Simplificar a casa
quando uma situação temporária altera alguns planos e até a decoração.
A edição de hoje até pode parecer que é sobre a casa de uma alérgica, mas não é… digo, também é.. Eu a escrevi de uma forma na qual pude falar sobre diferentes tópicos, recuperar alguns posts e colocar uma questão importante que é a de lidar com a frustração diante do provisório.
Durante a faculdade de arquitetura eu morei num apartamento feito por Oscar Niemeyer. Pense em um apartamento com janelas de piso ao teto; iluminação indireta; piso de peroba rosa e pé direito de 3,40m. Eu vivia sonhando com o dia no qual eu ia me formar e reformar aquele apartamento. Não aconteceu. Antes disso, eu me mudei para um apartamento bem menor com pé direito de 2,54m, com área de lazer, mas sem a beleza da arquitetura de Oscarzinho. Nem sempre o espaço mais bonito ou maior é o que melhor atende nossas necessidades; o apartamento era muito grande para uma pessoa sozinha e eu precisava de mais que dois quartos (eu tinha o meu e o de hóspedes), precisava de um espaço para um escritório o que não significava ter mais área, e sim um espaço mais dividido. Sigo, desde então, entre idas e vindas na mesma casa.
Antes de eu nascer, Luis Fernando Veríssimo escreveu uma personagem chamada Leninha, uma médica que desmaiava ao ver sangue e encontrava como alma gêmea um piloto que tinha medo de voar. Anos depois, uma Helena arquiteta se formou indo parar no hospital toda vez que visitou uma obra durante a faculdade. Eu sempre fui muito alérgica. Passei muitos aniversários (faço aniversário no alto inverno) na sala de espera do consultório do otorrino seja por alergia ou dor de garganta. E, por esse mesmo motivo, nunca gostei de comer bolo de chocolate no meu aniversário, por conta de não estar bem. (está vendo como nossas memórias são fortes?!) Esse quadro piorou quando me mudei de uma cidade úmida para um cidade extremamente seca. Meu médico brincava que o dia que eu me mudasse para o Nordeste, meus problemas acabariam. Acabou que foi quando eu me mudei para Cambridge, na região de Boston, perto do Charles River e do mar, eu passei pelo maior período sem crises da minha vida - 8 meses.
Essa semana compartilhei no Instagram que eu estava testando um método que vi para tirar cheiro de livros. (É simples: você pega o livro, coloca num saco ou numa caixa com um pouco de bicarbonato de sódio e carvão, fecha bem e espera uns dias para a mágica acontecer - Prometo contar se deu certo semana que vem!). Eu estava tentando ler um livro, mas ele me fazia espirrar muito. Quando compartilhei isso, tive receio que as pessoas fossem achar que eu fosse muito fresca, acontece que eu luto com a alergia desde 2014 quando as crises pioraram e eu cheguei a tomar antibiótico 12x no ano em virtude disso. A troca foi tão positiva que resolvi escrever esta edição.
“Era uma casa muito engraçada”, não tinha décor; “não tinha nada”
Ainda sem um médico na nova cidade, meu médico me recomendou tirar todo e qualquer estímulo da casa nova: sem cortinas no quarto - nos outros ambientes conseguimos deixar-, sem ar condicionado (polêmico esse; mas eu não me dou bem), sem tapetes. Cama? Sem colcha, apenas lençol e edredom (com capa - para facilitar as lavagens) que deveriam tomar sol o dia todo. Enchimento natural? Nem pensar - enchimento acrílico antialérgico1. Brinco que “dessensibilizei” a casa; isso de certo modo me incomodou por muito tempo: Como uma designer de interiores não vai ter a casa decorada? O que as pessoas vão pensar? Acolho meu sentimento e minha frustração e entendo isto como uma situação provisória com data para acabar. Isso não reflete um valor ou meu trabalho.
Logo, encontrei uma otorrino maravilhosa que também palpitou no décor e - ela foi mais longe: capa em tudo (colchão; travesseiro). Conseguimos ir controlando aos poucos a alergia, e agora, depois de ter tido alergia a vacina de alergia (o que eu descobri não ser tão incomum assim), consegui me dar bem com uma nova vacina e ficar um mês sem anti-alérgico.
Essa semana fui na oftalmo para um acompanhamento2. Eu adoro minha oftalmo, queria ser amiga dela. Sabe, quando a pessoa é incrível? Só temos um problema: ela insiste que, por conta da alergia, eu compre um sofá de couro. E toda vez que ela comenta isso, eu torço o nariz, desconverso… se tem uma coisa que eu não tenho vontade de comprar (para a minha casa) é o tal do sofá de couro.
São muitas as coisas a serem consideradas neste caso..
(1) o peso visual do material aliado ao modelo de sofá
(2) o fato de eu ter um cachorro - o tecido de sofá mais indicado pra quem tem cachorro é o linhão rústico. Ah, meu cachorro é Lhasa Apso, a raça “apropriada” para alérgicos, e sim, ele também é alérgico…
(3) a minha sala está numa posição que pega sol o dia todo e o sofá fica exposto
(4) eu não posso ficar o dia todo com a cortina fechada… e por aí vai.
A forma como ela coloca, parece ser uma solução que ajudaria muito, mas não no meu contexto - por isso sempre a necessidade de um olhar atento. Aí eu sempre acabo cedendo e pensando: e se eu (finalmente) comprasse um recamier/daybed? Aí me lembro que não tenho nem espaço para ter um mobiliário destes no momento e o fato dele simplesmente não ser como sofá … e então eu volto à realidade no mesmo instante. (Vale explicar: daybed - como essas peças são chamadas é devido ao fato de servirem tanto como lugar para sentar como para dormir ocasionalmente).
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A indicação x o meu gosto - encontrando o que faz sentido pra mim
A daybed pode ser o meu mobiliário preferido. Para a consultoria de decoração para um Airbnb, eu indiquei uma daybed revestida em couro e linho. Pensei na possibilidade simplificar a manutenção do ambiente e também na forma de tornar o espaço mais agradável para a pluralidade de pessoas que poderia estar ali. No entanto, a que partir da leitura visual dos meus modelos preferidos é possível notar a minha clara preferência pelo linho. E aí, sempre que isso acontece, eu lembro do conselho do meu alergista fluminense de ter o “travesseiro do sofá”. E isso é o mais legal de uma jornada (seja ela na vida, em uma viagem, ou numa situação assim) - como as pessoas e seus conselhos reverberam em nós? O quanto eu me conheço para acolher algo ou não?
O travesseiro do sofá: É um travesseiro que fica limpinho, esperando o momento que eu quero deitar no sofá. Não é o o travesseiro de dormir, não. Este é apenas para quando eu quero deitar no sofá e ver um filminho na minha, sem irritar o nariz ou os olhos. Ele fica exposto diariamente ao sol na cama do quarto de hóspedes.
Bom, contei isso tudo até agora para mostrar algo: as vezes precisamos entender não apenas os efeitos do ambiente no sentido de arquitetura/construção mas também do lócus onde estamos - a cidade. Precisamos entender tanto os efeitos do espaço (arquitetura e décor) como também da cidade na nossa saúde/escolhas/vida e se preciso, como nos adequarmos a isso para ter uma melhor qualidade de vida. (Vou detalhar em posts que estão por vir neste mês).
Não basta reduzir os estímulos espaciais e manter o desinfetante de cheirinho de morango. Para alguém como eu, os 30s descendo o elevador que acabou de receber uma nuvem de “Glade de morango” ou “Bom ar de Baunilha”, pode significar um desconforto de alguns dias. E aí eu comento: as pessoas precisam ser empáticas com os alérgicos. Usar perfume com moderação. Escolher bem o que usar em casa. Por isso, no staging, como parte do marketing sensorial usa-se aromas de bolo ou cookies para vender um apartamento - pois eles ativam memórias de casa e de conforto e sempre optam por um cheiro agradável/leve, os odores preferidos são o herbal (herbal não é floral, ok?) ou roupa limpa; pois são mais sutis com o nariz de quem adentra o espaço. Este é um cuidado que muitos não reparam, mas é essencial. Uma vez, visitei um imóvel com tanto cheiro de cigarro que saí correndo… literalmente.
Imortalizada na música de Ataulfo Alves, Amélia é a dona de casa dedicada, que com certeza saberia disso tudo. Na minha imaginação, Amélia saberia a proporção correta de álcool e água para desinfetar a casa; ou de vinagre e bicarbonato para deixar algo limpinho; Amélia saberia, sem hesitar, que em casa de alérgico não se usa nada com cheirinho. Pois bem. Eu precisei aprender a proporção perfeita, e divido hoje com vocês:
Para lavar roupa: substitua o amaciante por 1 colher de sopa de vinagre de álcool.
Para limpar a casa: Elimine a água sanitária; e tudo com cheirinho excessivo. A receita ideal (e, aparentemente milagrosa) é: 100ml de água | 100 ml de álcool | 100 ml de vinagre branco de álcool e 2 cs. de detergente.
Velas? Tenho e uso. A minha preferida é a de Rosas da DipTyque. Recentemente, conheci e amei a de Figo da Granado; Detalhe: o ideal é que elas sejam feitas de ceras naturais, tenham pavio de algodão e fiquem cobertas com uma tampa para não empoeirar; a poeira pode danificar a vela. Gosto também destes melts de figo e chá branco. Perfume? Também uso (menos do que gostaria), mas tenho versões sólidas para quando estou em crise e todos passam por um teste de sensibilidade.
O meu encontro com a simplicidade; ou com a falta de excessos
Voltando ao assunto decoração, não bastasse eu ter que reduzir os “excessos” para diminuir os estímulos e os potenciais acúmulos de poeira… eis que começou a construção de um prédio ao lado da minha casa. E assim, os livros e os itens decorativos que ocupavam a superfície do buffet e o móvel da sala, foram, aos poucos, sendo reincorporados a estante do escritório. Simplificar a casa tendo em mente a minha qualidade de vida foi essencial. Eu já não sou tendenciosa a ter exageros. Sempre gostei de casa clara; iluminada - com mais espaço do que objetos. Com poucos itens, mas interessantes. Foi assim que eu me encantei com o termo “Simplicity” (simplicidade) em decoração que preza apenas pelo que faz sentido e não pelo excesso. Recomendo a leitura do texto abaixo.
E, mesmo já estando ligada a essa linguagem que vai em oposição ao Cluttercore eu me frustro. Embora eu entenda que esta é uma condição temporária, (a obra deve ser entregue mês que vem; a vacina começou a fazer um efeito legal), tem dias que é difícil me conter e não organizar a casa tal como eu gostaria ou emoldurar todas as gravuras e itens e pendurá-los por aí… pois eu tenho que pensar em como agir no presente para vislumbrar o futuro, neste caso, com menos alergia. Escutei os conselhos de Nancy (post acima), embarquei numa jornada só minha. Agora, a cada dia eu penso: falta pouco! Enquanto isso, eu brinco com pequenos itens: mudo as luminárias de lugar; crio novos cenários com a iluminação, testo novos layouts e aos poucos o tempo vai passando o conforto de sentir-me em casa, aumentando.
O que eu tenho? O que eu quero? O que eu preciso?
Por onde posso começar? Se algo em algum cômodo não está funcionando; ou não me agrada; eu trato de arrumar logo e com isso, entendo como algumas coisas acabam tendo um certo poder sobre o humor; o nariz; o meu tempo. Já dizia Oswaldo Montenegro: “uma simples alegria para me aquietar o espírito”. E aqui não falo como arquiteta não, falo como moradora mesmo. Por aqui, há alguns anos os temperos já estão organizados com seus lugares e nomes; a cama toma sol diariamente; o vidro do detergente e o do sabonete líquido na pia da cozinha são iguais; combinam com os acessórios e estão sobre um pratinho linear de louça. Pequenos detalhes que organizam a vida, facilitam e trazem clareza. Já comentamos aqui como uma comédia romântica ilustrou a questão do sentir-se em casa e também do intercâmbio de casas de duas pessoas com necessidades e personalidades diferentes, vou colocar o link para o post abaixo. (Nele, também sobre como simplificar a casa e elaborar um plano de ação para atingir objetivos).
Quando vejo pessoas optando por uma tendência como o cluttercore, ou seja, o acúmulo de coisas, inevitável no meu caso não pensar no “acúmulo extra” de poeira e como isso pode acabar me gerando ansiedade. Como já mencionamos aqui no post, e também em outras edições, os espaços têm um impacto na nossa vida baseado na nossa experiência. Logo, o Cluttercore pode trazer felicidades e nostalgia para algumas pessoas, como ilustra este post do Clever. (Detalhe: eu acho que existe uma diferença muito grande entre clutter - acúmulo e uma estética maximalista.) Pelos meus estudos, eu também penso se isso não pode ser uma forma de transformar em tendência algo que pode refletir o aumento do acúmulo motivado por alguma forma de estresse/ansiedade das pessoas nos últimos tempos. Não podemos simplesmente julgar um espaço, é sempre bom buscarmos entender a história/motivação das pessoas por trás deles - o que as fez chegar até aquela situação? Quais suas experiências? Qual sua história?
Lembro aqui que sou arquiteta e não médica, se errei algum termo, estou aberta a corrigir e aprender com o erro. O que busquei apresentar aqui foi uma série de coisas que aprendi ao longo do tempo com a minha experiência e o que funcionou para mim.
Os olhos são os “ralos do rosto” assim me explicou o meu alergista; logo é normal que o alérgico tenha os olhos afetados.
Amei essa edição, Helena!!!! O tema e a abordagem mais informal (seria esse o termo?) ♡
Helena,
Alergica ao cubo aqui AND asmática, alem de filhas e narido alérgicos! Todo cuidado!
São muitas as reflexoes sobre decor e alergia, por exemplo: NUNCA, em tempo algum, poderei ter minha tao sonhada cabeceirq de tecido! O Rio é super úmido e tudo mofa. Sem condições de correr esse risco!
Quanto a limpeza: capa de colchao e travesseiro para todos da casa; aspirador daqueles gigantes que tem que colocar agua dentro; mop seco todo dia de manha pelo piso pra tirar a poeira (muita obra ao redor).
Há 7 anos trocamos de apto justamente por causa da alergia, o outro era mt úmido!
Boa sorte pra gente. Rs