Começo este texto dando boas-vindas aos nossos novos assinantes!
Vou me apresentar rapidinho! Eu sou uma arquiteta e urbanista que buscou entender como viagens influenciam a nossa vida (e a criatividade!). Aqui compartilho inspirações para a casa e o dia a dia, e também para educar o olhar, para que você possa viajar - mesmo que pelo seu próprio bairro - de forma diferente.
Pátina do tempo
Gostaria de recomendar que você visse este vídeo que vi recentemente no LinkedIn. Ele vai de encontro ao que falo aqui sempre: que nós entendemos as coisas de acordo com o nosso repertório, as nossas vivências e as nossas experiências.
Uma vez eu fiz curso que fiz no qual na última aula, uma amiga, ao descobrir que eu também era urbanista, disse que todos os meus comentários do semestre finalmente fizeram sentido haja vista que um arquiteto - diante da experiência dela - não falaria aquilo. E eu passei o semestre inteiro nervosa pois os arquitetos só comentavam da arquitetura e não dos valores, do espaço do espírito de lugar e do urbano? Pois é, foi nessa mesma aula que eu descobri que a formação deles não incluía urbanismo, como a minha… Eu sei que aquela última aula rendeu uma conversa extensa sobre a formação do arquiteto e urbanista em diferentes culturas. Acho que vale repetir aqui mais uma vez que o óbvio para um não é óbvio para o outro.
Tem uma frase do Paul Valéry (ou pelo menos, creditada a ele), que é assim: “Elegância é a arte de não se fazer notar, aliada ao cuidado sutil de se deixar distinguir”. Eu acredito em espaços elegantes. E também acredito em pessoas elegantes. E acho que elegante não é apenas algo formado por uma curadoria de peças neutras ou a combinação de branco e preto. Já vi pessoas muito elegantes usando estampas e ambientes igualmente elegantes e muito coloridos. Por isso gosto tanto da definição de Valéry, e acho um desafio grande ser distinto enquanto não se faz notar.
Recentemente, comecei a fazer um curso de atualização em Restauro na minha Alma Mater, a PUC Campinas, com a Prof Ana Paula Farah. Muito se fala em autenticidade, em preservação, em como interferir em algo.. Na primeira aula, um termo que gostei muito de conhecer foi “Ato de Cultura”. A frase na qual ele apareceu foi “restaurar é um ato de cultura”, ele quer dizer que para intervir num objeto é preciso saber a cultura daquele local; como aquele local preserva, como o objeto é assimilado pela população. Enfim, uma expressão tão significativa!
Edição posterior: deixo estas notas de aula da Prof Beatriz Khül (Restauração hoje: Projeto e Criatividade) para quem se interessar pelo assunto.
Na última aula surgiu a expressão “Pátina do Tempo” e como se discute se um patrimônio deve ser totalmente limpo, ou se deve-se permitir deixá-lo com as marcas (a pátina) do tempo. Novamente eu senti que não fui compreendida quando comentei que se usa o termo em interiores para falar de atemporalidade. Como ninguém deve imaginar de onde eu tirei isso, vou compartilhar a história toda com vocês mais abaixo mas antes eu gostaria que pensamos em pequenos objetos.
Eu uso um anel da minha vó que ela ganhou da mãe dela. O ouro, apesar de ser passível de polir e “desamassar”, acaba carregando consigo marcas do tempo. Em arquitetura e interiores, chamamos isso de “pátina do tempo”. Mesmo sendo de outro, o anel com 67 anos, teve também sua pátina não sendo mais idêntico ao que era quando saiu da loja. Tendemos a achar que muitas coisas são para sempre, e não é bem assim. Nem os edifícios, talvez alguns objetos, mas nem os relacionamentos interpessoais são eternos. Muitas coisas perpassarão nossa existência, outras não. Mas, podemos fazer escolhas atemporais em nossas casas que durarão muito tempo, mesmo que mudemos de gosto, fazendo pequenas adaptações. Vou falar mais sobre isso no final do texto.
Acredito que elegância tem a ver com essência. Quando um ambiente é fiel à cultura do lugar ou a pessoa que ali habita, ele é autêntico, por mais maximalista que seja, ele vai ser atemporal e elegante se fiel à essência da pessoa ou do lugar. Elegância tem que refletir essência. Elegância tem que ser autêntica.
Acredito mais em curadoria e olhar do que em receita de bolo para elegância. Recentemente, me perguntaram onde eu comprava roupas, pois me consideravam elegante. Eu disse que não tinha uma loja única para indicar.. meu armário é uma coleção de peças herdadas, peças feitas sob medida e compradas nos mais diversos lugares - especialmente em viagens. O que importa, a meu ver, é a curadoria. O mesmo vale para a casa. Uma vez indiquei uma luminária (não lembro de onde era) e a cliente não acreditava como algo tão bonito cabia em seu orçamento. Novamente, é o olhar de quem escolhe e não a marca na etiqueta que revela a elegância de um item.
E aqui eu volto à pátina do tempo. Eu sempre penso se a roupa que estou prestes à adicionar ao meu closet vai ser uma roupa que eu me vejo usando daqui a X anos. Para isso, levo em conta (1) seu material (2) seu corte e caimento (3) se ela está em sintonia com a minha essência (4) se ela combina com o resto do meu closet - aprendi isso há mais de uma década com Nina Garcia em uma série de livros de estilo que ela escreveu - é uma construção constante. O mesmo vale para selecionar um item para casa.
Este ano comprei um e-book na Amazon chamado Patina Modern. O livro é de um casal de colecionadores, e eles acabaram se tornando designers de interiores autodidatas. O mais interessante é que a esposa, salvo engano, gosta de interiores no estilo Ralph Lauren Home (a epítome do clássico estado-unidense), e o marido, prefere peças modernas - que já configura o início do design do estilo internacional (não vou entrar em nomenclaturas acadêmicas aqui, falei de uma forma mais geral). Ou seja: o gosto deles é de opostos, mas eles conseguiram, com o tempo, construir um lar com peças que mesclavam o gosto dos dois.
![](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F9da3521d-9193-48ae-b37f-4834f0b623ec_2204x1440.png)
Uma frase interessante é que falam sobre escolher mobiliários pensando em como eles ficarão em algumas décadas, ou seja: escolher hoje, pensando numa estética futura após a pátina do tempo. Aqui vem a importância da educação do olhar: escolher e selecionar para então comprar um item pensando em como ele vai carregar essas marcas do tempo e a transformação do espaço em função disto. Este é um pensamento da construção do espaço atemporal que não presa por modismos, e que também aceita a mudança dos itens sem maiores intervenções. Como, por exemplo, comprar um banco de couro sem pensar em trocar o couro a cada X anos e aceitar o seu processo de envelhecimento natural.
Explico: em pleno 2023, com o alto valor de itens de construção e decoração (e praticamente tudo na vida), eu não acho sustentável fazer escolhas em função de modismos. Isso não é uma crítica aos colegas que fazem tudo que está na moda, pelo contrário, é o meu ponto de vista que está de acordo com a minha visão de elegância e a opção por peças que resistem ao tempo, estando em diferentes espaços há décadas. Ao mesmo tempo, acho que devemos expandir os significados de atemporal e elegante - não podendo vê-los como algo imutável e sim, algo transformado ao longo do tempo. Veja bem, eu amo fazer analogias com roupas, vamos lá! Nina Garcia já falava lá nos anos 2000 que uma coisa é ser vítima da moda (usar tudo que está em moda ao mesmo tempo, outra é entender como uma peça que está em voga se encaixa em seu estilo pessoal.
Vamos pensar em uma peça de roupa como uma camisa branca e um jeans clássico. Apenas mudando os acessórios, mas com a mesma base conseguimos criar diferentes propostas. O mesmo conseguimos fazer com os ambientes. Tendo uma base sólida atemporal, aqui chamo de base sólida o que temos de maior volume num ambiente e geralmente maior peso no orçamento: os armários, a mesa, uma poltrona (eu incluiria tapetes aqui, apesar de achar que tapetes podem ser acessórios, ultimamente vejo que as pessoas preferem investir em tapetes mais caros e evitar trocar) e etc. Quais são os nossos acessórios num ambiente? As cadeiras podem entrar aqui, se for o caso de uma cadeira no escritório, por exemplo. A cor das paredes, os tecidos, as luminárias (especialmente se forem de Led - alguns modelos não permitem trocar a lâmpada).
Na aba Home Work Style aqui do meu substack eu já trouxe exemplos de 3 casas que eu considero elegantes: A de Fabien Baron, de Ashley Olsen e Gabriela Hearst. Mas, embora o meu ideal de elegância gire em torno do que eu aprecio: mobiliário de design moderno ou dinamarquês, alto constraste… não significa que apenas isso pode ser considerado elegante. Morei em Jaipur, na Índia, entre 2013/2014 para fazer um intercâmbio e foi uma experiênicia única. Neste registro de Elizabeth Morrisons do From Jaipur with Love vemos um espaço claramente indiano. Eu acho isso tão bonito, tão autêntico e tão elegante. Observe como o tapete como se integra ao espaço (A Elizabeth exporta tecidos e tapetes da índia). Agora, é autêntico, é cultural, pode ser considerado elegante e atemporal no seu local de origem. A nossa régua não pode ser única acreditando, por exemplo, que apenas espaços sem excessos são elegantes. É preciso adaptar o olhar. E quando eles misturam rosa e vermelho? Nossa, acho incrível embora muito fora da minha alçada pessoal. Este novo Hotel Boutique indiano, também em Jaipur, é um deleite para os maximalistas.
Em termos de interiores, por exemplo, vimos que os indianos são mais expressivos e coloridos. Eles também usam mais mármore - material que eles tem em grande quantidade. Os norte-americanos tendem a ser mais clássicos, e nós, mais modernos - isso é algo bem marcante em termos de herança cultural. Mark D Sikes (veja uma galeria de projetos dele aqui), por exemplo, é um queridinho dos estado-unidenses, transitando tanto pela construção de ambientes “mais sóbrios” que misturam elementos clássicos e modernos, como a casa de Nancy Meyers, como também mix de estampas - como o brasileiro Sig Bergamin costuma propor - que eu já acho que foge um pouco da nossa cultura. Nós temos uma herança moderna muito forte, logo, eu acho que naturalmente tendemos a propor algo mais leve e sem excessos. A arquitetura moderna brasileira é naturalmente muito elegante - ao meu ver e nós carregamos muito desta essência.
Nós passamos por constantes mudanças, e a nossa casa também, afinal ela é um reflexo direto do nosso interior. Você já deve ter lido algum texto que comenta sobre como a casa acaba por refletir quem a habita, até mesmo em termos de organização. Muitas vezes, uma casa bagunçada é sinal de mente bagunçada - já leu isso? Assim como também, colocar ordem na casa é uma forma de “nos colocar em ordem”. Mas existem coisas (itens, objetos, mobiliários) que podem sim durar gerações.
Uma coincidência que ocorreu recentemente foi que eu usei a mesa Saarinen em dois projetos com alguns anos entre eles. Quando eu indiquei as mesas, as clientes ainda eram solteiras, e quando elas se casaram, uma manteve a mesa, acho que até trocou o tampo, pois ela se adaptou muito bem à rotina da família. Já a outra vendeu a sua mesa pois precisava de algo maior para atender a rotina da sua nova família. A mesa é um design dos anos 1950 e está até hoje presente em diferentes composições e ambientação em projetos. É um item considerado atemporal que compõe com facilidade diferentes estilos e tudo bem ela não caber na vida da cliente em algum momento pois a vida muda e as nossas demandas mudam com ela. A questão é saber reconhecer quando algo não cabe mais em nossas vidas ou quando este algo é possível de ser adaptado. Nada é pra sempre, mas pode algumas coisas resistem por muito tempo.
O que eu quis ilustrar aqui é hoje é que com autoconhecimento e planejamento podemos fazer escolhas inteligentes que perdurarão por muito tempo, em nossas casas ou em nossos closets. Talvez a sua definição de elegância hoje é usar apenas roupas neutras e sem estampas, amanhã poderá ser usar diferentes estampas. O segredo é permitir que a nossa essência se mantenha e que saibamos adaptá-la de acordo com novas demandas.
Que saibamos sempre nos distinguir.
Até breve!
Algumas mudanças:
Agora temos uma barra de conteúdo na página inicial onde eu estou organizando todo o conteúdo publicado por aqui. Acabei fazendo uma “spring cleaning”1 por aqui. Percebam que tirei o logo do The Mid e deixei meu nome; o The Mid passou a ser uma sessão na qual vou organizar alguns textos.
Me afastei daqui por algumas semanas por conta de uma atividade extra, sou voluntária num concurso anual de redações e, neste período, acabo dedicando algumas horas da semana a ele. E, recentemente, também desativei minha conta no Instagram temporariamente - adoro fazer essas pausas de redes sociais. Somado à isso, quis repensar algumas coisas, como a frequência de textos, o tamanho do texto e se vou optar pelo conteúdo pago aqui. Por favor, compartilhe comigo o que mais você gostaria de ver por aqui!
Spring Cleaning, a limpeza da primavera tem diferentes origens no ocidente e no oriente, mas com semelhante significado: preparar a casa para um novo ano, "organizando a casa"
No oriente, é pra tirar a energia negativa do ano que passou, ou para receber fortunas. Já
nas culturas judaico-cristás, essa forma de limpeza é um preparo para páscoa.
Gostei de conhecer o termo "Ato de Cultura", explica o envolvimento que devemos ter no trabalho de restauração.