
Encontro rascunhei este e-mail, me lembrei de quando estive em Cuba e spoiler de novela eram a coisa mais pedida quando eu falava que era brasileira. As novelas brasileiras passavam com um certo atraso e os cubanos ficavam enlouquecidos querendo saber “Quem matou Lineu”, ou se “Bebel e Olavo ficam juntos” e coisas do tipo. Eu nunca fui noveleira, então vocês podem imaginar que eu nunca pude dar spoiler pra ninguém.
No entanto, eu tenho uma amizade muito especial que começou em 2018 com a seguinte pergunta: “Se você chama Helena, você deve ser do Rio. De onde você é no Rio?”. A risada que eu dei foi tão gostosa, que acho que minha amizade com aquele amigo nasceu ali, a milhas e milhas do Rio de Janeiro e das narrativas de Maneco. (novelas essas que eu gostava muito de ver).
Neste final de semana acabou uma novela muito bonita. Regravada 32 anos depois da versão original ir ao ar, Pantanal nos apresentou não apenas uma diferente narrativa construída pelo neto do autor original, como também novos elementos, a começar pela voz de Maria Bethânia e Almir Sater no lugar da de Marcus Viana na abertura.
A paisagem do Pantanal mudou. Um primo comentou que era como se a primeira versão da novela fosse verde enquanto essa, laranja. Algumas partes da história original não fariam sentido em 2022, pautas foram introduzidas e assim em diante, embora ainda apresentasse alguns atores da primeira versão em novos papeis. Muita coisa se transformou, processo semelhante como o que acontece conosco e a vida.
Já ouviu aquele ditado que todo mundo deveria “plantar uma árvore, visitar Paris e escrever um livro”?1 Mesmo que nós realizemos essas tarefas milhões de vezes, nunca seremos os mesmos a fazê-las. Porquê nós mudamos e nossas experiências influenciam e muito a forma como vemos o mundo e praticamos diferentes ações. Como exemplo, o olhar de uma pessoa, transformado pelas experiências de uma viagem, pode influenciar e muito em sua produção textual, ou na criação de um conceito projetual e até mesmo na decoração de sua casa.
Saí para jantar com uma de minhas melhores amigas esses dias e começamos a comentar sobre amizades. Enquanto falávamos sobre a saudade e o desencontro com amigos da infância, afinal nem todos nós estamos no mesmo lugar hoje em dia, ela comentou como é importante observarmos como as pessoas mantém suas amizades. Sei que ao longo da conversa, uma coisa que comentamos foi que ter amigos de longa data e diferentes épocas da vida talvez possa dizer muito mais sobre a gente do que ter muitos amigos de uma única época.
A meu ver, é importante observarmos as pessoas que permanecem em nossas vidas e acompanham as transformações das nossas paisagens internas. Aliás, você já ouviu esse termo? A primeira vez que eu o li foi em inglês, o termo Inner Landscapes, no concurso literário Prada Journal, projeto criado em 2013 pela grife italiana para promover seus óculos de grau de mesmo nome. Já li diferentes significados para o uso da expresão Inner Landscape, mas o que mais fez sentido para mim foi em um artigo sobre fotografia, no qual o autor (vou ver se acho o nome dele depois) mencionou que só é possível reconhecermos uma paisagem externa, a partir da nossa paisagem interna, que seria um conjunto de nossos sentimentos e experiências. Ou seja, voltamos à algo que já mencionamos aqui antes: o nosso olhar é transformado por nossas experiências. Então, manter amizades por anos é uma forma de ter alguém que nos acompanhe, que vê como nossas experiências e a forma como vemos o mundo é transformada ao longo do tempo. E, é natural que nesse longo caminho, alguns entrem por breves momentos e saiam quando essa transformação não fizer sentido.
Há ainda aqueles amigos que passamos anos sem ver, mas quando precisam de nós por diferentes motivos, seja para celebrar uma conquista ou o aumento da família, ou abraçar, no caso de um luto, por exemplo, os anos se dissipam e não importa se a gente não se fala há 2 anos, ou há dois dias, simplesmente estamos lá.
Nós somos feitos de experiências e nossas histórias são constantemente revisitadas, uma vez que nossas experiências nos transformam. Eu adoro uma frase do autor Colm Tóibín, na qual ele fala sobre sermos “estrangeiros em nós mesmos”, no sentido de precisamos nos (re)conhecer as vezes.
Eu sempre ouvia histórias de pessoas realizando o sonho de ir à algum lugar e chorar. Ouvia uma tia dizer que quando viu a torre Eiffel e a paisagem parisiense ao fundo, chorou. Quando eu fui a Paris, não chorei, e eu me cobrei aquilo, pois não entendia, eu queria tanto conhecer aquele lugar, não gostei e não chorei. Eu só experimentei isso quando fui à Grécia e, posteriormente, em Chicago. Aí, em Chicago eu não apenas chorei, eu desabei. Acho que estes foram lugares nos quais as minhas expectativas se alinharam com o que eu encontrei ali.
Visitar Chicago e ver a cidade sob meus olhos foi como redescobrir tantas coisas! Visitei arquiteturas que eu conhecia apenas sob o olhos de outras pessoas, como fotógrafos, críticos, arquitetos e professores. Conhecer a Farnsworth House foi como me deparar com algo verdadeiramente etéreo e sublime pela primeira vez na vida. Não era como a muralha da China ou o Taj Mahal, experiências que me frustraram um pouco, era como ver algo exatamente como eu imaginava. A importância de visitar a Robbie House, projeto de Frank Lloyd Wright, e tantas outras arquiteturas e ver que algumas delas não me transmitiam a mesma sensação que havia lido que encontraria ali. Recordo-me de contar a minha experiência a uma amiga, e termos visões completamente diferentes acerca da visita a Robbie House. Nossas impressões, apesar de se encontrarem em alguns pontos, traziam experiências espaciais completamente diferentes - a começar pelas nossas alturas, ela com 1,50m e eu com 1,70m. Lembro de alguém comentar uma vez sobre críticos que só deveriam falar sobre arquiteturas que visitaram. rs
Escrevo isso para dizer como nossas experiências são extremamente pessoais e únicas. E não falo apenas de viagens, mas sobre a vida em geral. Até mesmo uma conversa pode ser percebida de forma diferente dentre os que estão se comunicando. De fato, a nossa paisagem interna influencia como percebemos a paisagem externa. Por conta disso, eu acredito que devemos falar das experiências que vivemos e não das experiências dos outros.
Eu adoro a possibilidade de novos encontros, que podem vir a ser reencontros, com pessoas e lugares. Amo esse processo. As vezes a gente volta pro lugar de onde saiu, em outra condição, e acha que muito mudou, que algo transformou, quando na verdade, nós que mudamos e podemos aprender que onde chegamos é bem melhor pois não é nada parecido com o lugar que deixamos; ocorreu uma transformação ali. Abaixo, coloco um post com uma série de desenhos de encontros ao longo da vida, que eu sempre gosto de comentar.
Por isso eu escolhi Brooklyn, de Colm Tóibín, como o primeiro livro do Clube do Livro do The Mid. Aliás, aos que se inscreveram, vou deixar aqui duas sugestões de data do nosso encontro, qual vocês preferem?
Segunda-feira, 31 de Outubro ou na quinta-feira 10 de Novembro? Alguma outra sugestão de data? Compartilhe comigo! E, se você quiser se inscrever, ainda dá tempo. É só responder à este e-mail.
Desejo a você uma semana de coisas boas.
Até breve,
Helena.
algumas pessoas falam ter um filho, mas eu prefiro a ideia de visitar Paris
Paisagens Internas - não conhecia o termo. Interessante pensar sobre esse prisma.
Adorei essa reflexão! É bem assim mesmo; a gente muda, nosso olhar mudar, os amigos mudam. Hoje em dia, vejo beleza nisso. Noto também como o autoconhecimento, mais uma vez, interfere em absolutamente tudo. Nosso olhar só é nosso quando sabemos quem realmente somos. Aí a gente consegue se emocionar em um lugar, com uma exposição, rir com novos amigos, chorar com os antigos, e por aí vai. Amei as suas colocações! Que essa semana seja bem linda para todas nós <3