa! Como sempre você nos inspira com a sua cultura admirável! E, obrigada pela menção!
Amei o resultado da nossa conversa! Como sempre você nos inspira com a sua cultura admirável! E, obrigada pela menção!