Tenho manias e métricas peculiares. Uma delas é medir valores financeiros fazendo alusão ao valor de algo que eu gostaria de fazer naquele momento. Confuso? Explico. Geralmente, eu falo a frase: dava para comprar uma passagem/fazer uma viagem a Paris. Já teve a época na qual eu comparava tudo ao valor do ingresso de um show que eu estava achando caro demais pelo lugar disponível. Sei que somando pequenos gastos na semana, eu conseguia comprar uns 3 ingressos para o show - o que mostrava que eu não estava priorizando aquilo naquele momento. Essas comparações são uma forma de perceber como pequenas ações me impedem de ver o todo ou como algo não é priorizado em relação ao dia a dia. É o chocolate de todo dia, os hábitos ruins que impedem os bons, os gastos pequenos, os gastos grandes… enfim.
A frase: “dava pra comprar uma passagem pra Paris” é a que eu mais uso. Talvez porque ir à Paris seja um sonho de uma pessoa muito querida que agora que tem condições de ir lá a qualquer momento, não pode por falta de condições físicas. Não sei quando isto começou, mas lembro de falar há anos.. quando eu reprovei na prova da habilitação pela terceira vez, quando precisei fazer uma compra de emergência nos Estados Unidos quando morava lá… sempre murmurava: “Dava para comprar uma passagem para Paris”.
Sabemos o quanto fotografias são marcos especiais de datas como estas; uma forma de memória. Já comentei neste post sobre um livro que foi feito para preservar a lembrança das casas da família de uma designer - mais que um livro é um álbum de memórias. Há alguns dias, um senhor veio oferecer o álbum de formatura do meu irmão. Quando ele falou o preço, eu perguntei se alguém comprava sem pensar e logo murmurei que custava o preço de uma viagem a Paris. Ele me respondeu que Paris estará lá a vida toda e perguntou quantas vezes eu me formaria. Eu respondi que eu me formei 3 vezes, mas quantas vezes eu vou viver para ir à Paris?. Ele riu sem graça, falou que eu tinha razão mas que Paris estaria sempre lá, e isso ficou na minha cabeça desde então. Será mesmo que “nós sempre teremos Paris”? A frase, aliás, é de um dos meus filmes preferidos, Casablanca. E ela se refere ao que o casal queria guardar como uma memória eterna, mas sem materialidade. Não é como uma foto que marca uma lembrança ou tempo. Sabemos que memórias estão sendo sempre reconstruídas e ressignificadas, mas eles só teriam aquilo para se agarrar.
Tem um texto da The New Yorker chamado: What If You Could Do It All Over? The uncanny allure of our unlived lives e este artigo versa sobre essas vidas que sonhamos e não vivemos. Eu acho que Ilsa, personagem de Casablanca, talvez tivesse se perguntado algumas vezes: e se Lazlo nunca tivesse voltado? E acho que Rick, possivelmente se questionasse sobre Ilsa e a vida que eles não viveram. A trilogia do Before, como são conhecidos os filmes Before Sunrise (Antes do Amanhecer), Before Sunset (Antes do Por do Sol) e Before Midnight (Antes da Meia Noite) de Richard Linkater, foi feita baseada num encontro e um reencontro que nunca aconteceu do autor com uma moça que ele não teve a chance de reencontrar. Eu acho que muitas vezes pensar nessas infinitas vidas que não vivemos podem ser combustível não apenas para trabalhos criativos mas também como enriquecedor do repertório, pois estimula a curiosidade. Quantos são os projetos que nunca foram executados - uma casa, um evento, uma campanha publicitária, um logo - ou que foram alterados pelo cliente… ou permanecem como sonhos numa gaveta qualquer. Alguém com livro escrito sobre uma vida como dono de vinícola por ai?
Eu acho que eu não vivi uma vida em Paris e as vezes eu me pergunto sobre ela. Só que tem um detalhe: eu não gostei de Paris. Conheci a cidade aos 14 anos, num verão com temperaturas recordes. Eu nutria uma expectativa tão grande por conhecer a cidade luz que havia me preparado, fiz aulas de francês, ouvi músicas francesas… eu tinha estudados castelos, tinha lido o fantasma da ópera, eu tinha visto Funny Face e Before Sunset (o cinema francês só foi entrar na minha vida mais tarde, já na faculdade)… E, mesmo assim, eu odiei Paris. Uma frustração enorme. Aquela luz amarelada que embaçava minha vista já embaçada, aqueles tons de sépia.. as gárgulas e minervas da Notre Dame.. eu não sabia dizer, eu não gostei. Achei esquisita aquela coisa de andar com baguette sob o braço e parar para conversar no cemitério.

Mas, mesmo assim, meu sonho ainda era fazer arquitetura em Paris. Afinal, não foi Nietzsche que disse que “um artista não tem nenhum lar na Europa exceto em Paris”?
Na primeira aula de desenho na faculdade de arquitetura, antes de eu frequentar a Aliança Francesa e enriquecer meu repertório cultural, a professora sugeriu que escrevêssemos uma carta ao nosso eu futuro. A carta seria destinada a ser entregue no último ano da faculdade. Eu não lembrava de nada da carta, apenas que eu tinha escrito que eu queria fazer intercâmbio em Paris. Os anos passaram, eu fiz intercâmbio em diferentes lugares, mas não retornei a Paris. Gastei meu francês em praias cubanas, falando com canadenses, mas não na cidade luz. Estudei Paris como centro das artes no doutorado em um intercâmbio nos Estados Unidos, fiz amizade com alguns franceses e nada de ir até lá. A vida nos surpreende de mil formas, não?
Durante o doutorado, fiz uma disciplina chamada Writing and Urban Life, que eu amei e cuja primeira aula falou sobre flaneurs, termo cunhado por Walter Benjamin para descrever aquele que observa, que flana, que passeia pela cidade, e, mais recentemente, li sobre Flaneuses em diferentes cidades, como Paris, Nova York, Tóquio, Veneza e Londres. Acontece que talvez minha ânsia por flanar por Tóquio, neste momento, fosse maior do que a de retornar a Paris. Algo como uma “poesia visual”, como Sofia Coppola auto descreve as cenas de seus filmes, da cena da Scarlett Johansson andando e observando de forma anônima pelas ruas de Tóquio em Encontros e desencontros (Lost in translation). Acho interessante que na condição de flaneur/flaneuse estamos a observer de forma anônima e percebo que muitas vezes, os encontros que temos nestes momentos é de uma importância tremenda pois nos encontram despidos de nossos próprios julgamentos.
Há alguns meses, a vontade de voltar à cidades de Paris e Londres (especialmente no verão por conta do Serpentine Gallery) têm sido muito forte. É engraçado pois essas cidades e algumas outras têm sempre um espaço de lugares para ir no meu bloco de notas. Há alguns anos, me indicaram um guia de viagem que “ao mesmo tempo não era guia” cujo o título me marcou por muito tempo e eu nunca o esqueci. Seu nome era: Paris para amar Paris.
Como uma pessoa que pesquisou (e ainda pesquisa) olhares e viagens, sou o tipo de pessoa que tem uma curiosidade imensa por guias de viagens pois apresentam inúmeros olhares viajantes em um mesmo destino. Em minha estante encontram-se diferentes exemplares - desde temáticos como a Nova York de Sex and the City - que reúne endereços onde filmaram a série, até uns mais pessoais como Ping-Pong Chinês por um mês e os clássicos Eyewitness Travel, alguns deles traduzidos aqui pela publifolha. Uma pena eu não ter ido com o olhar (e a cabeça) que eu tenho hoje na China que eu conheci em 2012, por exemplo. Amaria explorar a Lee & Lee Antique Furniture em Pequim, apesar de ter tido a minha cota de feiras de antiguidades e artes por lá. Ao mesmo tempo, penso que visitar a China ou a Índia hoje não teriam o mesmo potencial de transformar o meu olhar como tiveram há 10/11 anos.
Gostaria de lembrar onde foi que eu vi um guia de viagem antiquíssimo uma vez e me fez rir muito. Acho que era da década de 60, algo assim. O olhar de quem o escreveu era carregado de humor. Voltando a Paris, por anos, eu procurei por este guia que me indicaram. Finalmente, ontem eu consegui comprá-lo em um sebo e vi que era de autoria de Vicente Frare, cujo substack eu acompanho já há um tempo. O que eu mais gostei é que o autor coloca que este não é um guia e sim um caderno de anotações pessoais de Paris. Aliás, se você é fã de cadernos de artistas, escritores e arquivos pessoais, recomendo uma das minhas newsletters preferidas, a Noted de Jillian Hess.
Eu acredito que um bom guia não envelhece, ele se torna uma série de retratos, um álbum de fotografias da época na qual foi escrito. Pode sim se desatualizar um pouquinho, mas o que Vicente faz aqui é mostrar um pouco do sue amor pela cidade. Isso ficou bem claro. A ideia de olhar um guia como um caderno de anotações pessoais é incrível. O que me encantou, além das anotações bem pessoais nas indicações que faz, e talvez pq eu fazia algo parecido nos meus workshops de Global Mindset, é que ele inclui uma série de indicação obras (filmes, livros e músicas) para abrir o coração antes de embarcar na viagem com destino há cidade.
Comprei o livro num sebo. Ele veio cheio de posts e marcações acerca de bares e lugares para badalar. Possivelmente, este deveria ser um guia de pessoas jovens e cheias de energia, procurando lugar para se divertir, visto que a parte dos museus e atividades culturais estava intocada. Viajar é isso, cada um o faz à sua maneira. É como tirar uma foto: enquadramos aquilo que é do nosso interesse de acordo com a nossa forma de olhar. (Acho que a próxima news que vou compartilhar será sobre isso: a fotografia como completo do olhar).
F. Scott Fritzgerald disse uma vez que “Dizer que está cansado de Paris, é dizer que está cansado de viver”, aliás, um outro guia pelo qual estou muito curiosa é o Joie que não é um guia da cidade em si, mas também um guia da alegria de viver (joie de vivre) e da celebração da vida. Acredito que comparar o preço das coisas à Paris é, de certo modo, a minha forma de dizer que ainda anseio por viver novas experiências em diferentes lugares. As cidades mudam, o nosso olhar muda. Um destino nunca nos receberá ou será percebido da mesma forma. Assim como Ilsa e Rick, nós sempre teremos uma Paris que guardamos em nossas memórias - seja ela apenas um retrato, um álbum de fotografias que colecionamos e podemos observar suas transformações ao longo do tempo.
Afinal, Paris já não é a mesma.
Paris não é mais a mesma MESMO! E eu sigo esperando que você venha me visitar, minha irmã querida. Ouso dizer que Santa Teresinha gostaria de nos ver juntas pelas bandas de cá...
Olá! Bem, eu já te ouvi medindo valores financeiros a alusões... E digo... Eu faço também... Só que o meu é NYC.. Hahahaha ... Eu gostei de Paris, mas não me senti em casa e embora muita coisa eu reconhecesse em Paris e que pudesse me fazer sentir em casa, o sentimento era de "passeando em um museu" e observando tudo muito bem, porque não se volta toda hora no museu. Quanto a NYC, me sentia totalmente em casa, talvez pela língua, mas também porque nem tudo parecia ser tão importante para olhar ao detalhes (como num museu), porque já tinha visto e meu olhar sempre era despretensioso e livre... Como que .. se não olhar tudo direito agora, amanhã vou estar aqui novamente e olho de novo.... É engraçado e até ingênuo, porque não vou estar ali amanhã de novo, e fiquei me perguntando porque tinha este sentimento ... E o que pude concluir é que eu tenho os filmes, e vou estar lá de novo na Central Station, na Brooklyn Bridge, na Macy´s , vou estar andando com o dog no Central Park, comendo um pastrami na Katz’s Delicatessen ou para quando eu tiver o niver de alguém especial, posso ir comprar um cupcake de ultima hora Magnólia... hahahah
bjs