Precisamos falar de sentimentos
Na edição de hoje, você vai encontrar um pequeno review de um livro sobre estilo que eu li. Comentários acerca de sentimentos e como eles influenciam a nossa criatividade. E também sobre o processo de reconhecer nossas referências, já que nada se cria de forma espontânea.
Boa leitura!
Uma das alegrias deste ano foi retomar meu ritmo de leitura. Parece que, especialmente agora na reta final, ele ficou ainda mais acelerado. Comentei sobre esse desejo no post: “Metas de ano-novo ou novos hábitos?”, publicado aqui em Janeiro deste ano. Apesar de ter ficado eufórica com esta retomada, hoje, eu fiquei muito frustrada ao chegar ao final de um livro. Eu tinha uma expectativa muito alta que não foi atendida e há tempos isto não acontecia com um livro.
Antes de eu escrever a edição de hoje, eu tinha feito uma série de stories no instagram sobre o livro, que eu logo apaguei, pois refletiam mais um impulso de momento do que uma avaliação concisa. As vezes, precisamos parar e respirar antes de comentar.
O livro em questão é CBK - a Life in fashion de Sunita Kumar Nair e eu estava ansiosa esperando por ele desde seu anúncio. Explico, eu acompanho o estilo de Carolyn Bessette Kennedy (CBK) há anos, já escrevi sobre ele aqui, e também o trabalho de Sunita sobre CBK no Instagram desde o início. Acho que normal termos expectativas quando é uma produção sobre uma tema que acompanhamos, certo? Pois bem, acontece. Outro fator é que eu também conheço o trabalho intimista feito por Carole Radziwill no livro de memórias “What Remains”, que me surpreendeu e muito quando li no começo(?) da pandemia… então, é difícil não ler um sem pensar no outro, embora sejam temas e perspectivas diferentes.
Eu acho que o título poderia ser, por exemplo: CBK - a Legacy in fashion (CBK - um legado na moda) - só isso, já me deixaria mais feliz. Ou então, CBK poderia ser vista como um estudo de caso num livro sobre o minimalismo e a moda dos anos 1990, ou sobre estilo atemporal… ou, este livro poderia ser uma série de dois volumes: um sobre estilo e outro sobre CBK. As fotos não me agradaram, acho que faltaram dados importantes e relevantes e talvez comentários de Carole Radziwill para complementar uma passagem.. Confesso que fiquei com raiva que um dos entrevistados nem sabia quem era CBK! Como assim?! Mas, devo admitir, fiquei encantada com o prefácio de Gabriela Hearst e de Edward Enninful Obe, além das entrevistas de Fabien Baron, de alguns fotógrafos, de Donna Karan e de Ann Demeulemeester, de Yohji Yamamoto, apesar dele ter focado na beleza dela, gostei de ler como ele enxerga o processo de criação de uma coleção - é sempre uma forma de acertar o que errou. Além disso, fiquei curiosa para ver o filme de Wim Wenders sobre Yamamoto acerca de projeto criativo e a ligação entre cidades, identidade e o cinema na era digital. Chamado Notebook on Cities and Clothes (1989), é curtinho e está disponível no Mubi.
O livro bate na mesma tecla algumas vezes, o que me deixou animada a continuar com a leitura. Ressalta-se como um olhar apurado esteticamente pode atender diferentes campos. Como a essência sobressai a roupa. A importância de ter atenção aos detalhes, buscando sempre qualidade ao invés de quantidade, ver compras como investimento, e Donna Karan vai ainda mais longe, ela comenta a “importância de considerar quem, o quê, onde, quando, e porquê você está comprando um item. Você deve amar o que compra e não descartar logo depois”. Enfim.. acho que dialoga um pouco com o que eu acredito, mas não teve muito sobre Carolyn, sabe? Não mais do que estamos cansados de ler/saber. Inclusive, parece uma série de elogios apenas numa narrativa que começa de um jeito e termina de outro e deixa lacunas tipo a arte do “último vestido” que não menciona nada do último vestido, que na verdade foi um vestido de Alber Elbaz para Rive Gauche (uma linha de ready to wear da YSL) que ela não chegou a usar. Daí a minha frustração… Ou a história do anel de noivado… parece que é um livro pra quem já conhece a história da moça. Ai, também fiquei relutante em aceitar que ela modificou todas as joias que herdou da sogra, Jackie O e não as usava. Mas o que eu tenho a ver com isso, não é mesmo?! Nada.
E você pode estar pensando: “Mas, Helena, o que sentimentos tem a ver com isto?” tudo. Percebem que acima eu coloquei em negrito todos os sentimentos que mencionei. Esse exercício do reconhecimento e clareza dos sentimentos tem nome: Letramento emocional. Achei muito bom este trecho deste artigo da Você S/A “Pode parecer simples ou até bobo, mas não menospreze o poder de saber o que se passa dentro de você. Na verdade, é fundamental saber não só identificar e administrar os próprios sentimentos, mas reconhecer e responder adequadamente às emoções das outras pessoas. Dessa forma, você será capaz de estabelecer relações mais significativas, estreitar vínculos, enfrentar desafios de maneira mais mais equilibrada e se adaptar melhor às mudanças”.
Para os pequenos, tem um livro lindo sobre o tema, chamado “Emocionário” que é tipo um dicionário das emoções. Quem o apresentou para mim foi a psico-pedagoga Carolina Castro. Entretanto, a primeira vez que eu tive um contato maior com o tema foi no LEIA de 2022 quando estudamos o livro “Comunicação não violenta” (CNV) de Marshall Rosenberg. O LEIA é um programa chamado Lendo e estudando com Isa Andrade, uma psicóloga que faz a leitura de um livro com todo o acompanhamento necessário para a melhor compreensão do mesmo. Em tempo: vale comentar que O Instituto CNV Brasil tem várias opções de materiais e até encontros gratuitos, e o Instagram deles é abastecido com vários conteúdos interessantes!
Ao aprender sobre a CNV, aprendi a diferença entre julgar e avaliar. Por exemplo, eu poderia ter falado: “Este livro que li é ruim” - um julgamento que revelaria minha necessidade não atendida de ler um livro com maiores informações sobre uma pessoa cujo estilo eu admiro. O que fiz acima foi uma avaliação, ou seja, eu comentei por quê fiquei frustrada, reconhecendo que eu tinha altas expectativas para o livro, além de apontar o que eu gostei e os motivos por trás, e o que eu não gostei também.
Aliás, tive o privilégio de ser entrevistada para a primeira edição da newsletter Kool Things de Marina Sell Brick, e comentei que eu admirava o estilo de CBK. Vale a leitura!
Ainda sobre a CNV, para estabelecer uma comunicação não violenta, precisamos reconhecer nossos sentimentos. O livro nos apresenta duas listas: a lista de sentimentos para quando nossas necessidades são atendidas e outra para quando não são atendidas.
Comentei isto tudo pois, no livro “O Cérebro Criativo”, que já comentamos aqui, tem pelo menos seis exercícios baseados em reconhecimentos de emoções como parte do processo da autora que visa ampliar a imaginação e o potencial criativo.
A frase que me chamou atenção no livro de CBK e que seria a síntese do livro, ao meu ver, foi a seguinte fala, dita pelo Diretor Criativo Alaistar McKimm:
“She is always going to be on the mood board, you know, Carolyn is ever present, but the look was very specifically hers - to her body, the way she put together, the hair. I could put on a white shirt and Yohji pants, and I’m not going to look like her, you know? (…) But that’s OK, you must go somewhere else with that and make it. your own. She kind of wants you to that, I think. That’s the gift she gave us”.
O que McKimm fala é que CBK sempre vai estar presente como referência. Sempre. Entretanto, o que fazia o look dela ser tão icônico para continuar influenciando era o conjunto que ela criava. A curadoria das peças, o olhar para o diferente, afinal, Yohji estava longe de ser um “comum” nos Estados Unidos. Mas, sobretudo, ela se conhecia. Não é possível replicar e tentar ser igual a ele, como ele coloca, é preciso refletir o nosso olhar e nos apropriar da referência e transformá-la.
Acabei o livro na tarde de quarta-feira. Na mesma noite, fiz esta aula aberta de design da Professora Ethel Leon (acho que há a possibilidade de compra do replay), na qual ela falou justamente sobre referências no design brasileiro. Que não existe nada “criado do nada” sem ter uma referência. Um dos exemplos citados por ela que eu achei interessante foi uma chaise longue do Joaquim terneiro e uma do Alvar Aalto e como havia alí uma mimese. Nas palavras dela, o conceito de mimese é usado de forma errada por algumas pessoas.
“ Citando Aristóteles - ‘ A mimese é própria do homem’ - você se apropria modificando. Você reconhece um padrão e nesse reconhecimento há a mudança (…) É fazer-se semelhante à um padrão - não é imitação ou cópia fiel”
No exemplo citado era interessante ver como uma referência era trabalhada com diferentes materiais, e como cada material tinha sua peculiaridade respeitada. Além destes, os já conhecidos casos das cadeiras tubulares da Bauhaus foi mencionado. E um que eu gostei muito, foi o de mesas de centro de designer do Brasil, da Europa e do Japão, salvo engano.
Ainda segundo ela, “o genuíno e autêntico é autogerado sem referência no mundo”. Sendo assim, todos trabalhamos o tempo todo com mimeses. E essas referências vem diretamente do comum que é desejado. Para ela não há influencia, há apropriação de referências. Nós estamos conscientemente o tempo todo trabalhando em cima de referências - uma vez que a influência soa como algo passivo. (Quando ela começou a falar isso, pensei em várias vezes que escrevi autenticidade ou influência. Esta aula foi muito interessante pois ela mostrou um repertório de peças e suas possíveis referências e inspirações, o que é muito enriquecedor, pois é possível ver a correlação e o pensamento por trás dos designs que podem até mesmo superar a inspiração em termos de qualidade projetual.
Acho que o livro e a aula dialogaram neste ponto em comum.
“An invitation on a Journey, everyday”
(Um convite para uma viagem, todos os dias)
A frase de abertura acima, que eu acho belíssima, foi escrita na descrição de um dos projetos da arquiteta e designer de interiores francesa Isabelle Stanislas em seu livro: Isabelle Stanislas: Designing Spaces, Drawing Emotions (Isabelle Stanislas: Projetando Espaços, Desenhando Emoções). Eu acho linda a forma como ela fala de seus projetos, unindo sentimentos, espaço e beleza.
Eu não poderia terminar uma edição que fala sobre sentimentos sem mencionar este livro pelo qual eu estou, há tempos, curiosa. Nele, há um diálogo sobre como conciliar opostos, seja conciliar um edifício antigo com mobiliário contemporâneo, ou pensadores modernos e pós modernos, a sofisticação e a simplicidade. No pouco que eu tive a chance de ver no livro, eu gostei da forma como é exposto o que a influencia; suas referências e os “mentores” que ela escolheu.
Novamente, se fala em uma singularidade do projeto criativo, a busca pela autenticidade, mas, especialmente a humanidade e a gentileza envolvida no processo criativo, neste caso de arquitetura e interiores. Termino a edição de hoje com um convite para que você deixe seu olhar passear pelas diferentes criações dela em seu site e ver o que isso provoca em você. Talvez você goste, talvez não… mas eu acho que pode ser interessante.
Por hoje é isto.
Até breve!
Sempre uma delícia de texto e reflexões. Entendo a pequena decepção com o livro e concordo com a sua análise. Aliás, obrigada por compartilhar tanta informação interessante <3 Conciliar opostos vai ficar na minha cabeça...