Nosso Olhar - O que palavras e imagens nos dizem?
Pesquisa e narrativa visual
Hoje era pra você receber uma crônica leve e deliciosa, mas quis propor algo diferente.
O que palavras e imagens nos dizem?
Nestas semanas que passaram pude avaliar de maneira muito criteriosa o que passou pelos meus olhos. Acho muito maravilhoso o poder que algumas pessoas têm de criar narrativas que emocionam, narrativas que fazem com que a gente fale: “só mais cinco minutinhos” ao se deparar com um livro incrível ou uma “só mais um episódio” quando a série é fenomenal.
Na última newsletter, comentei a casa do diretor de arte Fabien Baron, que cria narrativas visuais elegantes, e enquanto preparava o material da news, algumas frases dele me marcaram, frases simples, mas aquele óbvio que precisa ser dito, sabe? Era mais ou menos assim: ele dizia que algumas vezes o nosso trabalho vai alcançar um grande número de pessoas, em outras, um número muito pequeno e que ter isso em mente, faz a diferença, pois precisamos entender quem vamos atingir. Mas, quando se é um profissional criativo, a medida de sucesso, é o sucesso do cliente… e se o cliente estiver feliz, então, o trabalho teve êxito. Isso ficou na minha cabeça por dias e dias.
A exemplo de ter um produto voltado para um público específico, nesta semana que passou, vi o filme The Menu e achei horroroso. Odiei. Reconheço que sua narrativa visual é bem feita (os pratos, o styling, a arquitetura), que tem uma crítica por trás, mas algumas coisas no storytelling me fizeram ficar horrorizada com a história. E tudo bem. Talvez o criador tenha alcançado seu objetivo com a minha reação, mas ninguém é obrigada a nada nesta vida, muito menos gostar de algo mesmo que ele tenha sido aclamado pela crítica.
Enquanto finalizava este texto hoje, ouvi uma música que lembrou de uma história. Eu ouço Rachel Yamagata desde a adolescência, e em 2019, tive a chance de ir ao show dela. Um show pequeno, afinal ela não é tão famosa, com direito à meet and greet no final e eu saí feliz por ter tido a chance de contar a ela uma pouco da minha história em relação à uma de suas músicas e também pela dedicatória super especial que recebi no meu cd. No meio do show, ela contou uma história que eu nunca esqueci, na qual ela comentou que muitas pessoas usam a música dela “Meet me by the water” como primeira dança do casal em casamentos e renovação de votos, nisso um casal bem animado deu um grito e disse que tinha sido a música deles. Ela ficou sem graça, e comentou que queria pedir que as pessoas não fizessem isso, pois foi uma música que ela escreveu quando estava pensando em trair o então namorado. Conto isso pois, veja bem, uma narrativa por não ser tão clara para outra pessoas como para quem a criou, possibilitando assim diferentes leituras.
E por falar em cinema, no furor do momento, não posso deixar de comentar o artigo do New York Times Magazine: Greta Gerwig’s ‘Barbie’ Dream Job, no qual a atriz-diretora-escritora comenta sobre sua visão da boneca e do filme. O que me chamou a atenção antes mesmo de ler o artigo, foi a foto que ilustra o artigo feita pela dupla Inezz e Vinoodh, cujo trabalho eu aprendi que não se limita à moda e inclui fine arts.
A fotografia é uma alusão do trabalho de Gerwig como diretora no filme da Barbie, conectando-a à boneca, mas, neste vídeo, esta moça comenta as referências visuais que podem ter influenciado a dupla no shooting. Isso não apenas amplia a narrativa, tornando sua leitura ainda mais interessante, como também mostra o repertório e vocábulo visual existente por trás de um trabalho. Aliás, se você ainda aguente ouvir falar do filme da Barbie ou tiver interesse no trabalho de Greta Gerwig e quiser saber mais sobre seu repertório, acho válido ver este vídeo no qual ela fez uma lista com 29 filmes que a influenciaram para criar este mundo cor-de-rosa por suas “artificiliadades autênticas” como ela coloca, é só clicar pra ver: Greta Gerwig’s Official Barbie Watchlist. Recomendo pois a lista é eclética e muito interessante. Ah, eu AMEI que ela incluiu Wings of Desire, do Win Wenders, é uma história que eu amo (se você não está familiarizado é o filme que inspirou o filme Cidade dos Anjos em 1998) e fiquei super curiosa.
Se procurarmos por um significado literal no dicionário, vamos ver que uma narrativa, que pode ser construída com palavras ou imagens, é uma forma de narrar fatos e acontecimentos; contar uma história. Diariamente vemos narrativas sendo construídas a nossa frente: em portfólios de designers e arquitetos, em fotografias, no nosso próprio feed do instagram, numa revista ou em um livro - seja ele de ficção ou de arte. Enfim, vivemos cercados por narrativas. E pode ser óbvio pra você, mas vou lembrar algo: quando usadas juntas, elas precisam dizer o mesmo.
Lembro de uma vez quando pipocou no Facebook um link com projetos diversos de arquitetos antes deles serem considerados icônicos. De castelos à casas com linguagens duvidosas, as pessoas se espantavam com as criações pois não estavam acostumadas a ver o que antecedia o “portfólio” de tantos arquitetos que conheciam. Acontece que elas se esquecem que, normalmente, o que vemos nos livros, artigos de revistas, e até mesmo nas redes sociais, tudo que envolve uma série de imagens e textos sobre algo, é uma narrativa criada para atender uma determinada finalidade.
Recentemente, li alguns posts no Instagram que me deixaram espantada. Vi ambientes com mais de uma cor ser chamado de monocromático. Em outro, a pesquisa acerca de cores, por exemplo, estava desatualizada ignorando tudo que já se sabe sobre neuroarquitetura e nossa percepção diante de um espaço. Li também alguns outros, sobre minimalismo, e muitos deles confundiam funcionalismo com minimalismo ou moderno com minimalismo. Um deles até trazia imagens de um trabalho de arquiteto moderno cujo trabalho é bem específico e facilmente reconhecido como referência de minimalismo, o que não era o correto. Vejo que falta pesquisa por trás da construção de algumas narrativas. É preciso uma leitura crítica antes de construirmos este tipo de conteúdo.
Eu só reconheci esses detalhes e dissonâncias da narrativa pois são da minha área, talvez, se fossem de outra, eu não teria reconhecido. Acho interessante ressaltar que isso não é referente apenas à arquitetura… décor e interiores, moda… mas a vida também. Semana passada, fui elogiada pela leitura do estilo de Ludivine Poiblanc, do trabalho de seu marido, e de sua casa. Minha forma de ler as pessoas, já foi notada algumas vezes, o que eu atribuo à um olhar atento aos detalhes e muita leitura e pesquisa. Por isso, quis trazer como exemplo de pesquisa e narrativa, de forma breve e rápida, uma leitura de estilo.
Não sei se já comentei aqui, mas admiro muito o estilo e a forma de vestir de Carolyn Bessette-Kennedy1. Quando penso nela, as palavras que vêm à tona são: simplicidade, elegância, consistência. Pra mim, ela é uma das mulheres mais elegantes que já vi. Lembro exatamente do dia no qual eu vi seu vestido de noiva pela primeira vez numa revista, era diferente de tudo e tão simples. Em uma época com tantos excessos e mangas, vê-la brilhar naquela simplicidade me deixou encantada. Até hoje aquele vestido minimal desenhado por seu amigo pessoal, Narciso Rodriguez, é visto como referência. Por isso vou usá-la aqui com exemplo hoje, meu objetivo é fazer algo simples e rápido.
Olhar, seleção, recorte, edição - uma narrativa visual
Eu não sou da área da moda, mas andei pesquisando o estilo dela já há algum tempo (este texto começou a ser escrito em meio de 2022) e lendo algumas coisas sobre a sua pessoa, como o famoso artigo para a Vanity Fair intitulado The Private Princess. Segundo diferentes materiais, li que2 (1) Carolyn era fã de vintages e tinha um guarda-roupa enxuto. (2) Ela repetia roupas com frequência e fazia inúmeras combinações com as mesmas peças. Como ela trabalhava como PR para a Calvin Klein, pesquisei e posso comentar que se virmos os desfiles da marca na década podemos facilmente identificar o estilo de Carolyn ali. Concluí, a partir do que eu li e pesquisei, que: A visão que eu tenho é que o estilo minimalista dela que conhecemos foi um possível reflexo de sua vida social em Nova York, muito ligada ao seu trabalho como PR na Calvin Klein, importante nome do minimalismo propagado nos anos 90.
No entanto, ao ouvir o audiobook de um memoir escrito por Carole Radziwill chamado “What Remains”, no qual ela comenta algumas coisas sobre Bessette. Sua melhor amiga à época, uma das coisas que Carole menciona no livro é que a preferência por peças de roupas repetidas à exaustão, como a camisa branca, por exemplo, eram uma tentativa de se tornar uma pessoa menos interessante e afastar os fotógrafos, o que não aconteceu. Se eu não tivesse ouvido isso, eu teria pensado que a essência dela fosse, de fato, aquela que a mídia sempre nos mostrou. Está vendo como as vezes podemos presumir e fazer uma leitura errada de algo?
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Atenção aos detalhes - os acessórios
A principio nota-se algo interessante: suas unhas dos pés estão quase sempre com esmaltes preto ou vermelho e as unhas das mãos, raramente pintadas. É interessante observamos o estilo de CBK e também como ela trabalhava este mix de peças clássicas e acessórios numa base minimal. A constância nas roupas se reflitam também na escolha dos acessórios. Abaixo nota-se a sua aliança de safira e diamantes, o carteir tank da década 1960, herdado de sua sogra, Jackie O, as pérolas e o batom vermelho, a bolsa vintage Paco Rabanne, também 60’s - o que confere as informações acerca de seu gosto por vintages e a preferência por não chamar a atenção, se atendo aos clássicos. Além disso, os óculos e bandanas, que depois inspirariam a construção do guarda-roupa de Carrie Bradshaw em Sex and the City. Sim, é comumente dito que CBK e JFJ Jr. foram inspiração para a narrativa visual do casal Carrie e Big.
Em uma pesquisa visual, ou em imagens selecionadas por uma pessoa como referência, geralmente é possível observar elementos que se repetem. É importante investigar o que eles nos indicam - Sejam em roupas, em casas, na decoração. Na própria coluna Home Work Style, que enviei semana passada, esse tipo de leitura fica visível, e se observamos as 3 edições, é possível o que o meu olhar também seleciona, dada a afinidade das decorações. Pode-se verificar, por exemplo, que há mobiliários de design do mesmo período nas 3 casas apresentadas.
A minha seleção
Em uma pesquisa visual, o nosso olhar vai sempre selecionar o que mais nos agrada, e o que mais reflete o nosso gosto - mesmo que selecionemos diferentes imagens, vai sempre ter algo nelas em comum. Por isso, mesmo que na condição de porta-vozes dos clientes, arquitetos ainda podem se ver refletidos em algumas escolhas.
Se eu tivesse que fazer uma seleção de quatro looks de CBK, escolheria esses abaixo: a forma relax do uso de jeans e camiseta com os óculos (YSL -90’s?). O conjunto saia e camisa brancos com sapatilhas pretas em conjunto com a Birkin preta. O vestido off com fenda frontal e o tomara-que-caia com luvas e batom vermelho. É possível identificar rapidamente o meu olhar nesses 4 outfits. E o que eles indicam? São composições “básicas”, simples, com alto constraste ou monocromáticas.
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CBK ainda é referência, sendo seu estilo considerado atemporal. No entanto, criou-se uma seleção reduzida de seus melhores conjuntos enquanto ela esteve nos holofotes. Temos uma imagem condensada dela, de looks minimal, camisas, e acessórios bem marcados. Parece uma pessoa que realmente não usava cores ou estampas, apesar do vestido florido Chanel (imagem a baixo, canto inferior direito) ser quase sempre mencionado em artigos sobre ela.
Os looks que raramente vemos
Em oposição à esta figura que vemos nos artigos de revistas, é possível encontrar fotos dela usando um conjunto verde em Martha’s vineyard, o casaco laranja pelas ruas de Nova York ou o xadrez verde e o estampado vestido que parece DVF durante férias na Europa.
O que eu quero dizer com este post é que uma seleção pode retratar uma parte nossa, mas nunca o todo. Diariamente fazemos este exercício de seleção para mostrar o que consideramos o melhor de nós, do nosso trabalho. Uma narrativa por “ocultar” significados reais, como no caso da música que comentei, pode ter mais significados do que sua aparente “simplicidade” e “fácil leitura”, como no caso da fotografia da NYTMAG, revelando um vasto repertório por trás, e pode também ajudar a imortalizar o estilo ou o trabalho de alguém, como no caso de revistas e livros por meio de um recorte do que é mais importante em relação àquela pessoa. A reflexão que eu quis trazer aqui, e novamente, o óbvio as vezes precisa ser dito, é que imagens e falas devem estar alinhadas e “falando a mesma linguagem” e não se contradizendo. Todos nós somos, de alguma forma, storytellers - embora nem todos sejam pagos por isso, e isso envolve um olhar atento na criação de nossas narrativas.
Nas próximas semanas, vamos voltar falar sobre viagens? O que motiva você a viajar? Com as férias, aconteceu de você também ter seu feed inundado por fotos similares nos mesmos destinos? Pois é.. aconteceu no meu também. Acabei lembrando de uma pesquisa que vi em 2018 que aliou dados no instagram para melhor visualização do fluxo e do horário de turistas em pontos turísticos a partir das fotos postadas na rede e de um artigo recente do Financial Times que eu fiz uma leitura no Insta esses dias. Lembro de que quando fui a Grécia, me deparei até com um guia que ensinava a reproduzir fotos de sites de turismo. Acho que vale a pena comentarmos isso como um fechamento deste período de férias, para que o nosso olhar fique ainda mais atento! Também vai ter um post sobre um artigo interessantíssimo que li sobre a casa não ter mais a nossa cara e sim a cara do mercado; e o que o mercado valoriza, um outro sobre nostalgia… e mais uma ou outra coisa. Em agosto teremos muitas coisas novas, mas, por hoje é isso!
Até breve.
Este post originalmente foi escrito como a 3a edição de Home Work Style, mas na ausência de fotos do apartamento dela e de John John, resolvi comentar sobre narrativa visual. O que encontrei sobre o loft em Tribeca, no qual eles moraram, foi este post feito por um blog dedicado ao ícone fashion da década de 1990. As cores? Branco, bege, preto com detalhes em dourado. Acho interessante como acaba por representar um pouco o estilo pelo qual ela ficou reconhecida.
Perceba que eu coloco li, pesquisei e concluí e depois complementei com outra coisa que eu li que me fez rever o que eu pensava a respeito. Ou, seja, listei todos os passos do que eu faço antes de escrever algo. Isto é uma forma de fazer uma leitura crítica, óbvio que não tão simplista assim, mas… é. Permita-me saber se você gostaria que eu adentrasse esse tema em uma ou outra newsletter.
Adoraria saber mais sobre a leitura crítica!
adorei este post! parabéns. a forma de escrever e de perceber a narrativa visual...