“Eleanor was right. She never looked nice. She looked like art, and art wasn't supposed to look nice; it was supposed to make you feel something.”
―Rainbow Rowell,Eleanor & Park
Adoro essa “quote” que, apesar de ter saído de um romance, - para mim - faz todo o sentido. A arte tem esse poder de nos provocar e nos fazer sentir algo, não ser apenas bonita, algo para se admirar. Bom, semana passada falamos sobre a arte que pode ser colecionada, e com isso, muitas vezes, acaba sendo ocultada em coleções particulares, privando assim o público geral de compartilhar da experimentação.
Mas, e aquela arte que só pode ser vivenciada e experimentada por um determinado período de tempo? Instalações com data marcada para serem visitadas. Que tem o potencial para causar marcas permanentes por onde passam? Obras de arte que podemos adentrar, tocar, enfim. No mestrado eu li um livro ótimo, chamado “Intervenções temporárias, marcas permanentes“ da prof. Adriana Sansão. Ele é uma boa leitura, não é aquele texto acadêmico chato, ele flui e fala sobre como as instalações urbanas, aquelas no meio da cidade, tem o poder de transformar um lugar. [Aqui você pode acessar um resumo dele.] Geralmente, essa forma de arte são intervenções ou instalações urbanas que são tidas até mesmo como festas/festivais. Quis comentar isso após a news de semana passada e também pela evidência que está tendo a obra de Christo e Jeanne-Claude1 em Paris, que envolveram o arco do triunfo em um tecido reciclado, em tons de azul prateado - como comentei no post de segunda-feira. Vou até repostar a frase dele que foi publicada no site da CBS News2:
"All our project is about freedom (…) Nobody can buy this project. Nobody owns his project. Nobody can charge tickets for this project. It'll be there for a few days, and then gone”. (Christo)
O casal, famoso por seus trabalhos ambiciosos, sempre pagou por eles. Essas intervenções temporárias, como a “The Gates“, instalada no meio do Central Parque. Usando esta obra como exemplo, o casal mostra como seu processo é pensado nos mínimos detalhes - do início ao fim - do financiamento, passando pelo contrato com a cidade de Nova York, a geração de empregos até a reciclagem do material usado na obra - uma série de portões cor de açafrão. O processo está descrito neste artigo da revista eletrônica Vitruvius (ótima fonte para textos de arquitetura).
Christo e Jeanne-Claude não são os únicos a fazerem obras deste tipo, embora as suas se destaquem pela escala monumental, afinal ele cobriu o Reichsteig, ilhas e muito mais - veja uma retrospectiva de suas obras aqui! Vale lembrar a obra que o casal fez para o Serpetine Galleries, em Londres: The London Mastaba, uma obra feita com barris de óleo, que flutuou no Serpentine Lake durante de forma temporária entre junho e setembro de 2018. Suas cores mudavam com a luz, e interagiam com o lago, formando reflexos diferentes, “compondo pinturas abstratas”. Como dizia o paisagista Roberto Burle Marx 3, essa é a beleza da luz “a luz nunca se repete“, promovendo assim grandes mudanças no mesmo projeto, promovendo experimentações únicas que nunca serão novamente vivenciadas. Embora ele tenha dito isso em relação à um jardim, acho uma poética pode ser aplicada em outras obras de arte também - e talvez na vida como um todo.
As with all of Christo and Jeanne-Claude's projects, The London Mastaba, Serpentine Lake, Hyde Park, 2016–18 was funded entirely through the sale of Christo's original works of art. No public money was used for Christo and Jeanne-Claude's projects and they did not accept sponsorship. (Christo and Jeanne-Claude website)
Serpentine Galleries são duas galerias localizadas no Kensington Gardens, em Londres, estando separadas pelo lago. E junto à elas é construído, anualmente, o Serpentine Pavillion - uma arquitetura temporária que fica no local, sendo exibida durante os meses de Junho a Outubro, abrigando uma vasta programação cultural. Inaugurado em 2000, com um projeto da arquiteta iraquiana Zaha Hadid 4 (1950-2016), o pavilhão já foi feito feito por diferentes arquitetos internacionais. Aqui você pode conferir uma retrospectiva dos pavilhões de 2000-2018. O de 2019, do japonês Junya Ishigami, você pode conferir aqui! Este ano é o ano de número 20 - que teria sido feito ano passado, mas foi suspenso por conta da pandemia -, com a obra do escritório Sul-africano Counterspace, dirigido por Sumayya Vally, arquiteta mais jovem a realizar tal projeto. Antes dela a mais jovem a conceber tal projeto, tinha sido a mexicana Frida Escobedo, em 2018, com um pavilhão que buscava promover um jogo de luz e sobra ao longo do dia. Com um trabalho que vai do design de interiores e mobiliário, passando pelas instalações de arte até grandes edifícios, devo dizer que é uma arquiteta cujo trabalho eu admiro muito.
Você deve estar se perguntando: “Tá, mas quem convida esses arquitetos?”. O responsável é o suíço Hans Ulrich Obrist, que já foi curador de diferentes museus na Europa, (veja aqui seu Ted - The Art of Curating) cuja energia inesgotável você pode conhecer aqui, nesta palestra que tive a chance de assistir pessoal na Escola de Design de Harvard, em 2018. Foi uma das melhores que já assisti e, se você tem interesse em arte, vale assistir as 2 horas inteiras (uma dica: não acelere o vídeo, ele já é naturalmente acelerado). Nessa palestra, o Diretor Artístico do Serpetine Galleries conta como ele viu a oportunidade de transformar seu Instagram numa galeria de arte promovendo o regaste da escrita à mão por meio da fotografia de papéis no quais os convidados escrevem/desenham/propõem reflexões. Eu enquadraria vários. Ele também cita alguns trabalhos e vários exemplos de Instructional Art - obras com as quais você pode interagir. Você segue instruções, por exemplo: A “Wish Tree” de Yoko Ono, na qual os visitantes são convidados à escrever pedidos e pendurar em uma árvore nativa da região onde a obra está expor (que ganhou uma versão digital recentemente) ou na qual os visitantes - como o curador mesmo comentam: “podem fazer tudo que nunca podem fazer no museu: olhar, tocar e, inclusive, levar para casa”. Eu adoro este tipo de obra, inclusive pude ver algumas no ICA e no Isabella Gardner Museum, ambos em Boston.
No entanto, em 2017, eu conheci a obra que me tocou sem que eu a visse. A obra do cubano Felix Gonzalez-Torres. Conhecidas pela simplicidade e grande efeito de impacto promovido no espectador, as obras do artista promovem reflexões acerca de temas como amor, perda e cotidiano. A exemplo de "Untitled" (Portrait of Ross in L.A.) - uma obra caracterizada por uma pilha de doces que os espectadores era convidados a pegar. A pilha de balas, sem marca e embrulhadas em papel celofane colorido, estavam sobrepostas em um canto, e tinha aproximadamente 80kg, peso de seu parceiro Ross, quando saudável, antes de atrair HIV. Constantemente reabastecida, a pilha de doces representava o ciclo de vida e morte. Com um significado político intrínseco, a obra também queria chamar a atenção para a ausência de políticas públicas em relação à AIDS. Além desta, o artista fez uma série de trabalhos com diferentes doces em diferentes pesos e formas, cada qual com a sua mensagem.
Assim como o cubano, o brasileiro Cildo Meireles também é conhecido por suas críticas sociais. Talvez você o conheça pela obra “Desvio em Vermelho“ - exposta na galeria Cildo Meireles em Inhotim, ou pelo projeto Coca-Cola, realizado na década de 1970. Em 2002, o artista promoveu, na Documenta de Kassel, a obra Disappearing Element / Disappeared Element (Imminent Past). Quando colocou carrinhos de picolé com picolés (sem sabor, feitos apenas de água) à venda por 1 dólar. A obra tinha como objetivo alertar quanto à escassez de água no planeta, enquanto propunha uma reflexão acerca da arte como mercadoria. Eu teria emoldurado a embalagem e o palitinho.
E por falar em arte e mercado, este final de semana (24-26 de Setembro de 2021) está acontecendo em Basel, na Suíça, a Art Basel, feira internacional de Arte, que acontece desde década de 1970! 5 Atualmente a feira tem edições em três cidades em diferentes continentes: Basel (Suiça), Miami (EUA) e em Hong Kong (China)- que tem exercido um importante papel como Art Hub - leia aqui. Galeristas e colecionadores do mundo todo se encontram neste evento. O evento começou a acontecer em Miami no ano 2000 e em Hong Kong mais de uma década depois - em 20136. A cidade estadounidense é hoje considerada um Art Hub. Em 2015, Miami foi eleita a 3a das 15 cidades mais influentes no Mundo da Arte - um “gateway“ para os mercados de arte latino e sul-americano. Quis resgatar este artigo de 2018 do El País que comenta como os colecionadores estão promovendo a arte latino-americana - especialmente na feira, com destaque para a venezuelana Patricia Cisneros - da Fundação Cisneros. A colecionadora tem um vasto catálogo de obras e fomenta arte por meio de bolsas e programas. Em 2016, fez uma grande doação de obras de arte brasileiras para o MoMA, em Nova York, onde existe o Instituto Cisneros para estímulo, apoio e disseminação de obras de arte Latino-americanas. Pra ficar de olho e acompanhar! Vale também relembrar a exposição de Tarsila no MoMA (Tarsila do Amaral: Inventing Modern Art in Brazil), em 2018, que expôs mais de 100 trabalhos da artista - contando com obras, desenhos, fotografias e documentos que estavam em acervos de colecionadores e museus na América Latina, Estados Unidos e Europa - para efeito de comparação Tarsila Popular, que aconteceu no MASP em 2019, reuniu 92 obras e segundo o museu foi a “a mais ampla exposição já dedicada à artista”.
E para finalizar esta edição: O The Art Newspaper listou as 15 maiores e melhores exibições de arte para ver em 2021. Sorte de quem já tem as duas doses da vacina e pode visitar todos estes lugares. Detalhe importante: O Art Basel que está acontecendo exigiu comprovação de vacina para entrar na feira. São aceitas: Janssen, Moderna, Pfizer e AstraZeneca. Apesar da AstraZeneca ainda não ter sido aprovada pela FDA7, o que tem gerado pedidos por parte da União Europeia, especialmente pelos anúncios da suspensão das restrições de viagens ao país a partir de Novembro deste ano, foi divulgado no início da semana, não se sabe como ficará a entrada de pessoas lá. A feira acontecerá em Miami em Dezembro e na China já aconteceu a edição deste ano, em Maio, a edição de 2022 será em Março.
Já no Brasil, a ArtRio aconteceu no início do mês, entre 8 e 12 de Setembro, e a SP-ARTE acontecerá entre 20 e 24 de Outubro. Segundo post da feira no LinkedIn, vão exigir comprovante de vacinação ou um teste negativo de Covid realizado até 48 horas antes do evento, e uso máscara. Certíssimos. Se você tem interesse em visitar a feira, que retorna presencialmente este ano após uma feira online ano passado, os ingressos podem ser adquiridos aqui.
Até a próxima!
Vamos sempre lembrar que eles trabalham em dupla? Vejo muitas pessoas divulgando que a obra é apenas do Christo e não é.
Traduzindo: “Nosso projeto é sobre liberdade (…) Ninguém pode comprar este projeto. Ninguém é dono deste projeto. Ninguém cobra ingresso por este projeto. Estará lá por uns dias e depois desaparecerá”.
Recomendo este livro com suas palestras
Zaha Hadid fez inúmeras parcerias com marcas de moda, inclusive fez a cenografia deste desfile da Chanel. Já programei uma news para comentar essas parcerias e projetos comuns entres os starchitects - Em Breve!
Acerca das personalidades ligadas à promoção da Art Basel, já comentei aqui da Susi Kenna, que foi Global Social Media da feira - aliás, ela é colecionadora de mobiliário pós moderno, (assunto da News #4) inclusive conta em seu Instagram sobre seus achados que incluem até o Facebook market.
“The emergence of Hong Kong as one of the world’s biggest art trading centres, alongside New York and London, is built on strong cultural and commercial foundations. The city has traditionally been a centre for the trading of Chinese fine art and antiques. Its unique history and geo-strategic location made it the nexus of Western art and Chinese buyers. Now, as Asia and Hong Kong’s own art scenes flourish, resourceful financiers and entrepreneurs looking to expand their art collections gather here, alongside artists from East and West, and dealers trading art.” - O The Economist fez uma repostagem extensa sobre o tema.
Segundo artigos lidos até o momento, dia 21 de setembro de 2021.