Quando reflexões sobre a casa e a vida se misturam
Notas do livro House Rules de Deborah Berke
Pois bem, vou começar esta edição contando uma novidade! Esta semana, comecei a dar aulas de Design Thinking em uma pós-graduação de NeuroArquitetura. Eu gosto muito do tema, o que me deixou animada, especialmente porque logo na primeira aula discutimos temas como criatividade, repertório, originalidade e afins… Em um dos slides coloquei 3 referências, baseada em leituras que tenho feito, e todas eram de moda e vestuário. Acho que vou fazer um mês temático sobre Moda em breve por aqui pois apesar de já ter comentado de forma isolada, ainda sinto que posso comentar tantas coisas! Até tenho alguns rascunhos escritos acerca de “legado de marca” e também de “quando uma marca vira adjetivo” mesclando os mundo da arquitetura e da moda. Gostaria de mandar o primeiro esta semana mas acabei deixando de lado para “decantar ideias”… ele está sendo escrito desde Março mas ainda não está como eu queria.. sabe quando falta algo?
Pois é.. esta semana, li “Originais: Como os inconformistas mudam o mundo” de Adam Grant e achei curioso que, ao final do livro, ele comenta o que ele chama de “Ações de Impacto” que ele vai dividir em: “Ações Individuais”, “Ações de Líder” e “Ações de Pais e Professores”. E algumas me chamaram a atenção, como: “Elimine as palavras ‘gosto’, ‘amo’ e ‘odeio’” já que isso estimula nosso julgamento e não a nossa avaliação. Recentemente, eu notei que estava fazendo muito o uso dessas palavras, mas a impressão que eu tinha era que este hábito estava enfraquecendo meu letramento emocional, o que impulsionou a revisão do meu repertório ao fazer uma avaliação. Segundo Marshall, autor de Comunicação não violenta, avaliação é quando falamos: “Eu não gosto de limão pois é uma fruta extremamente ácida e me causa desconforto”. Um julgamento seria dizer “Odeio limão”.
Outro ponto colocado por Grant que também me chamou a atenção e que já comentamos aqui é acerca de uma procrastinação estratégica. Segundo o autor, fazer uma pausa antes de concluir uma tarefa criativa, como a elaboração de um texto, por exemplo, “ você terá maiores chances de considerar pontos de vista divergentes e dará às ideias o tempo necessário de incubação”.
Quis comentar esses dois, antes de comentar uma outra leitura que fiz esta semana e que foi extremamente prazerosa: House Rules1, de Deborah Berke2, reitora da Faculdade de Arquitetura de Yale. Apesar de inúmeras críticas em relação à editoração do livro (fotos repetidas e um epílogo que eu não teria deixado passar rs), eu prezei seu texto pois a autora coloca de uma forma simples, e em uma escrita sofisticada, aquilo que já sabemos. O livro foi um achado - literalmente - eu o comprei novo, na embalagem original num sebo no interior de Minas (obrigada por isso, Amazon!). Não é atualíssimo mas tem boas peças de design, teoria e bons insights.
Acredito que o segredo de sua escrita, que de alguma forma fala da casa e da vida, seja o reflexo dos anos de prática a frente de profissionais mais jovens como eu. Ela escreve algumas coisas que me chamaram a atenção e eu quero dividir com você. Apesar do nome ser “House Rules”, ou seja: regras da casa, nada é uma imposição e sim o resultado, ou a reflexão de décadas de trabalho que resultaram nestas “regras” - que eram quase como coincidências projetuais. São 8 regras ao todo, mas o que eu escolhi fazer aqui foi comentar algumas frases que me chamaram a atenção:
“Uma casa acomoda as funções da vida diária e os prazeres da existência humana”
“Necessidades e desejos permeiam solidão e união. Queremos e precisamos passar momentos sozinhos e também com outros. Uma casa deve fornecer espaços para anos momentos acontecerem com sossego e conforto. Pessoas fazem todos os tipos de coisas de forma coletiva (…) Pessoas também passam tempo em grupos fazendo uma variedade de coisas de forma individual, como ler, checar e-mail (…) experiências ‘sozinho mas juntos’ geralmente acontecem quando estamos mais relaxados com as pessoas ao nosso redor”
Segundo a arquiteta, é melhor ter um cômodo que acomoda múltiplas funções e ela mesma cita a biblioteca com a mesa de jantar, como já mencionei neste post (abaixo), mas o que eu gostei é a visão que ela apresente de que esses espaços numa casa podem facilitar a conexão humana. Tão útil em tempos atuais, especialmente para pais de adolescentes!
“Casas devem providenciar espaços para coisas, assim como para pessoas. Somos, muitas vezes, definidos por nossas posses.”
Neste aspecto ela indica coleções como algo que nos define, e como expor estes itens que contam um pouco de nós. É necessário apreciar estes itens e entender o porquê de tê-los em casa pois “uma pessoa, assim como uma paisagem, vem com uma história”.
“A aglomeração de objetos manufaturados (…) nos ajuda a entender nosso complexo relacionamento com eles. Múltiplos nos lembram de como as coisas são feitas, quantas coisas existem no mundo e são exatamente iguais, e como nós conseguimos personalizá-las. Repetição de uso cria intimidade”.
O que temos é único de acordo com a nossa personalização. Devemos sempre nos atentar para como usados ou que uso atribuímos para alguns objetos e como o nosso uso/personalização o torna único.
“A necessidade produz elegância”.
Acho que neste sentido, elegância é colocado como na frase de Giorgio Armani que diz que “elegância não é ser notado, é ser lembrado”, como um estímulo da criatividade… quantas vezes nos surpreendemos quando algo que se torna elegante a partir da nossa necessidade de uso? Quando propomos novos usos à itens que já temos… ou quando o vestido preto há muito esquecido no armário rouba a cena em uma festa.. até mesmo a mesa sem uma decoração extremamente pensada enaltece o jantar servido?“Começar com algo simples, permite infinitas variações que levam ao equilíbrio e complexidade”
“Regra 4: Cirulação faz mais do que conectar”.
“O caminho de um lugar para o outro deve ser ativo. Requer respeito e compreensão.”
Ela propõe o uso de circulações como um espaço que estimula as sensações e o conforto - isso se aplica muito bem à construção de um espaço. Mas, ao ler, a sensação que tive é que muitas vezes desprezamos lugares de passagem.. como deixá-los mais interessantes visualmente a ponto de não serem ignorados nem pelos habitantes da casa? Eu logo pensei em comprar uma passadeira para o meu pequeno corredor ou refazer algumas molduras para colocar ali. Ainda segundo ela, esta compreensão do espaço que habitamos “aumenta o prazer de ocupar a casa e torna a vida mais complexa. Conexão é um trabalho. Circulação é uma experiência”.
“Regra 5: Contabilize todas as coisas. Exponha poucas. Calma e paz advém de espaços livres de objetos desnecessários. (…) O oposto de exposição selecionada é a exposição pesada. O dono de mil livros não vai colocar duzentos em cinco quartos diferentes. Assim como o colecionador de brinquedos vintage vai querer apreciar esses objetos em dialógo com o conjunto. A profundidade da exposição revela a riqueza e a atenção empregados na reunião destes itens. (…) o valor dos bens reside na capacidade de utilizá-los, empregá-los e usufruí-los. Idealmente, possuímos coisas para usá-las”
“Abrace a experiência do tempo. Materiais podem melhorar com a idade”.
Sabemos que não apenas os materiais, e já mencionamos isso aqui quando falamos de pátina do tempo, mas também nós melhoramos com a idade. Revisamos projetos, atitudes, ações e valores. Sonhamos de forma diferente. Ficamos mais sábios.
“Adote o local”
Embora o comentário seja acerca da inclusão de materiais autóctones numa obra, eu pensei em todas as vezes que temos a oportunidade de morar em um local diferente do nosso lugar de original e o que podemos abraçar algum hábito novo nesta nova cultura/espaço.
“Cultive intimidade ao ar livre. (…) A paisagem pode abraçar você”
Quando foi a última vez que você se permitiu ser abraçado pela paisagem ou aproveitou a vida ao ar livre? Eu confesso que depois de ler este livro, minha vontade de ter uma casa com jardim e gramado só aumentou. Infelizmente, nas cidades mal temos espaços livres nos quais podemos estar em segurança. Eu não sei você, e pode até parecer algo quase que hippie da minha parte, mas eu sinto falta de um pouco de earthing/grounding na minha vida. As vezes, eu desço para trabalhar no jardim do prédio só para estar em meio a um verde. Já falamos dos impactos da natureza na saúde mental aqui. Eu ainda não tomo banho de floresta, mas eu tenho um Jasmin maravilhoso (e perfumadíssimo) por aqui. rs
“Traga alegria à chegada”
Aqui ela faz um paralelo de duas casas com portas vermelhas, cada uma com uma linguagem diferente, e o significado do vermelho em diferentes culturas (que vai desde prosperidade até afastar o mal-olhado). Em ambos os casos, ela fala da apropriação de algo à sua maneira, de acordo com a sua linguagem visual ou crença. É tão bonito pensar que a porta vermelha pode simbolizar que aquele que a cruzar “encontrar nutrição e descanso ali”… o que seria a sua porta vermelha - metaforicamente falando?
“Regra 8: honre a vida cotidiana”
A regra oito, ao meu ver, é a mais bonita e que eu interpreto como o usar a louça guardada apenas para ocasiões especiais, colocar a mesa mais vezes ao invés de comer correndo na bancada… A vida acontece todo dia e se podemos apreciar até o que é corriqueiro, por que não?
Bom, por hoje é isso… nos “veremos” na sexta-feira com um texto acerca de coleções.
Até breve!
ps: A imagem de cada da edição de hoje é um desenho da arquiteta e está no livro.
Sempre sempre sempre que lemos um livro de um arquiteto em outro país é preciso entender/saber/conhecer a prática profissional no país em questão. Nos EUA, por exemplo, as práticas de preservação histórica são o oposto do que pregamos no Brasil, onde seguimos os preceitos da Carta de Veneza. Então, não tem como ler e adotar algo sem fazer uma leitura crítica dos critérios mencionados.
Para termos uma referência, Berke fez o projeto de interiores do loft nova-iorquino de Fabien Baron, uma pessoa que já comentamos aqui. Estou trabalhando num texto sobre ele, sua casa e seus três arquitetos: Berke, JG e Pawson - a possibilidade de temas a comentar a partir deles é infinita.
Tenho duas amigas arquitetas que irão adorar o seu conteúdo. Vou averiguar se elas já estão aqui pelo Substack… Gabrielly e Manuela