Sexta-feira, por uma breve passagem em São Paulo, visitei a Japan House. A exposição “Simbiose: a ilha que resiste”, aberta ao público no dia 30 de Novembro e que permanecerá em exibição até 6 Fevereiro de 2022, nos apresenta Inujima1, uma ilha de aproximadamente 0,5km² que foi transformada pela arte.
Se na Newsletter #11 comentei sobre Naoshima, a qual muitos jornalistas se referem como a “a ilha do Tadao”, fazendo uma alusão às inúmeras obras do arquiteto no local, talvez Inujima seja a “a ilha de Ryue Nishizawa e Kazuyo Sejima” dada a quantidade de obras dos arquitetos - que as assinam em separado e não como SANAA, escritório fundado pela dupla em 19952.
Para efeitos de aproximação com projetos brasileiros, seria possível aproximarmos, numa leitura análoga, Naoshima de Inhotim, como um lugar no qual foram criados pavilhões dispersos em meio a natureza e nos quais a arquitetura divide espaço com a arte. Já em Inujima a paisagem industrial abandonada foi revitalizada pela arte3. A revitalização de espaços, especialmente fabris, por meio da arte não é algo incomum. Na China há o famoso 798 Art District, meu lugar preferido quando visitei o país, e aqui no Brasil há a Usina de Arte, em Água Preta, Pernambuco, onde uma antiga usina de açúcar, a Santa Terezinha, buscou por meio da arte propiciar uma mudança em sua antiga paisagem.
Antes de continuar acerca desta ilha, acho interessante falar que a curadora de Simbiose é Yuko Hasegawa, Diretora Artística do Inujima Art House Project, (desde 2011) e também do Museu de Arte Contemporânea de Tóquio. Além disso, ela é professora da Graduate School of Global Arts, na Universidade de Artes de Tóquio, desde 2016. Dentre inúmeros postos, vale ressaltar que Hasegawa foi Co-curadora da 29a. Bienal de São Paulo em 2010 (“Há sempre um copo de mar para um homem navegar” - relembre aqui). Acho sempre legal a gente procurar saber quem está por trás da curadoria para entender um pouco mais do olhar que nos está sendo apresentado.
Hasegawa então nos apresenta um olhar sobre um objeto ao qual ela está diretamente conectada. A exposição contempla diferentes tipos de mídias (temos vídeos, fotografias além de maquetes físicas em diferentes escalas) para nos apresentar essa ilha que congrega tantos programas voltados para a experiência com a arte e a paisagem.
No caso de Inujima é interessante, primeiramente, entendermos a escala do lugar - a ilha pode ser percorrida à pé e em questão de horas. É uma área relativamente pequena, que no passado havia sido um local de produção de granito, mas o que mudou sua paisagem foi a instalação de uma refinaria de cobre existente no local em 1909, cujo fechamento em 1919 incidiu na redução da população de forma drástica, atualmente são menos de 50 habitantes. O que me chamou a atenção é a questão comunitária que o projeto abrange. Os programas não são apenas destinados à turistas, e sim também para a comunidade que ali reside, para que eles também possam observar a paisagem sob um novo olhar, criado por essas intervenções artsy espalhadas pela ilha.
Segundo o site da Benesse Art Site Naoshima: “Em 2007, a refinaria de Inujima foi designada como um dos 33 sítios patrimoniais da modernização industrial do Japão pelo Ministério da Economia, Comércio e Indústria, em reconhecimento pelo papel pioneiro que desempenhou no desenvolvimento industrial do país”. Estamos então falando de um patrimônio histórico, que não apenas recebeu uma intervenção arquitetônica, como também recebe arte, e assim, “participa” da revitalização da ilha. Em 2008, criou-se então, nas ruínas da refinaria o Inujima Seirensho Art Museum. Por isso a aproximação que fiz com o 798, o atual distrito de arte se instalou no complexo fabril, a antiga fabrica 798, reconhecido como patrimônio arquitetônico industrial, é lá que fica o renomado UCCA - Ullens Center for Contemporary Art. Sob comando de Philip Tinari, a instituição lidera as questões acerca de arte contemporânea na China, exibindo tanto artistas laureados como também novos artistas. Nesses dois casos estamos falando de mais de um espaço dedicado à arte, um conjunto. No caso do 798, este conjunto não contempla apenas experiências, mas também galerias, centros de arte, studios de artistas e escritórios ligados à industria criativa, além de bares e restaurantes.
Em Inujima ainda há o "Art House Project", inaugurado em 2010, é um conjunto de galerias que tem como objetivo expandir o contato da comunidade e dos visitantes com a arte. Obras de diferentes artistas, inclusive da brasileira Beatriz Milhazes, que recentemente teve a maior exposição dedicada artista em exibição no MASP e no Itaú Cultural, estão como os escolhidos para estes espaços. Além deste projeto, há o “Life Garden“, um jardim botânico criado para refletir o meio-ambiente da ilha que contempla como peça central do espaço uma estufa, o que permite que o visita tenha normas formas de se conectar com a cultura e a paisagem local. O mais interessante desta exposição, na minha opinião, é como ela apresenta a união de um projeto desta dimensão, junto de arquitetura e experimentação de arte de forma tão concisa!
Não vou comentar muito mais acerca da Inujima para não estragar a experiência de quem for visitar a exposição, mas acho que foi um bom gancho para falarmos do papel da arte nesses casos de revitalização de espaços.
Lembrando:
Simbiose: A Ilha Que Resiste
30 de novembro de 2021 a 6 de fevereiro de 2022
Japan House São Paulo
Apenas comentando:
É interessante lembrar que o SoHo, em Nova York, é um caso de revitalização no qual a arte desempenhou papel importante. Segundo María Carrascal, o SoHo foi a primeira experiência proveniente da interação arte-espaço reminescente. No entanto, por estar inserido no tecido urbano de forma diferente dos outros espaços acima citados, o SoHo acabou resultando num processo de gentrificação, quando a revitalização promove uma enobrecimento da área, expulsando os antigos moradores que ali viviam, neste caso, os artistas. Existe até mesmo o termo “SoHo effect“ que se refere à essa gentrificação de espaços relacionados à uma ocupação feita por artistas que transforma a paisagem urbana destas áreas, enobrecendo-as. O caso mais recente é o de Williamsburg, no Brooklyn. Inclusive, ano passado, o The New Yorker fez um artigo sobre o tema: SoHo Briefly Returns to Its Pre-Gentrification Past. Já o New York Times, neste ano, questionou: Does SoHo, Haven for Art and Wealth, Have Room for Affordable Housing? e, ao longo do artigo, demonstrou como caiu o número de residentes cujo ofício está ligado à arte.
Acerca de revitalização urbana, um caso sempre comentando é o de Bilbao, na Espanha. O Museu Guggenheim, projeto do starchitect Frank Gehry, foi previsto como parte de uma operação visando a revitalização urbana num porto industrial. Neste caso, a arte não está inserida em um patrimônio mas é vista como uma forma de atração de pessoas para o local. Sobre este tema, há um livro chamado: Cities, Museums and Soft Power da Gail Dexter Lord e da Ngaire Blankenberg, lançado em 2015. À época, ambas trabalhavam na Lord Cultural Resources, empresa que fez a consultoria acerca do museu no projeto.
O tema revitalização urbana é extenso e carece de atenção. O que tentei fazer aqui foi uma pincelada no tema para que possamos explorá-lo mais ao longo do tempo. Espero que gostem e não deixem de ver a exposição se puderem. Apesar de eu não ter gostado do material usado nas maquetes - mas que estão super didáticas, foi muito legal voltar à uma exposição depois de tanto tempo em casa, durante a pandemia. Ainda mais porque, no dia anterior, tive o prazer de ir à Bienal de São Paulo (“Faz escuro mas eu canto”).
Acerca da news ser enviada aos domingos, eu acho que você está aproveitando mais, não?! Vamos continuar assim?
Até domingo que vem!
PS: Se você estiver procurando por grupos com ações filantrópicas neste Natal em São Paulo, minha amiga, Camila Villela, participa do projeto Vamos Juntos, um projeto beneficente com o objetivo de ajudar moradores de rua em SP. Eles ainda estão aceitando doações e tem cartinhas disponíveis para quem quiser escolher uma criança para apadrinhar.
O sufixo -IMA em japonês indica Ilha. Por isso: Naoshima e Inujima…
Apesar de terem fundado juntos o SANAA e terem ganhado o Pritzker como uma dupla, os dois ainda mantêm seus escritórios em separado.
Segundo a World Art Foundations, Tanto Naoshima como Inujima, e incluindo Teshima, uma outra ilha, são gerenciadas pela Benesse Art Site Naoshima seção da Benesse Holdings, Inc. e Fukutake Foundation.