Amanhã é Halloween, uma data que “meio que já foi” incorporada no nosso calendário, ou pelo menos, nos calendários de algumas escolas, pelo que eu soube e o que o feed do Instagram me mostrou - e eu fiquei impressionada. Sei que minha afilhada está planejando sua fantasia há semanas!
No começo do mês, tive o prazer de ir à uma festa a fantasia, que me fez pensar acerca do meu olhar, do meu repertório e do que eu valorizo esteticamente.
Acredito que esse momento de antecipação desta festa me trouxe bons insights e questionamentos como: O que atrai o olhar? Uma fantasia é capaz de evidenciar algo? Carregamos um repertório significativo, cuja construção é constante, embora ainda carregue alguns traços de sua formação iniciada na infância, então: Quando começa o a formação do nosso senso estético?
Boa leitura!
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Não lembro ao certo quando, acho que foi no começo da pandemia ou antes, mas eu tive um sonho com o cantor Fábio Jr (até hoje, não descobri o porquê de ter sonhado com ele). Sei que o sonho começava assim: eu entrava num bar bem elegante todo amadeirado, e o barman - vestindo uma blusa bege - estava arrumando uma prateleira enorme de bebidas. Eu pedia uma bebida. Nisso ele vira e eu falo: “Fábio Jr!”, ele então passou a mão no cabelo, do jeito que ele sempre fez, e falou: “Sim, sou eu!” - daquele jeito galã que ganhou uma geração de tias por aí. E, na maior animação, eu comentava: “Fábio Jr, a gente tem algo em comum!” e ele me perguntou, assumindo saber o que era, se eu cantava e eu disse que “Não, eu não canto, mas eu AMO casamento!” - com bastante ênfase no amo. Nisso, a bebida que eu pedi deslizava pelo balcão e eu acordei pensando como eu poderia transformar isso numa propaganda, e o slogan seria: “Unindo gerações com algo em comum”.
Eu brinquei que eu ia vender essa “propaganda” para alguma bebida moderninha. Apesar de eu não ser fã de Fábio Jr, comentei este sonho pois há algumas semanas fui em uma festa à fantasia com meu irmão, e tantos os dias que sucederam a festa, como toda a antecipação, esperando pela mesma, me fizeram refletir sobre gerações, repertórios e o fato de nos vestirmos de outra pessoa, objeto.. enfim. Foi ao longo da festa que eu me lembrei de algo que eu comumente me esqueço: eu e meu irmão, com quase 10 anos de diferença, pertencemos a gerações diferentes. Ele não reconheceu algumas fantasias e também não se emocionou como eu me emocionei com outras que nos mostra como nós vivemos coisas diferentes, apesar de ter algumas coisas em comum.
Eu amo festas à fantasia e eu me esforço muito quando sou convidada para uma festa assim. Para citar algumas fantasias, posso dizer que eu já me vesti de Marilyn Monroe, Helena de Tróia, Melindrosa (repetidas vezes), Madonna, e Audrey Hepburn em bonequinha de luxo. Ao receber o convite, refleti muito e pensei em ir Constelação, algo inspirado em Hedy Lamarr em Ziegfeld Girls - numa versão mais simples, claro. No entanto, sem poder contar com a ajuda da minha avó para confeccionar a capa dos sonhos, meu sonho caiu por terra. Veio então o desejo de me vestir de primeira Barbie, no auge da Barbie Mania, assim como tantas outras… eu sei que na semana que antecedeu a festa, eu troquei de fantasia umas 12 vezes.
Quando decidir ir de Jackie O, parecia uma resposta óbvia demais. No entanto, quando eu comentava com as pessoas, elas falavam que ninguém iria me reconhecer, achando que aquele era apenas um look dos anos 1960. As pessoas me falavam pra ir de Marilyn Monroe ou de Holly Golightly (personagem de Breakfast at Tiffany’s), fantasias que eu já tinha usado.. e eu me peguei pensando que eu não gostaria de repetir. Pensei em ir Elizabeth Taylor, misturando jewelled tones como vestido púrpura, brincos verde-esmeralda e batom vinho com bastante gloss - algo bem além do meu visual de todo dia. Ou então de Elle Woods (personagem de Legalmente Loira), ou talvez usar um tubinho rosa em alusão à Diamonds are a girl’s best friend, e ir novamente de Marilyn Monroe. O interessante era que não importa se eu fosse
Aí vem o primeiro click: Olhar a Madonna e ver que tem um período no qual ela se inspirou em Marilyn Monroe, pensar em “Legalmente Loira II” e ver seu tailleur cor-de-rosa é uma referência à Jackie O, foi uma constatação de que onde quer que eu olhasse, o meu senso estético apontava na mesma direção. Então, não importa a época do personagem o meu olhar estará sempre direcionado pra mesma estética, e isso é importante reconhecer: O que atrai o nosso olhar? Quais são as nossas referências e influências? Pra onde o nosso olhar aponta? O que ele diz sobre mim? O que ele diz sobre o meu repertório?
Outra coisa que eu gosto nas festas a fantasia é a oportunidade de não apenas entender mais sobre pautas como apreciação e apropriação cultural e fantasias não adequadas, mas também buscar entender acerca de “autenticidade”1 e esteriótipos. Um exemplo acerca de apreciação e apropriação cultural: segundo o Google Arts and Culture, 95% dos indianos aceitam que pessoas de outras culturas usem o saree, desde que com respeito e não em uma situação de festa à fantasia.
Remanescente de festas à fantasia na época da faculdade, eu tenho uma fantasia de melindrosa guardada no armário. É um vestido de franjas com os acessórios comuns, desses que são vendidas em casas de festas, sabe? Enquanto eu estava em dúvida sobre o que me vestir, eu pensei em resgatar aquela fantasia e me vestir de melindrosa mais uma vez. Acontece que só este pensamento já foi o suficiente para aguçar minha curiosidade e me lançar numa pesquisa acerca dos anos 1920. Pesquiso referências em páginas de museus e instituições, como o Smithsonian e FIT, neste caso, mas sempre me surpreendo com a qualidade de alguns materiais. Em uma “aula” no YouTube, por exemplo, amei as correlações entre indumentária e arquitetura. Acho que este é o período da história que mais vemos uma manifestação em comum entre a moda e a arquitetura, já que temos manifestações similares tanto em roupas como em edificações.
Enquanto pesquisava sobre pessoas como Travis Banton, figurinista famoso à época, e slip dresses, algo oposto ao estereotipado vestido que eu tenho no armário. Amei relembrar como eu li acerca das lagostas de Elsa Schiaparelli, ou a inovação de Chanel e Poirot quando eu tinha meus 12 anos. Ou mais recentemente, ter lido Gatsby enquanto estava na faculdade, assistir Downton Abbey ou Z: te beginning of everything. Lembrei de um professor no doutorado que perguntou a cada um de seus alunos qual época eles gostariam de ter vivido… Fui a primeira a responder e eu respondi que entre os anos 20-60/70. Ele riu, disse que eu era mesmo uma melindrosa e comentou também a importância de entender como isso refletia na minha pesquisa. Ele já sabia. Meu recorte temporal era exatamente este, dos anos 1920 à 68. O mesmo aconteceu com todos os outros alunos. Relembrei dessa história quando me peguei pensando em ir de Carmen Miranda em “That Night in Rio” (1941), ou Ziegfeld Girls, ou algo inspirado em Josephine Baker - todas personagens que eu poderia facilmente relacionar à minha pesquisa. Era nítido como meu repertório estava preso ali naquela época. Nós refletimos o que nos interessa de diferentes formas possíveis; seja em uma fantasia, em uma pesquisa... é como se virasse uma parte de nós. Sabe aquela história de que “ver alguém com um livro que amamos é como se o livro estivesse apresentando a pessoa?” Sinto que algo similar acontece quando encontramos alguém com algo que atrai o nosso olhar.
Enquanto eu inventei de fazer um vestido tabard, modelo famoso durante os anos 1920 e que eu julguei ser muito fácil de fazer por consistir em ser apenas dois retângulos de tecido - mesmo sem ter medidas nem nada. Eu comecei a perguntar para as pessoas que fantasia elas usariam em uma festa. Da minha vizinha, passando pelos funcionários do prédio até os motoristas do Uber. Recebi as mais variadas respostas, até que uma pessoa falou algo que me deixou curiosa. Ela perguntou qual a idade das pessoas na festa que eu ia. Eu respondi que eram Millenials em sua maioria. Ela então comentou que eu teria que evitar duas situações: fantasias muito populares atualmente, como Wandinha, por exemplo, e fantasias dos anos 80/90, uma vez que reviver a infância poderia ser um fator importante ali. A pessoa então brincou que se eu quisesse sobressair, eu deveria ir com algo retrô. Parece óbvio, mas eu claramente ainda não tinha pensado nisso. Uma prima comentou que recentemente vestiu a filha (5) de Pedrita e menina disse que ninguém na escola a reconheceu. A mãe estava toda feliz, afinal, os Flinstones eram parte da sua infância, mas a geração da filha já não fazia ideia de quem se tratava.
Foi apenas na semana depois da festa, quando pesquisei sobre setênios que me deparei com algo interessante. Segundo a antroposofia, nosso senso estético e nossas preferências culturais são desenvolvidas no segundo setênio, dos 7 aos 14 anos de idade. Eu já tinha lido que as músicas que ouvimos entre os 12-14 anos norteiam as nossas preferências musicais ao longo da vida. Mas eu não imaginava que o que consumimos visualmente nesta idade é igualmente importante para a formação do nosso olhar e vai acabar nos acompanhado a vida toda.
Falo por mim, por lembro vividamente que esta foi a época que eu mais convivi com a minha avó. Ela passava muito tempo comigo. Aos 12 anos comecei a ler sobre as divas dos anos 50/60: Audrey, Marilyn, Jackie, Callas, Taylor, Garbo e tantas outras, por influência dela. Foi aos 13 anos que descobri filmes antigos como Casablanca (meu filme preferido), Roman Holliday e Bonequinha de Luxo pela primeira vez. Foi nesta época que eu “enchi” meu primeiro iPod com músicas que ainda estão nos meus favoritos no Spotify. Foi nesta época que o minimalismo na moda fez sucesso, assim como o estilo “preppy”. O cabelo de lado, marco pra geração Millenial.. o vestido de noiva “simples” de Caroline Bessette Kennedy (que o NYT recentemente chamou de influencer fantasma), o estilo minimalista, as camisas e as escovas de cabelo modeladas dos anúncios como os da Ralph Lauren. Foi nessa época que minha avó me deu uma revista sobre castelos e outra sobre o Taj Mahal, que eu viria a conhecer anos depois.

Então, quando chegamos na festa e meu irmão não se empolgou tanto quanto eu com todos os personagens da minha infância que estavam ali, eu não entendi até a minha ficha cair e eu lembrar desse nosso “gap geracional”. Mas, quando minha afilhada (13) me escreveu sugerindo que eu deveria ir de Holly (a fantasia clássica dessa vez), e que ela também queria ir de Holly no Halloween da escola, eu entendi tudo. Por aqui, na vida real, não é uma bebida que une gerações com algo em comum, e sim a personagem de Audrey. Talvez ela ainda não tenha visto o filme, ou lido o livro (eu gostei muito quando li), ou entendido o dinheiro do toalete. Mas, ela está na época de formação do senso estético dela, e quando ela me liga para tirar dúvidas sobre minhas coisas preferidas e tendências do TikTok que ela ainda não consegue fazer sozinha, ela fala que suas preferências parecem com as minhas, eu consigo - de alguma forma - prever seu “futuro estético” e entender o peso da minha influência nela. O que a mãe dela possivelmente fez comigo na mesma época. Acontece que ao ler o que Steiner diz sobre a formação do senso estético e o interesse por mitologias e outros assuntos nessa época, eu percebo como o meio onde onde nos encontramos nesta época nos influenciou e ainda influencia, mas que muitas vezes quando estamos no piloto automático, nós nos esquecemos.
Coloco autenticidade em aspas pois autêntico mesmo só o original. Então, como poderíamos fazer algo mais “autêntico” entanto perto do design original com o que temos de material disponível hoje?
Autenticidade é um tema sempre interessante e que pode render longas discussões.
Mas afinal, você usou qual fantasia? hehehe
Amei o post! E tô aqui pensando quais podem ter sido as obras que me influenciaram nessa idade, e que ainda refletem no que eu continuo gostando.