Uma breve interrupção na programação de newsletters, para dividir algumas coisas interessantes que ando pensando - no final deste e-mail fiz uma lista de inspirações para os sentidos, coluna que está fazendo falta por aqui.
Acordei as 4:15 esta madrugada e estou desperta desde então. Isso tem acontecido com frequência. Não sei se são os remédios para tratamento de uma crise de asma, se estou perdendo o sono - como qualquer adulto perde de vez em quando - ou se é alguma outra coisa.
Acordei e não consegui mais dormir. E quando isso acontece, eu rezo e rezo o muito. Sou católica e, como vocês podem imaginar, rola de sinal da cruz com água benta até algum questionamento de “pra qual santo eu rezo pra dormir”? Ao acordar esta noite fiz várias pesquisas no google de respostas que ele poderia me trazer. Por exemplo: Quanto ganha um juiz da FIFA? Qual o valor atual de uma banqueta girafa da Lina Bo? Será que aquele apartamento na rua de baixo ainda está disponível? Quantos anos meu cachorro tem em anos humanos? Qual a receita de Rugelach - aquele docinho que eu vi no filme de ontem? Eu não sei, mas parece que a madrugada nos traz questionamentos que não são tão essenciais a nossa vida, talvez, para algumas pessoas eles sejam (tipo o valor da banqueta pra mim), mas que é um momento no qual a nossa curiosidade vagueia.
Enquanto escrevo este texto duas maritacas belíssimas - daquelas bem verdinhas que parecem brilhar - passam voando pela minha janela em direção ao sol da manhã, cuja luminosidade é tão bonita que me faz querer que meus olhos fossem capazes de fotografar este momento. E me lembro então de um evento que presenciei há muitos anos no Grêmio de Letras da minha cidade natal, no qual um professor de português insistia que não era maritaca e sim maitaca (na verdade, o Google me diz que são sinônimos).
Acontece que ultimamente tanta gente tenta nos dizer o que é o certo e o errado que eu fico meio perplexa - mas isso é bom porquê nos ensina a analisar narrativas (vamos falar sobre isso neste mês). A gente precisa, de alguma forma, resgatar a nossa essência. Sempre penso na adolescente que eu era e como eu achava que algumas coisas eram possíveis e outras impossíveis, e vejo hoje como eu consegui realizar algumas coisas que eu achava impossível (como fazer um intercâmbio em Harvard, tendo vindo de uma cidade no interior do Rio de Janeiro) e como ainda não consegui realizar algumas coisas que seriam possíveis e realizáveis.
Ontem, fui visitar um pequeno apartamento duplex de 1 quarto com pé direito duplo e aproximadamente 50m2. A cozinha, composta de uma bancada de aproximadamente 1,5m tinha apenas um cooktop de indução de duas boas e uma pia, com pouquíssimo espaço de preparo, um espaço para uma mesa de refeições e outro para sala de estar. O quarto continha o essencial: cama de casal (tamanho padrão), guarda-roupas e espelho. Apartamento lindo, maravilhoso, pronto para mudar, sabendo que os pequenos ajustes seriam feitos em poucos dias.
Na volta, por conta da chuva torrencial que caia, minha mãe e eu paramos no Hortifruti. As melancias estavam lindas e resolvemos comprar. Ao chegar em casa, ofereci melancia pro Tibet, meu cachorro que esnobou completamente. E lembrei, com carinho, de quando fomos um dia para casa da minha avó, um dia tipo aquele que calor intenso que anunciava a chuva que estava por vir, e minha mãe levou uma melancia enorme dizendo que estava tão linda e fresca que precisava dividir com alguém. Estávamos eu, mamãe, minha avó e um tio já falecido. Lembro dela dizendo a ele que melancia não fazia mal (ele havia recém descoberto que era diabético). E me lembrei das manhãs de sol na piscina comendo melancia gelada. E como aqueles momentos eram essenciais no verão. E não era a melancia em si, mas estar junto. A casa da minha avó materna, em um domingo, chegava a receber quase 25 pessoas para o almoço - todos filhos e netos. O essencial era estar junto e compartilhar um momento.
A minha linguagem do amor (fiz um post sobre linguagens do amor e a casa aqui) é tempo de qualidade. E receber alguém em casa, pra mim, é uma forma de demonstrar amor. Eu gosto de cozinhar, gosto de planejar o cardápio, preparar a mesa, deixar tudo bonito para criar experiências que possam vir a se tornar memórias. Após o meu momento nostálgico com a melancia, eu sentei e fui ver com calma as mudanças que eu faria no apartamento. Trocaria a mesa por uma bancada com espaço de trabalho e com banquetas altas (por isso a curiosidade na madrugada acerca do valor atual da banqueta girafa), faria uma estante até a altura do guarda-corpo do segundo pavimento para abrigar todos os meus livros (lembra do texto sobre livros na sala de jantar? Leia-o aqui).
Enquanto eu pensava em todas estas referências, pensei muito em um texto escrito por uma amiga. Jessica, uma amiga dos tempos Harvard, editora de livros de culinária, tem uma newsletter incrível, a French Fries and martinis e eu me lembrei com carinho de um texto dela enquanto pensava neste apartamento. Nele, ela comenta seu primeiro apartamento em Nova York, como ela tinha de adequar o preparo das refeições em sua pequena cozinha e como as taças de vinho não podiam ter hastes pois não cabiam nos armários. Além disso, ela comenta a romantização do cozinhar.
Não apenas eu sabia que minhas taças não cabiam naquele apartamento, como eu fiquei pensando a melhor forma de incluir uma mesa de trabalho ali. Nisso, o projeto foi se desenvolvendo junto aos questionamentos do que era, de fato, essencial pra mim. Morar num espaço menor me levaria a ter mais tempo de qualidade fora de casa (e também uma vida social mais ativa)? O que pesa mais: o conforto de trabalhar em casa e poder receber pessoas ou um espaço mais iluminado? Mas, e o cachorro… como restringí-lo a apenas um andar já que seria um risco ele subir aquela escada vazada…
Veja, mesmo sendo uma arquiteta, tendo visão e criatividade, eu precisava de medidas para ter a certeza milimétrica de que todas minhas necessidades seriam atendidas ali. Veja bem, eu acho que com criatividade tudo se transforma. Uma fita de cetim e um conjunto de arruelas, por exemplo, pelas mãos e design de Annie Albers viraram um colar nos anos 1940, mas, ainda assim há pessoas que só vêem arruelas e um pedaço de fita. Eu, felizmente, vejo o colar. (Lembram do texto que comentei a frase: “Até o tijolo quer ser mais do que apenas um tijolo”? Mas, em algumas situações, mesmo com toda a criatividade possível, não é possível adequar um espaço para contemplar todas as nossas necessidades e essência de uma pessoa, aí então é preciso repensar ou priorizar. Como seria a minha vida sem espaço para os itens que eu amo e uso, ou sem espaço suficiente para conter o meu espaço de trabalho?1
O projeto ainda se desenrola na minha mente. Uma estante ocupando um pé direito duplo é um sonho. É fascinante construir um espaço no qual podemos fazer coisas que consideramos quase impossíveis2. No entanto, não consigo conter tudo ali, o que me move, a minha essência, o meu trabalho precisam de mais do que aquele espaço pode me oferecer neste momento. Acontece que do mesmo jeito que maritaca pode ser sinônimo de maitaca, que comer melancia pode ser algo corriqueiro ou um momento especial, arruelas podem ser colares e cozinhar pode ser romantizado ou um ato da vida diária, os mesmos 51m2, em outro apartamento com outra planta, podem contemplar todas minhas as necessidades. O que diferencia essas coisas não é apenas o olhar, mas também a forma com que acontecem, a forma como são projetadas, a forma como nós conhecemos algo. Se há criatividade, ou não..
Enfim, fiquei pensando nisso tudo e queria dividir com vocês.
O que tem me inspirado por aqui:
O filme Destemida, disponível na Netflix, sobre a pessoa mais jovem a navegar sozinha me emocionou.
Estou lendo o livro As Formas da Alegria, indicação que minha amiga Maria Ruth, do Mr Jobim. Vale mencionar que ela fez um post incrível sobre a era da criatividade no instagram - recomendo a leitura.
Queria muito estar em Boston, pois, um dos museus - O Isabella Gardner que eu mais visitei na vida está com dois exposições incríveis: um diálogo de diários de viagens de duas mulheres que visitaram destinos semelhantes em épocas distantes, são elas: Isabella Stweart Gardner e Betye Saar. Leia sobre as exposições aqui: FELLOW WANDERER: ISABELLA’S TRAVEL ALBUMS | e aqui: BETYE SAAR: HEART OF A WANDERER. A exposição de Betye Saar é patrocinada pelo Getty (aliás, meu lugar preferido em Los Angeles, se você pretende visitar a cidade dos anjos, recomendo a visita) e eu recomendo que você leia este artigo e veja a beleza dos cadernos de viagem dela. Nunca vi nada igual, me fizeram suspirar.
A receita do Rugelach que eu estou ansiosa para fazer, está aqui - em inglês.
Amo notas cítricas, especialmente laranja e flor-de-laranjeira. O cheiro de laranja recém-descascada do creme da Aesop me faz parar por alguns segundos. Por falar em aromas cítricos, há anos tenho o hábito de manter este sabonete na cozinha, o limão ajuda a retirar qualquer odor nas mãos. Quem cozinha, sabe como é.
Veja bem, a reflexão que coloco aqui não é apenas sobre um espaço que comporta ou não itens e acúmulos, mas sim aqueles que são essenciais para atividades que amor. Para colocar em perspectiva, neste apto não seria possível guardar uma batedeira nos armários cozinha. Seria necessário escolher entre ter lugar para pratos e copos ou a batedeira. Entende? Sendo assim, o meu amor por cozinhar seria colocado em stand by.
Faço isso em referência à um professor querido que brincava que o sonho de todo arquiteto era projetar uma estante em pé direito duplo, mas que no Brasil esse era um sonho quase impossível e que, quando acontecia, muitas vezes livros eram comprados para compor os espaços vazios.