Eu não acho que eu mudei o foco da newsletter desde sua criação, mas acho que no começo eu falava muito mais sobre viagens e o flanar do que hoje por conta de uma variação/ampliação nos temas que costumo falar aqui, mas sempre lembrando das viagens como parte vital para ampliar o repertório e a nossa criatividade. Além disso, sempre fico com muita vontade de dividir as leituras que faço também. No livro que comentei na última edição da newsletter, “O guarda-roupa modernista” de Carolina Casarin, um texto de Tarsila do Amaral me chamou muito a atenção, era assim:
“A sensibilidade, o caráter e a inteligência também amadurecem, não se podendo nesse caso abstrair o fator tempo. Não se deve nunca sofrer pelo que fizemos nem pelo que deixamos de fazer: o passado é incondicionalmente bom, mesmo com seus sofrimentos, mesmo com suas misérias, porque pode resumir-se nessa coisa preciosa que se chama experiência”.
(Tarsila do Amaral escreveu no Diário de S.Paulo em 6 de setembro de 1942 apud. CASARIN, 2022)
Eu gosto muito de entender experiências. Gosto de falar sobre elas, gosto de criá-las. Há alguns meses, uma vizinha me contou que estava de mudança para a Índia e eu lhe disse que que a Índia que ela conheceria possivelmente era muito diferente da Índia que conheci há 10 anos atrás. Do mesmo modo que estou vendo uma transformação da China pelo olhar de uma conhecida, e as constantes mudanças na paisagem de Nova York que parece mudar a cada dia, dentre tantas outras velhas conhecidas do meu olhar.
O que eu disse à minha vizinha é que eu poderia compartilhar com ela as experiências que tive na Índia, mas dicas seria mais difícil dado o tempo que se passou e como eu vi algumas coisas que fiz (com a cabeça muito mais jovem). Quando comecei a escrever a coluna Places aqui, consegui colocar algumas dicas em alguns posts sempre pesquisando o que de fato ainda poderia ser indicado. O que aconteceu foi que eu acabei descrevendo experiências (ainda tenho tantas que quero escrever). Ano passado, cheguei até a fazer um post que nunca foi enviado sobre o tema.
Enquanto começava a redigir este texto, lembrei de uma amiga que estava planejando viajar para Europa com um grupo de amigos, mas esta me confiou que seu verdadeiro sonho era conhecer Machu Picchu, no Peru. Sendo os destinos tão distantes, ela me confidenciou que estava indo para Europa pois tinha companhia, já que ninguém nunca iria querer conhecer Machu Picchu com ela. Acho que isto não é algo distante de muitas pessoas, quantas pessoas nós não conhecemos que estão deixando de fazer coisas por não terem companhia?
Sempre fui independente. Nunca tive problema para fazer uma refeição sozinha ou até mesmo ir ao cinema sozinha. Eu confesso que, às vezes, tenho dificuldade de viajar com algumas pessoas por conta de querer cumprir todo o roteiro que criei na minha cabeça. Ainda sinto muito não ter ido no Museu do Jazz em Nova Orleans, por exemplo, mas guardo com muito carinho a lembrança de ter sido uma viagem muito especial feita na companhia de uma amiga na qual nós duas abrimos mão de coisas que queríamos fazer. Ter companhia é sempre bom, mas ter espaço para flanar por aí sozinha também pode criar boas memórias. Se você me conhece há mais tempo, talvez já tenha ouvido essa história: quando fiz intercâmbio na China (com um grupo de outros intercambistas - parte de um programa cultural), tirei um dia para vagar sozinha pelas ruas de Beijing.
Tinha no bolso uma quantidade irrisória de dinheiro, algo como dez reais, o suficiente para pagar o metrô de ida e volta e uma água. Saí do hotel em direção ao zoológico, onde descobri que minha máquina não tinha carregado durante a noite. Depois, fui em direção ao Lama Temple, um templo budista gigante, quando um senhor chinês me abordou por estar sozinha e disse que me mandaria de volta para o hotel já que mulheres não poderiam andar sozinhas na rua. Eu disse que não estava sozinha e dentro do templo fiz amizade com um cidadão do mundo em meio à um mochilão pela Ásia após tirar um período sabático. Ainda hoje nós nos correspondemos. Uma vez, quase 10 anos depois de termos nos conhecido, ele me disse o quão importante foi para ele não ter passado aquele dia sozinho. A companhia é, de fato, transformadora. Ela transforma experiências. Como diz minha terapeuta, não nascemos para viver sozinhos. Mas, se eu não estivesse sozinha, talvez não tivesse conhecido esse colega no templo budista.
Um lugar no qual eu amo amo amo estar sozinha por conta da atividade é um museu. Adoro ter companhia também, mas acho que estar num museu sozinha me permite ser mais vulnerável (ou não) diante de obras de arte e, além disso, me permite vivenciar aquela experiência no meu tempo. Acho que é uma experiência diferente. Constantemente, quando vou acompanhada à algum museu, ou reclamam que eu demoro demais, ou precisam me resgatar no meio do caminho. Foi assim, por exemplo, quando me encontraram aos prantos em frente de La Scapigliata, também na China. Foi quando um professor de arquitetura me disse que “estranho é o arquiteto que não se emocionada com arte”.
Semana passada, conheci o projeto de Alina Gurdiel chamado: “Ma nuit au Musée” (Minha noite no museu, em português) e pelo qual me apaixonei. Depois de descobrir que esta ideia lhe surgiu durante um passeio na ilha de Naoshima, no Japão (comentei sobre as ilhas de arte no Japão aqui, vale a pena a leitura), eu amei ainda mais. Seu projeto é mais ou menos assim: ela, uma editora, convida um escritor para que ele passe uma noite num museu e depois escreva acerca da experiência. O escritor não é limitado a escrever um gênero literário específico, mas deve explorar as sensações que aquela experiência solitária despertam nele. Um movimento de introspecção com resultados incríveis, pelo menos foi o que eu senti ao ler “O perfume das flores à noite”, de Leila Slimani, que pretendo comentar um dia num post dedicado exclusivamente à ele pois me identifiquei com várias coisas que ela enumera ao longo de sua jornada. Leila ficou no Punta della Dogana, em Veneza, cujo projeto, assim como o da ilha de Naoshima, que já mencionamos aqui, é de Tadao Ando. Me encantou a forma como ela descreve o edifício e a obra. Mas este não foi o único museu a estar neste projeto.
Os próximos na minha lista são o de Jakuta Alikavazovic, que passou uma noite no Louvre “Comme un ciel en nous/Like a Sky Inside” e de Andrea Marcolongo “Desplazar la luna: Mi noche en el Museo de la Acrópolis/Moving the Moon: A Night at the Acropolis Museum”, que pernoitou no Museu da Acrópole, em Atenas - um dos meus preferidos. O noite que a escritora Lola Lafon passou na casa de Anne Frank resultou romance “Quand tu écouteras cette chanson” que está para ser/ou já está sendo adapatado para o cinema. Dentre outros museus que passaram por esta experiência estão: O Museu D’Orsay, o Museu Picasso e o Pompideou, em Paris, O museu Nacional, no Líbano, o British Museum em Londres e tantos outros. Encantada com este projeto, eu me pergunto como deve ser uma experiência como essa. E, ao mesmo tempo, me pergunto em qual museu eu gostaria de passar uma noite sozinha. Penso no tamanho, acho que não poderia ser nem grande demais, nem pequeno demais, nos tipos de arte que gostaria de ver, e em seu acervo … talvez melhor não ter nenhum item arqueológico… e também se eu gostaria de ir em um lugar que eu já conheço, ou algo absolutamente novo para proporcionar novas descobertas. Eu me sentiria muito bem acompanhada pelas obras de arte.
Tenho feito esta pergunta à diferentes pessoas e recebi as mais variadas respostas.. algumas pessoas não pernoitariam num museu de forma alguma já outras, assim como eu, se sentiriam parte de algo único. E você, gostaria de participar de um projeto assim? Qual museu gostaria de passar uma noite sozinha? Me conta nos comentários.
Até breve!
Foto de capa: Casal em frente a obra de Matisse no MoMA, em Nova York. Foto de Kevin Snow para Unsplash.
Dos que conheço o Museu D'Orsay sem duvida seria o primeiro que pernoitaria... depois aceito sugestões de um outro que não conheço. Belo texto Helena.
Este livro da Leïla foi uma das minhas melhores leituras do ano até agora! Também me lembrei da possibilidade de pernoitar no Musée d’Orsay que rolou pelo Airbnb esses tempos. Mas onde eu adoraria passar uma noite — de verão — mesmo é no Louisiana Museum 🤤