Inspirações de Março

O adeus ao artista
Começo a edição com uma notícia que me deixou triste. Morreu nesta terça-feira, 26 de Março de 2024, aos 85 anos o escultor Richard Serra, reconhecido por suas esculturas em aço que provocavam diferentes sensações em seus expectadores. Se formou em pintura em Yale e como estudante, recebeu uma bolsa para ir à Europa. Ao ver As Meninas, de Velazquez, entendeu que nunca poderia pintar pois nunca seria como ele. Esta história está em seu obituário no New York Times, que traz a seguinte frase: “Eu pensei que não teria a possibilidade de chegar perto daquilo. Cézanne não me parou, de Kooning e Pollock não me pararam, mas Velazquez parecia algo maior para lidar”. Há uns anos atrás foi diagnosticado com câncer no duto lacrimal mas recusou remover o olhos para não comprometer sua visão e seu trabalho. A morte do escultor por pneumonia foi notificada por seu advogado.
Eu queria que o espectador se tornasse sujeito de sua própria experiência.
Richard Serra
Em 2014, aconteceu no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro, uma exposição com curadoria do próprio escultor que escolheu 96 obras que dialogavam com a casa projetada Olavo Redig Campos no fim da década de 1940, onde está instalado o Centro Cultural do IMS RJ. Em 2019, a escultura Echo de Serra foi instalada no Instituto Moreira Salles na Avenida Paulista, na capital paulista. Em 2012, comissionada por Pedro Moreira Salles, Cambuhy, sua primeira obra na América do Sul foi instalada na Fazenda Cambuhy, propriedade do banqueiro em Matão, no interior de SP1. Neste vídeo, do canal Curta, ele a comenta brevemente. O obituário dele na Folha de São Paulo destacou duas frases importantes: “a escultura não existe sem a paisagem que ela corta, dobra, rasga”. Também apresenta uma fala do artista acerca do “peso da obra”. Em suas palavras: “Não é mais convincente do que a leveza, mas tenho mais a dizer sobre o equilíbrio do peso, a concentração do peso, o posicionamento do peso, os efeitos psicológicos do peso, a rotação do peso, a desorientação do peso”. Richard Serra deixa como legado obras significativas de uma carreira de quase seis décadas de arte, com obras que atravessam não só paisagens mas também o tempo.
Para conhecer mais de seu trabalho, indico: Esta curta entrevista dada a Harvard Business Review | Life’s Work: Richard Serra e este longo artigo do WSJ | The Reinvented Visions of Richard Serra. Impossível falar do artista e não mencionar a remoção da obra Titled Arc em Nova York em 1989; no link uma seleção de artigos curador pela Cronologia do Pensamento Urbanístico. Por último, esta breve fala ao MoMA no qual ele comenta seu objetivo de criar formas e não imagens e a importância do processo na criação de suas obras.
Leituras
Segundo a Agência Brasil, A média nacional de leitura dos brasileiros é de 4,7 livros ano/habitante. Eu costumo ler muito em relação a média nacional; eu leio de 4-8 livros por mês, dependendo do número de páginas. Eu compro livros sim… na Amazon, na
, quando preciso de edições esgotadas, recorro aos sebos e pequenos livreiros, como encontramos no Estante Virtual, vale dizer que sebo nem sempre é sinônimo de livro velho e usado, muitas vezes encontramos neles edições novas de livros esgotados na editoras. Eu também tenho um carinho especial por bibliotecas e serviços de empréstimo online gratuitos como a BibliOn e apps como Hoppla e Libby, que usei muito quando morei no exterior. Ah, não esquecendo de mencionar os serviços de audiolivros como o Audible, também da Amazon.Acabei de ler 2 livros via empréstimo digital no BibliOn. O primeiro, “Literatura como turismo” de Inez Cabral é uma curadoria de poemas que ela fez seu pai, o poeta e diplomata João Cabral de Melo Neto e que inclui pequenas histórias de família. Logo na introdução do livro, ela relata como as pessoas se admiravam com o fato dela ser filha do poeta e diplomata, mas que ao serem questionadas sobre seu poema preferido dele, elas não sabiam dizer. A escritora então comenta que seu pai era o típico autor que é estudado na escolha e depois ‘“esquecido”. Este é um daqueles livros que lemos rapidinho de capa a capa, e cujo trabalho de pai e se filha se entrelaçam num bonito legado da literatura brasileira. Vale a pena!
Eu poderia afirmar com certeza até a noite na qual comecei a ler este livro, que meu poema preferido dele era “Galo tecendo a manhã”… após a leitura, mudei, acho que é “Literatura como turismo”. Nesta seleção, Inez preferiu incluir poemas relacionados às viagens do pai e da família mundo ao fora durante seu ofício como diplomata, especialmente durante o período que passaram na Espanha. Duas coisas se sobressaíram nesta leitura pra mim: o fato dele apenas conseguir construir um poema se apoiando em sua visualidade; ou seja, o poema não era uma construção com palavras, era preciso vê-lo para construí-lo, o que fez com que sua produção terminasse quando ele foi acometido por um problema de visão. Uma coisa bonita que também me marcou foi sua fala sobre habitar um idioma e não apenas um lugar e também como as viagens foram fundamentais para a construção de sua obra tal como é conhecida hoje; talvez, se não tivesse viajado sua construção fosse outra.
Embora o diálogo sobre criatividade tenha início em “A Literatura como Turismo” (2016) é em “O que vem ao caso” (2018), o primeiro romance de Inez Cabral, que me pareceu uma espécie de romance autobiográfico, que o poeta deixa de ser principal para ser coadjuvante e ela, passa a contar uma história sobre seus próprios olhar, a sua versão, deixando de ser filha pra ser protagonista. É interessante a dinâmica dos papéis nos dois livros. A forma como os mesmos fatos são contados sob diferentes olhares. É uma boa leitura para se fazer em conjunto. E, acredito, que nesta ordem. Pois, no primeiro livro, Inez - com Z e sem acento, é como uma pessoa que apresenta o pai como poeta e diplomata; autor do grande sucesso Morte e Vida Severina, que encantou até Sartre, e que era amigo de Miró que conheceu Inez ainda menina.
Já em seu romance, Inez é divertida, provoca risadas com seu jeito solto e debochado. Apresenta um pai - e não um poeta/diplomata - que ri de suas travessuras e apoia seu lado criativo. Leituras rápidas para serem lidas num momento de descontração. Apesar de eu não ser em nada parecida com a Inez personagem, que me causou estranhamento em muitos momentos, ela também me causou risadas gostosas. O tipo do livro que eu indicaria para uma ou outra pessoa e não para todos. É preciso conhecer a história e a pessoa para saber se cabe ou não a indicação.
Tudo que li em “Surpreendido pela Alegria”, de C.S. Lewis, e “Surprised by Oxford”, de Carolyn Weber, no começo do mês, acerca de testemunhar a beleza, perceber a alegria e ter um olhar sobre a obra de diferentes intelectuais e refletir sobre a religião a partir disto, Inez quer desconstruir em “O que vem ao caso”. Criada em colégios de freiras, ela aparentemente quis fugir da religião e se “desconverter” ao invés de permanecer nela. Já comentei aqui sobre os dois livros, então não vou retomá-los, mas é interessante ler olhares tão opostos no mesmo mês/ciclo de leituras e perceber como ambientes e experiências afetam pessoas de formas diferentes. Tenho lido e aprendido muito sobre isso no projeto de leitura do livro “O que aconteceu com você” da Oprah, que já comentei por aqui também. Esta leitura atenta de volumes com similaridades/divergências, desafia o consumo da literatura como apenas prazer e aponta aspectos interessantes que transcendem as histórias apresentadas.
Se você gosta de ler assim como eu, talvez goste deste curta francês chamado Gratte Papier. Recordo-me de tê-lo visto quando estudava francês há mais de 10 anos e me marcou tanto que eu revirei a internet procurando por ele esses dias.
Publiquei e não enviei por e-mail:
O que consumi por aqui este mês que eu acho que vale o compartilhamento:
Este podcast com a Annie Meyers-Shyer (This Oak House) sobre o processo de reforma de sua casa. Ela fala sobre memórias, aprendizados contínuos durante o processo, a construção de um vocabulário relacionado ao design de interiores… até orçamento! Tudo que um arquiteto gostaria que seu cliente soubesse, mas que talvez ouvindo de outra pessoa tenha mais efeito rs.
Este artigo da The New Yorker: Michael Imperioli Knows Art Can’t Save Us. Apesar do título ser atrativo, o artigo é interessante. Eu gostei da forma como o ator conversa de forma clara com o entrevistador, corrigindo-o quando necessário, e como ele comenta o poder inspirador da arte (e se eu pudesse recomendar apenas um trecho da entrevista seria este). Ah, se você ficou curioso em relação ao apartamento dele, decorado por sua esposa Victoria, que é designer de interiores/cenógrafa, veja o vídeo aqui. Eu já o tinha visto, então sabia dos detalhes ao ler a entrevista.
Um artigo que me chamou a atenção foi este aqui do ArtNet ‘It’s Not a Soft Landing’: Contemporary Art Prices Come Crashing Down. Is This the End? que aborda os riscos de comprar arte em leilões, o que parece ter sido um choque para muitas pessoas. A chamada, quando o vi, era de um quadro comprado por 189 mil dólares que foi vendido por 8 mil dólares. Se você é curioso(a)/ tem interesse pelo assunto, vale a leitura.
Fechando a temporada de figos neste ano, fiquei louca para fazer esta receita de Figo, Brie e Massa Filo (receita em inglês). Como estamos na época da Páscoa, vou resgatar minha receita de chocolate preferida que já postei aqui e que envolve muito chocolate e um toque de hortelã.
Uma nova forma de experimentar a moda - pelo olhar (e a descrição) do outro.
Eu li tudo que poderia acerca dos celulares banidos no desfile da The Row, marca das irmãs Olsen, na semana de moda de Paris no começo do mês. A WWD2 comentou o pedido “sugerindo que a presença é o novo luxo”, incluindo as fotos oficiais, que saíram 5 dias após o evento. O que eu mais gostei de ver referente ao assunto foi este post do Style Not Com, no qual o autor descreve em algumas linhas o ambiente do desfile e comenta que os convidados receberam caderninhos para fazerem anotações, neste outro, ele amplia a descrição mencionando os looks e colocando até música (abaixo).
Eu achei muito interessante ver essa “visão” por meio de diferentes olhares e sob a forma escrita, uma nova velha forma de saber sobre o evento - e a minha criatividade imaginou mil coisas, até eu ver um vídeo do desfile no X - que fiquei sabendo que existia por meio de um podcast.
No twitter, o @voguebusiness perguntou: “Se você foi ao desfile da The Row e não fez um vídeo, você realmente foi?” . Vale lembrar que Bob Dylan, por exemplo, não permite celulares sem seus shows. Segundo ele, nós “não vivemos para tirar fotos”. Eu acho que tem um pouco a ver com o que comentamos aqui nos posts sobre compartilhar e testemunhar a beleza… parece que esquecemos um pouco do que é viver a vida sem compartilhar, sem registrar, sem estar 100% presente. Achei que este movimento delas vai de encontro com o seu posicionamento como marca e nos lembra um pouco de como testemunhar a beleza com presença sem o imediatismo do compartilhamento.
Como reportado no artigo do WSJ | The Reinvented Visions of Richard Serra. Há ainda um curta metragem sobre a instalação da obra na fazenda, segundo o IMDB. Infelizmente, não o encontrei disponível online.
O artigo de Booth Moore trouxe até uma descrição de memória que eu achei interessante, compartilho-a integralmente aqui: “From my recollection and notes, the collection was gorgeous with a sense of historicism in feminine, sculptural volumes and eclectic collector touches like beaded toque hats, giant gold disc earrings and a big shearling with a red tipped sash belt. There was a surfeit of lovely outerwear that will cost as much as a small car, from the ladylike swing trench that opened the show to a beautifully wrapped chartreuse cape coat, and a gray trench with padded shoulders and softly ballooning back”.
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