Na sua casa ou na minha?
RomCom de Reese Witherspoon e Ashton Kutcher apresenta insights interessantes sobre o que é sentir-se em casa
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AVISO:
este texto PODE CONTER SPOILERS do filme “Your Place or mine”.
Eu não sei você, mas eu não tinha muita expectativa acerca do filme “Na sua casa ou na minha” apesar de ter esperado sua estreia ansiosamente. Logo no início do filme percebemos que Debbie (personagem de Reese) é uma pessoa apegada à memorabilias e que precisa de ter um certo controle da rotina. Esse apego é revelado também por meio da decoração de sua casa, quase intacta nos últimos 20 anos, com poucas mudanças de itens, mas mantendo as cores originais da primeira cena do filme. Peter (personagem de Ashton) chega a brincar com ela: “Você joga coisas fora”, quando ela mostra uma souvenir que havia guardado para ele enquanto fazia uma limpeza na casa.
A personagem de Reese é uma mãe solteira extremamente dedicada e preocupada com o filho, Jack, que tem várias alergias. O controle sobre ele lhe dá uma certa paz de espírito sabendo que o menino de 13 anos não corre riscos. Ao longo do filme vemos que a amizade dos dois tem muito de Debbie na vida de Peter e com isso, o rapaz se sente com vontade de retribuir, oferecendo não apenas sua casa para a moça se hospedar enquanto estiver em Nova York, como também seu tempo para cuidar do filho dela já que ela está sem rede de apoio e precisa concluir um curso que irá lhe proporcionar mais oportunidades de crescimento na carreira.
Existem alí no filme duas viagens: não apenas a física - entre Nova York e Los Angeles, como também a entrada no mundo interior do outro. Afinal, adentrar a casa de alguém é uma forma de conhecer um pouco mais sobre ela. E, pelo visto, nenhuma deles tinha visitado a casa do outro nos últimos 15 anos, Debbie nunca visitou o apartamento de Peter em Nova York. Confesso que logo fui conquistada na cena na qual ela liga para ele para lhe dizer que havia chegado no Brooklyn, e ele então fala para a amiga:
“Pare, respire e observe tudo ao seu redor”.
Esse momento de fotografia mental, o permitir sentir é uma das frases mais fofas do filme e ditas para uma pessoa que talvez não tenha muito tempo para aproveitar momentos.
![Your Place or Mine: Reese Witherspoon’s Debbie on the streets of New York. Your Place or Mine: Reese Witherspoon’s Debbie on the streets of New York.](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F79752375-7076-480d-a014-5811ddf1b4f7_700x394.jpeg)
O interessante do filme é que neste intercâmbio de casas, que não lembra muito o já conhecido “O amor não tira férias” de Nancy Meyers, Debbie se permite fazer mudanças no apartamento do amigo. Ao chegar lá ela observa como o apartamento tem uma certa ordem e é carregado de simplicidade, o oposto de sua casa cheia de personalidade e talvez, a meu ver, até um pouco de excesso. Ela critica os livros organizados por cor - que ele diz ter sido ideia da decoradora - e o fato dele não tirar as etiquetas dos copos ou abrir o faqueiro. “That’s sad!” - ela exclama.
Enquanto Peter, que já passou pela reabilitação duas vezes, talvez precise de um ambiente simples e ordenado para lhe dar uma sensação de controle1 (quem aí já leu sobre isso em Hábitos Atômicos de James Clear?). Ele se sente incomodado com o tanto de recomendações deixadas por Debbie em sua casa - é uma forma de mostrar como ele talvez não goste de ser controlado, mesmo que ela não tente fazer isso, deixando apenas direcionamentos para ajudá-lo nos dias que estiver em sua casa em Los Angeles para que a sua ausência não seja sentida. Peter vê isso como uma superproteção, mas dada a sua própria história, ele tem uma empatia por Jack e tenta fazer o menino se abrir com ele.
As casas dos dois refletem a personalidade de cada um. Engana-se quem acha que ela também não apresenta um certo desconforto na casa dele. Em um ato que parece algo que “uma mãe faria”, ela tira as etiquetas dos copos e os lava um a um, horrorizada com o fato de custaram US$25 cada2. Ela não sabe como ocupar a chaise de design que ele tem ou como usar o sistema de som e automação da casa. O mundo que ela encontra ali é muito diferente do seu mundo colorido com caçarolas no congelador e lista de itens de proibidos para consumo na casa.
Essa oposição acaba por refletir a personalidade dos persongens. O fato dele guardar memorabilia num envelope sob a mesa de cabeceira (eu me identifiquei com isso, pois guardo as minhas em uma caixa no guarda-roupa) nos mostra como ele era uma pessoa reservada. Eu entendo que a casa é um organismo vivo e ela se adequa à nossa rotina. A ordem extrema da casa dele pode nos mostrar que ele era organizado e metódico, no entanto, os utensílios com etiquetas revelam que aquele era um espaço que talvez não fosse tão usado quanto a casa de Debbie, dadas as diferentes dinâmicas e estilos de vida! E é muito mais fácil manter organizada uma casa que não se usa tanto, não é mesmo?
Muitas vezes uma casa desorganizada momentaneamente pode ser sinônimo de uma falta de rotina ou algo não planejado. Nem sempre uma casa desorganizada quer dizer que o dono é um acumulador, às vezes as coisas só saem do controle mesmo e tudo bem.
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É preciso ter atenção quando o acúmulo de itens/desordem é excessivo. Estudos já comprovaram que a desorganização causada pelo acúmulo aumenta os níveis de cortisol, ou seja, o hormônio do estresse, podendo inclusive levar à depressão, provocando queda na produtividade, foco e reduzindo a qualidade do sono.
Antes de assistir ao filme, eu havia visto uma masterclass da Natalie Walton acerca de organização. Ela comentou que não gosta do termo “declutter” (algo como praticar o desacúmulo, que a Thaís Godinho se refere como destralhar) e prefere o termo “simplificar”. Não é apenas se desfazer de coisas e sim manter o essencial; o necessário. Para ela, o maior erro das pessoas é sucumbir aos vídeos das redes sociais/livros/gurus de organização, achando que organizar a casa é manter uma estrutura rígida com organizadores, esquemas de cores e etiquetas em tudo. Isso pode causar mais estresse do que apresentar calma. O segredo é encontrar um lugar para cada coisa e reduzir o que não tem uso.3
Natalie então traz alguns insights de Hábitos atômicos de James Clear e como os pequenos hábitos são necessários para manter uma casa organizada. É o lavar a louça após usar, guardar o que retirou do lugar, fazer a cama ao acordar, enfim. Pequenos 1% que aos poucos, e somados, causam grandes transformações no quadro geral.
Então ela apresenta um processo interessante em três passos:
Três passos para simplificar a casa, segundo Natalie Walton:
Ter clareza: Como você gostaria de se sentir em sua casa?
- Isto é diferente para cada um.Ter objetivos claros de como você quer a sua casa.
- Quanto mais objetivos, menos chance de desviar do caminho.Agir
- Ter uma plano de ação para alcançar o objetivo.
Aproveito então para incluir aqui um adendo que aprendi em uma aula da Thaís Godinho:
Como elaborar um plano de ação? Baseado na Pirâmide da Realização de Thaís Godinho.
saiba qual o seu objetivo a longo prazo.
saiba qual o seu objetivo a médio prazo.
Enumere todas as ações necessárias para alcançá-lo
Estabeleça qual destas ações você pode fazer nesta semana.
Eu não sou radical, eu acho que podemos ter uma casa “simplificada” com uma estante cheia de livros (especialmente quando eles fazem parte da nossa vida profissional), no entanto, eu não compro coisas consideradas “descartáveis” ou “em voga”, preferindo comprar atemporais e de qualidade que vão permanecer comigo por muito tempo. Por isso é tão importante o autoconhecimento para a criação da casa. Ah, e isso não significa que ela vai ficar igual para sempre, pelo contrário, é saber que com o tempo a paisagem da casa pode se transformar, mas seu core, ou seja, sua fundação não vai influenciar nisso e sim cooperar com isso.
Sempre quando eu falo que prefiro fazer styling à obra, me refiro à fazer escolhas tão acertadas e investir em peças que vão acompanhar a pessoa por muito tempo, mesmo que ela decida mudar de casa ou adicionar itens diferentes. Revestimentos entram e saem de moda, por isso eu acho que os revestimentos atemporais e sem afetações ou excessos são as melhores escolhas, sendo possível introduzir objetos autênticos e cheios de personalidade. As vezes as pessoas gastam tanto na obra e querem economizar no mobiliário. Eu acho que tem que sim escolher revestimentos de qualidade, mas o mobiliários deve ter tanta atenção quanto o revestimentos. Agora, em tempos de sustentabilidade e sabendo que 30% de obra é entulho e que algumas construtoras ainda não permitem alterar os imóveis na planta (o que gera ainda mais entulho e retrabalho), penso que o styling tem sido uma alternativa sustentável para o morar. Ainda temos uma longa caminhada em termos de construção, retrofit e afins, mas esta discussão é longa e fica pra outro momento.
Quando Natalie comenta o “como você quer se sentir em casa”, ela coloca uma reflexão importante que eu vi refletida no filme. Debbie não se sente em casa na casa de Peter e tenta transformar o espaço para se sentir acolhida/bem ali. A dona de um jardim enorme cria uma pequena horta no apartamento do amigo mesmo com ele pedindo para que ela não levasse nada com terra para lá. Eu entendo este casal como um casal de visões opostas. O sentir-se em casa para um é completamente diferente do sentir-se em casa do outro. Ele não cozinha e faz quase todas as refeições fora, ela deixa refeições planejadas. Ele não gosta de plantas e ela tem um jardim enorme. Ele esconde memorabílias, ela as deixa em exposição.
Fiquei curiosa para ver como ficaria a casa dos dois após decidirem viver juntos. Eu acredito que talvez ele encontre o significado de casa na personagem de Debbie, não importando tanto o resultado final da construção do lar. Fazer uma casa para um casal com gostos opostos, exige uma grande habilidade de negociação e entendimento tanto do arquiteto/designer como dos futuros moradores. Muitas vezes a casa acaba sendo um ponto de encontro ou não do casal, como nos é relatado no livro Arquitetura no Divã, de Shirlei Zoneis. Quem nunca passou por uma situação na qual o casal tinha diferentes visões das casas e acabou se desentendendo ao longo do processo?
Sabemos que na ficção tudo dá certo e há muita licença poética, mas é fundamental sabermos fazer pequenas leituras e questionar, mesmo que de brincadeira, como poderia ser caso os personagens fossem reais.
Esta é apenas a minha leitura deste filme. E você, gostou do filme? O que achou? Compartilhe comigo nos comentários.
Um ambiente organizado e ordenado traz calma, além da sensação de controle, e isso inclusive já foi comentada em uma análise da casa de Meghan e Harry, leia-a aqui.
Enquanto ela começa tirar as etiquetas, ela exclama:“Não é porquê você pode que você deve fazer algo, Peter“ - uma pequena crítica?
Eu ignorei completamente a parte na qual ela fala sobre doar livros após ler, isso na minha vida não faz sentido, mas respeito e entendo o porquê dela fazer isso