Casa Trabalho Estilo #5 | Lenny Niemeyer
A paulista que fez do Rio sua morada, e exportou o estilo de vida carioca para o mundo.
Como pesquisadora, se tem algo que eu amo é poder entender a transformação do olhar a partir das experiências que temos ao longo da vida e o seu reflexo em nossas escolhas. O assunto de semana passada, sobre casa e lugar no mundo é extenso, e ele vai se desdobrar em dois posts com temas de escolha de casa e de ambiente de trabalho, mas antes disso, quero comentar sobre esse reflexo da transformação do olhar.
Seguindo a leitura de “A place in the world: Finding the meaning of Home”, de Frances Mayes, li “Joie” da estadounidense de origem nigeriana radicada em Paris, Ajiri Aki, conhecida por ser uma curadora de antiguidades e fundadora de Madame de la Maison. Para Aki, o uso de materiais como o linho, por exemplo, e de antiguidades está diretamente ligado ao seu valor de sustentabilidade. Ao longo da leitura do livro ela aponta não apenas elementos e o modo de ser dos parisienses mas também como o seu olhar estrangeiro foi amadurecendo e aprendendo com a cultura local. Ela não esconde a transformação do olhar, ela o evidencia expondo seu choque cultural, e a adoção de novos hábitos e uma nova forma de viver que conheceu com a experiência de morar na cidade.
Assim como Frances Mayes, Ajiri encontrou em outro país o seu lar, mas, para ela, a experiência é ainda mais diferente pois está criando filhos franceses, com isso, ela nos mostra como apesar de ter adotado muito da cultura, ainda permanece estrangeira naquele lugar. É isto, ao meu ver, o que o livro tem mais de valioso. Ele se propõe a ser um guia parisiense para viver a boa vida, mas isso, muitos livros já fizeram sou o olhar do parisiense local. Ajiri nos mostra sob um novo olhar, um olhar estrangeiro que escolheu aquele país como lar, e o que ela aprendeu com a experiência. Ele tem dicas boas sim, mas não é o guia que ela se propõe a fazer que é o que torna o livro interessante, é como ela nos revela essa transformação do olhar por meio de suas experiências, seja em Paris ou as influências da infância e ao longo de sua trajetória.
Essas leituras combinadas me lembraram de uma figura proeminente no cenário da moda brasileira, cujo olhar também foi transformado por uma mudança de ares, aqui mesmo no país, e resultou numa marca de roupa de banho reconhecida por sua beleza e seu caimento, Lenny Niemeyer. Natural de Santos, em São Paulo, e artista plástica de formação, Lenny (née Maria Helena Ortiz) chegou a trabalhar com arquitetura e paisagismo até se mudar para o Rio de Janeiro após o casamento com o médico Paulo Niemeyer Filho (sobrinho do arquiteto Oscar Niemeyer).
“Via que as mulheres saíam e pegavam a camisa do namorado, do pai, e usavam com calça jeans, shortinho, faziam compras assim. Comecei a perceber que existia uma moda que ia além da areia. A gente queria ser igual à carioca, não conseguia. Eu tentava, fazia como elas, aí chegava à praia e as pessoas perguntavam: Você não é daqui, né? Gente, mas o que estou errando? - eu pensava... Era o comportamento, não a roupa”.
Lenny em entrevista ao Valor econômico
Muitos conhecem Lenny apenas como estilista de moda praia. Na verdade, a marca hoje exporta não apenas o know-how brasileiro de fazer biquinis e o imaginário carioca, mas também a artesania brasileira seja ela sob a forma de roupas ou de acessórios, como mostrou o desfile do Alto verão 2024 que emocionou ao mostrar elementos como franjas e paetês e o crochê de palha de Buriti, feito por artesãs maranhenses. Além desta busca por dar nova vida ao material já usado pela marca e que resultou em uma composição muito bonita, a coleção foi fotografada nos Lençóis Maranhenses, justapondo criação e paisagem natural em uma composição belíssima.
Ao ser entrevistada, a estilista sempre comenta o que seu olhar encontrou ao chegar em terras cariocas: mulheres que faziam da praia o seu estilo de vida, jogando camisas masculinas sobre a roupa de banho, indo de um lugar ao outro ainda de biquini, com o cabelo ainda molhado de mar. Essa visão a inspirou para que construísse ela mesma uma marca que contemplasse esse DNA carioca. Ela então começou sua pequena produção autônoma de biquinis em sua sala de jantar, como contou em entrevista a Baazar, arriscando-se ela mesma na artesania da construção de peças devido a falta de aviamentos que suprissem sua necessidade criativa. Da mesa de jantar a garagem, depois ao galpão, aos poucos a atividade criativa virou negócio.
O interessante é que embora inicialmente inspirada pelo estilo de vida de cariocas, e pela cidade que virou seu lar, seu repertório não fica restrito ao território fluminense. Na mesma entrevista ela comentou como o seu repertório arquitetônico influenciou na escala do desenho de sua estamparia e também como lenços Hermés foram fundamentais no início do exercício de composição para estampas em biquinis e cangas. Já nesta entrevista a Japan House, a estilista comenta como cultura japonesa a inspira desde os tempos em que ela trabalhava como paisagista.
“As pessoas pecam pelo excesso. O chique é ser pé no chão. Se for para exagerar, que seja na simpatia” Lenny para Veja Rio, 2017
O que eu admiro em Lenny é a pluralidade de trabalho em diferentes campos. Ela é autora de livros de arquitetura (é dela a autoria da introdução e das estampas contempladas em Inside Rio, que apresenta uma curadoria de interiores cariocas) e sobre como receber em casa (Delícia receber), ja apresentou programa de tv e tem fama de ser uma das maiores festeiras no Rio de Janeiro, já que ela acredita que as festas - que começaram como eventos pós-desfiles - são um local para promover o encontro e a troca entre diferentes pessoas sem preocupação com a imprensa. Para ela, “receber é cultura” e quando ela diz isso, ela se refere a inteligência cultural para viajar (e aproveitar festas em outros países!). Não é de se estranhar que Lenny seja viajante e sua casa contemple em seu décor itens que adquiriu em viagens, seja o tapete de Marrakesh ou uma luminária grega, como ela mostra neste pequeno artigo para a revista Marie Claire.
Esse trânsito de Lenny em diferentes campos - artes, arquitetura, paisagismo, culinária, moda - nos evidencia como seu cérebro está em constante movimento para estar cada vez mais criativo - já comentamos isso aqui por meio de Shelly Carson e seu livro “O cérebro criativo”.
“Tudo combina quando a gente gosta”
Lenny para Marie Claire, 2016

Em entrevista ao Valor Econômico, ao comentar sobre o início da marca, ela disse: “Eu não tinha estilo próprio, tinha aprendido a interpretar o que os outros queriam”. Foi após sua loja ser criticada que ela entendeu a necessidade da construção de um estilo próprio. Na mesma entrevista ela comenta que suas escolhas sempre foram pautadas por qualidade e não quantidade, sendo uma pessoa que pouco consome e que faz apenas uso pontual de estampas e raramente consome seu próprio trabalho em respeito as clientes.
Eu acompanho o trabalho de Lenny desde a adolescência e desde que passei a acompanhar a estilista percebo a consistência não apenas de seu estilo pessoal, sempre muito elegante com camisas, muito branco e preto, estampas e cores de forma pontual como complemento, o que reforça a entrevista acima citada. E devo mencionar também que o mesmo acontece em relação ao décor de sua casa que conta com elementos naturais (madeira, palha e tecidos como linho, algodão e couro), flores tropicais e arte com cores intensas e estampas abstratas.
Sua casa contempla não apenas garimpos de viagens e obras de arte de amigos, mas também peças de família e simbólicas como o altar com inúmeras imagens de Santa Teresinha dentro de seu closet. A respeito de sua casa, em 2018 na ocasião de uma campanha que fez para o Westwing em virtude do aniversário do Rio, ela contou ao Jornal Globo: “Às vezes, mudo alguns objetos de lugar para dar espaço aos novos, mas pouco me desfaço deles. Tenho em casa um mapa antigo do Brasil, de 1700, raríssimo, encontrado pelo meu pai e que fica em uma parede de destaque em minha sala”.
Em 2022, Lenny apresentou uma coleção chamada “A Casa” na qual ela disse ter espacializado um pouco de seu mundo, expondo ali referências de arte, arquitetura, botânica, o que refletiria a sua própria casa. Ao meu ver, fica claro como suas escolhas criativas no âmbito profissional estão diretamente ligadas com as escolhas de seu lar. Em sua casa, a estilista espacializa memórias sob a forma de itens herdados, assim como apresenta em seu repertório criativo elementos que vieram de outras épocas (memórias) de sua vida profissional ou pessoal antes do design de moda. Assim como Frances Mayes encontrou sua casa na Itália e por lá fez criações de diversos livros com diferentes histórias e receitas, Lenny também gosta de contar histórias também com livros e receitas, mas o mais especial é que ela conta histórias na passarela com modelos que prezam por uma elegância descomplicada e sem excessos, assim como ela.
Vejo que essas três mulheres Frances, Ajiri e Aki - de origens diferentes - têm muito em comum; elas nos revelam seus olhares por meio de composições criativas, sejam elas com palavras, itens ou design. É muito interessante ver como essas mulheres exportaram histórias e um estilo de vida de lugares que não são “originalmente” seus mas que escolheram como “casa”, o que nos mostra como um olhar estrangeiro (mesmo que dentro do seu próprio país, como no caso de Lenny) é capaz de fazer uma leitura digna de exportação de imaginário e estilo de vida; seja pelo fato de ser um olhar que encontra tudo com ares de novidade; por sua leveza ou pela atenção da descoberta. Acho que ainda temos muita coisa a falar sobre isso.
Por hoje, é isso… Até a próxima!
Ps: O que você tem achado dos posts de 2024 até agora? Compartilhe comigo nos comentários!