Newsletter #9
Arquitetos e Moda: Lojas, cenários, museus e vestuário.
Olá,
Espero que esteja bem!
Você já reparou que a expressão "sob o olhar de [nome da pessoa]" têm ganhado bastante espaço recentemente? (ex. Acompanhe este evento sob "o olhar de fulano"; veja a "cidade X" "sob o olhar de" ...). Para nós, arquitetos, essa expressão não é nova. Inclusive, na minha tese abordei muitos aspectos “sob o olhar de alguém”. Pois bem, o nosso olhar; nossa forma de ver algo (e o mundo) é reflexo de todas as experiências que carregamos conosco. Por isso tendemos a ver as coisas de formas diferentes, cada um à sua maneira; com o "seu olhar" e sua respectiva ‘bagagem’ - nosso repertório.
Criamos repertório a partir de experiências e referências. Quanto mais (e mais variadas), melhor. É isso que torna nosso olhar único.
A expressão “olhar de arquiteto”, aposto que você já ouviu alguém falar: “Nossa, ele tem olhar de arquiteto!” - no sentido de ser uma pessoa detalhista, que observa o ambiente e sua estética, sua composição.
Nesta semana, encerrou a Paris Fashion Week, evento que aconteceu de 27 de setembro a 5 de outubro na cidade luz. Há tempos venho aguardando para abordar a temática da newsletter de hoje, e achei que esta semana seria a oportunidade de ideal.
Apesar do meu estilo tradicional - meu uniforme da vida é basicamente jeans e camisa branca - eu sempre gostei muito de moda (assim como a maioria das arquitetas). Na minha família existe uma certa ligação com a moda, sob a forma um métier que está entre nós desde a década de 1930. Minha bisavó e avó fazem flores de tecido com o mesmo savoir-faire das maisons francesas como Chanel e Dior. Mesmo métodos, mesmos utensílios - moldes em ferro, super pesados rs. Aprendi então, desde pequena, a admirar a beleza de uma boa costura, aprendi a fazer silhuetas e moldes de saias em guardanapos junto de minha avó. Criei uma certa fascinação pela história de Gabrielle Bonheur Chanel, leonina como eu, e passei a admirar inúmeros estilos. Moda, arte, decoração e arquitetura sempre foram temas comum entre as mulheres da família do meu pai. Não lembro de uma vez que não fui na casa de uma de minhas tias e não abrimos os livros de arte dispostos na mesa de centro (aka coffee table books, que já mencionamos aqui).
Meu primeiro exercício na aula de desenho da faculdade, era o de escolher e levar impresso um desenho de um arquiteto. Escolhi então imprimir a série de desenhos de Oscar Niemeyer para HStern - adorava saber a pluralidade da produção de um arquiteto. Então, em meio à semana de moda, quis abordar aqui a relação entre arquitetos e marcas que vão além do retail design ou do visual merchandising (e estas também, claro).
O maior prêmio da arquitetura é o Pritzker que já laureou 50 arquitetos desde sua criação em 1979 (na lista, apenas 2 brasileiros: Oscar Niemeyer em 1988 e Paulo Mendes da Rocha em 2006). A cerimônia do prêmio ocorre anualmente (geralmente em Maio) em um lugar do mundo em um projeto arquitetônico significante. Só de bater o olho na lista reconheço alguns profissionais que já tiveram trabalhos no cenário da moda (repare que em parênteses vou indicar o ano no qual receberam o prêmio).
”Luxury brands are always opening new shops, but few are able to enlist such titans as Foster to design them.”
Vou logo começando com uma dupla que eu amei saber que trabalhou junto: Gabriela Hearst (eu amo a nina bag!) e Sir Norman Foster (1999). Arquiteto tão renomado, que dizem ter sido eleito o arquiteto mais admirado pelos estilistas Alexander McQueen, Tom Ford, Donna Karan, Ralph Lauren, Paul Smith - segundo este artigo. De todos os projetos elencados na lista de hoje este talvez seja o meu preferido - pela sua elegância e sofisticação. É notável o cuidado no projeto da primeira loja da estilista em Londres, que está localizada num edifício no século 19 (Foster tem uma série de projetos assim - vale a pena falarmos disso em um post isolado?). Deixo aqui a indicação deste artigo da Vogue com a estilista e o arquiteto acerca do projeto, e da conversa dos dois. A sensação de lê-lo me lembrou os tempos da faculdade. A maquete, os comentários: “If I walked into the shop, I would like to sit there”. O projeto da loja foi feito pensando em como refletir o valor sustentável, muito forte na marca da estilista de origem uruguaia. Aqui tem uma galeria de fotos do projeto e aqui uma outra galeria com mobiliário feito exclusivamente para este projeto (eu faria uma news toda sobre ele - pelos detalhes).
Da beleza sem excessos para as grandes marcas, com a marca que não fez projetos com apenas 1 escritório, e sim com vários: a Prada!
Herzog e De Meuron (2001) têm uma longa seleção de projetos para a Prada assim como o OMA/Rem Koolhaas (2000). A dupla já fez projetos de loja temporária, Armazém e centros de distribuição e de produção, escritórios, além da loja em Aoyama - veja a lista dos projetos aqui - vale destacar que eles também fizeram a Miu Miu em Aoyama, marca do mesmo grupo. Já Koolhaas tem uma história mais extensa com a Prada. Seu escritório fez a famosa loja de Nova York (Prada Epicenter)1 que serve não apenas como loja, mas como galeria de arte, espaço para apresentações e desfiles dentre outras atividades, foi um projeto que impactou este tipo de espaço de consumo. A Fondazione Prada também foi um projeto do OMA, escritório fundado por Koolhaas nos anos 1970. Esta longa parceria resultou também, por meio do AMO, braço de pesquisa e publicações do OMA, na cenografia de diferentes desfiles para a marca. Incluo aqui os mais recentes: o desfile masculino FW21 e o SS22. Koolhaas é professor - um pouco polêmico - e, assim como muitos arquitetos, transita em diferentes áreas ‘fazendo de tudo um pouco’. De cenografia de desfiles à preservação histórica e pesquisa na África. Ele já declarou à CNN que “There's nothing frivolous about fashion” e deu uma entrevista à revista Metropolis falando sobre a Prada e o Relacionamento da arquitetura com a arte.
Essa parceria da Prada com os arquitetos foi tema de uma exposição da Fundação Prada, em Milão em 2001: HERZOG & DE MEURON, OMA/AMO REM KOOLHAAS: PROJECTS FOR PRADA. WORKS IN PROGRESS - Na chamada, está escrito: "Prada’s awareness that the language of shopping has become an integral part of today’s way of living. A universe where culture and consumption are intermingled and that is open to a conceptual reinterpretation of the places devoted to pleasure for consumerism, shopping and communication.” - Novas visões sobre o consumo.
Lembro que, quando eu era mais nova, o eixo da moda ou as “capitais da moda”: eram Londres, Milão, Nova York e Paris. Alguns lugares incluíam Tóquio - hoje, outros lugares são incluídos - há guias que citam 10, 12 cidades da moda. Na cidade Japonesa, as ruas de Aoyama e Omotesandō chamam a atenção por ser um lugar de arte, arquitetura e high fashion, concentrando uma série de projetos de arquitetos consagrados.
Já mencionei aqui que Herzog e De Meuron (2001) fizeram não apenas a Miu Miu como também a Prada em Aoyama - aqui tem um artigo detalhando o projeto. O arquiteto japonês Toyo Ito (2013) fez a Tod’s em Omotesandō onde também fica o projeto da Dior da dupla japonesa Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa (2010) do SANAA. Quando pesquisei (ainda na faculdade) o Rolex Learing Center, na Suíça, também elaborado pela dupla, eu lembro de ter lido eu eles tinham a obra de Oscar Niemeyer como referência. Recentemente, o edifício da Dior, assinado por eles, passou por um retrofit pelas mãos do arquiteto norte-americano Peter Marino, que atualizou os interiores da loja. Marino não tem Pritzker, mas tem uma vasta parceira com outras marcas como a suíças Hublot, Louis Vuitton e Chanel.
Oscar Niemeyer (1988), que já desenhou uma linha de jóias para a brasileira HStern, segue inspirando na arquitetura e na moda, seja aqui - no Brasil - ou no exterior, a exemplo deste artigo feito pela Harper’s Bazaar que mostra coleções inspiradas no trabalho do arquiteto. Dentre os nomes que figuram na lista está um desfile da francesa Louis Vuitton, marca que estima outro ganhador do Pritzker, o norte-americano Frank Gehry (1989). O arquiteto não apenas cooperou com a marca, fazendo uma bolsa - como fez o projeto arquitetônica da Fondation Louis Vuitton, em Paris. Assim como o arquiteto brasileiro, Gehry fez uma linha de joias em parceria com a joalheria Tiffany, hoje parte do grupo LVMH. (Gosto mais das joias do que da arquitetura dele, confesso).
Acho que vale comentar que em 2015 a cerimônia do Pritzker que concedeu à honraria à Frei Otto ocorreu em Miami no The New World Center, projeto de Frank Gehry, cuja linguagem arquitetônica é bem diferente do outro projeto dele apresentado aqui. Desde a chegada da Art Basel nos anos 2000, Miami teve uma mudança em sua paisagem e passou a abrigar essa combinação arte+arquitetura+high fashion também. Especialmente como acontece no Design District em Miami. Embora as lojas não sejam projetos de pritzker winners2, a região congrega diferentes arquitetos laureados com prêmios na área do retail design. E, por meio de uma pesquisa, pude perceber como as parceiras entre marcas e arquitetos são relacionamentos duradouros. Vale a pena comentar a loja da Prada3, que, com o desejo de emular uma atmosfera doméstica, fez uso de mobiliários modernos brasileiros (não teria como não comentar, sou fã do mobiliário moderno brasileiro) .4
Dos escritórios que receberam outras láureas vale comentar o RDAI Architects - escritório de arquitetura, interiores e design parisiense. Liderado por Julia Capp e Denis Montel, responsável pela Hermès Miami, no Design District. O escritório (ou agência, como eles se intitulam) também tem como clientes: Eliee Saab e Galeries Lafayette e já projetaram inúmeras lojas da marca francesa pelo mundo (eu parei de escrever quando cheguei na 10a, veja aqui). Acho válido destacar aqui a Hermès Rive Gauche, aquela que tem as estruturas em madeira ( projeto laureado com os prêmios Paris Shop & Design, em 2012, e Wan Retail em 2011) e a Hermés Hong Kong (Laureada em 2018 com o Prix Versailles). Além disso, eles receberam o Prix de l'Équerre d'Argent em 2014, prêmio de arquitetura francesa que existe desde a década de 1960, pelo projeto La Cité des Métiers Hermès, Pantin - que teve consultoria cultural da Avesta.5
Ainda no Design District é também é possível encontrar uma instalação da arquiteta iraquiana Zaha Hadid (2004), Elastika. Zaha foi a primeira mulher a receber um Pritzker, 25 anos após sua criação, já havia premiado 26 homens6, a arquiteta é famosa por suas inúmeras contribuições ao mundo da moda. Seja como arquiteta ou como designer. A partir do momento em que conheceu Karl Lagerfeld, ela fez inúmeras contribuições para a Chanel, como a cenografia do desfile SS12 (eu amo a linguagem visual da Chanel, e amo o fato de o desfile acontecer no Grand Palais), um pavilhão - o Mobile Art Chanel Contemporary Art Container (2008-2010), que passou por NY, Tóquio, Paris e Hong Kong. Ela desenhou sapatos para Adidas, Melissa e Lacoste. Contribui com a Perrin Paris, numa coleção de 7 clutches. Com a Fendi, fez a sua própria versão do modelo de bolsa Peekaboo.
Enquanto pesquisava para esta newsletter, encontrei este link, que acabou listando Zaha como uma dos nove arquitetos que se tornaram estilistas. Lista esta que me surpreendeu, afinal eu não sabia que Balmain e Mugler eram arquitetos assim como eu… A arquitetura tem mesmo o poder de inspirar estilistas e suas coleções, como pode ser lido aqui, independente da época em que foi construída, como nos conta este artigo. Quando pensei em escrever esta news, eu queria associar os arquitetos e marcas. Enfim, em meio à semana de moda, quis abordar aqui a relação entre arquitetos e algumas marcas, o que acabou me fazendo descobrir que alguns arquitetos se tornaram estilistas, e nomes que eu muito admiro e nunca imaginei compartilhar tal ofício. Nota: ainda quero abordar a relação desfile/arquitetura/arte (se você se interessa pelo assunto, veja este artigo da AD). Não me esqueço do desfile de VB no Tate em 2019, o de hoje (04/10/21) de Giambattista Valli foi no museu de arte moderna, enfim, uma grande variedade de locais e marcas para comentar.
Claro que não poderia terminar esta news sem comentar acerca de Tom Ford, outro nome na lista e cujo trabalho eu admiro desde os tempos de Gucci. O estilista não apenas é arquiteto de formação como vivia cercado de boa arquitetura. Em Janeiro deste ano ele anunciou a venda de seu rancho, em Santa Fé - New México, projeto do renomado Tadao Ando (Pritzker 1995 - que eu AMO), e que ilustra a capa deste livro com algumas das obras do arquiteto. Toda a poética desta obra você pode ver aqui, neste vídeo no site da design boom - vale MUITO a pena.
Não é a primeira vez que o nome do estilista e diretor de cinema aparece junto à alguma arquitetura conhecida. Seus filmes revelam muito do seu olhar e atenção aos detalhes, especialmente com o set design de suas obras. No sensível “A Single Man”, o cenário escolhido para a casa do professor George, interpretado por Colin Firth, foi a Schaffer Residence, um exemplar de residência moderna (midcentury) projetada em 1948 por John Lautner que foi recentemente restaurada pelo Park McDonald, escritório especializado em residências desta época. Já em Nocture Animals, para contar a história da Galerista Susan, o set design teria de ser de acordo com a profissão da personagem. O Bloomberg o descreveu como luxuoso, a AD descreveu como artful e High Style (vale clicar para ler a explicação do produtor Shane Valentino). Sei que o set até inspirou uma casa no Canadá.
Eu espero que vocês tenham gostado desse tema! Me escrevam falando o que acharam.
Até a próxima!
Você certamente já viu esta loja se assistiu a Sex and the City. É a loja Prada na qual a Carrie vai no episódio 6x05, a procura de um vestido para usar na estreia de Smith
O site do Miami Design District credita o projeto ao arquiteto italiano Roberto Baciocchi. No entanto, apesar de constar esta autoria no site local, não encontrei no site do arquiteto, que tem uma vasta colaboração com o grupo Prada e outras marcas.
Lembra que na Newsletter #7 comentamos que Miami é um ponto de abertura para mercado de arte e design sul-americano especialmente brasileiro?
Comentei sobre consultoria cultural na última edição da newsletter, mas, naquele caso, era a Lord, que faz consultoria cultural de forma mais específica para museus e feiras.
Acho uma injustiça Denise Scott Brown não ter sido premiado junto de Robert Venturi em 1991. O grupo Women In Design, da Universidade de Harvard, fez um comitê, enviando um petição ao júri pedindo o reconhecido da arquiteta. Em 2013 o júri do Pritzker negou o direito da arquiteta receber o prêmio como um reconhecimento retroativo, alegando que não seria possível em virtude da forma como o júri é formado. .