Eu tenho mania de tirar fotos de alguns cantinhos e espaços que me marcam. Há dez anos atrás, ao fazer isso, um psicologo me disse que não era preciso fotografar o que já havia sido guardado na memória. Perceber um espaço é tomar cosciência dele por meio dos sentidos. Nossa memória é curiosa, e as vezes carregamos conosco algumas associações espaciais por toda a vida. É possível nos lembrar de detalhes de um espaço com muita atenção sem precisarmos de uma foto dele.
Até hoje lembro os detalhes de uma sala de aula na qual eu tive uma aula de inglês que correlacionava uma obra de arte e uma música. Além de lembrar da sala, toda vez que eu vejo o quadro Nighthawks (1942), de Edward Hopper, que está no Art Institute of Chicago, eu automaticamente começo a cantar a música Tom’s Diner (1982) de Suzane Vega. A pintura de Hopper foi inspirada na memória de um restaurante que ele viu em Nova York, onde também está o Tom’s Diner, mas 40 anos separam uma obra da outra. No entanto, a minha associação acontece pois obra e música estavam correlacionadas em um exercício no livro de inglês que eu estudei quando adolescente e que me exigiu uma concentração muito grande.

Você provavelmente já sabe do meu interesse pelos sentidos e a percepção arquitetônica, isto não é novidade para quem está aqui desde o começo, e incluo agora a neuroarquitetura que traz consigo temas pertinentes ao estudo do urbano como memória, identidade e pertencimento, embora vistos de forma diferente e, na maioria das vezes, individual e não coletiva como na cidade.
Um exemplo simples do meu interesse pelos sentidos, e uma das coisas que sempre comento, é que nossa casa deve ter uma assinatura olfativa. Assim como também é importante termos assinaturas olfativas para momentos especiais. Apesar do campo de visão ser um sentido primordial, quer uma forma mais potente de ativar memórias do que imagens e sons? Perfumes. Segundo este artigo da Harvard Gazette, “What the nose knows” - perfume, emoções e memórias estão linkados pelo fato de serem processados na mesma área do cérebro. Artigo curto e interessante, vale a pena a leitura e também os artigos sugeridos.
Ainda não conhece o assunto? Bom, ele é recente… embora estudos de neurociências tenham influenciado outros campos como o marketing e a publicidade, por exemplo, na arquitetura, salvo engano, ele começou há ser explorado há cerca de duas décadas. Uma introdução simples ao assunto, indicada para todos, pode ser o documentário Built Beautiful: An Architecture & Neuroscience Love Story, disponível no Apple Tv.
Esses dias, motivada por este interesse, fiz um workshop de neuroarquitetura e saí com muitos questionamentos e observações acerca daquela experiência. Apesar de não ter atingido o meu objetivo com o workshop, o que me deixou um pouco frustrada, uma coisa que eu amei, devo apontar, foi a indicação de um livro por meio de um exercício de atenção plena. O livro é de autoria de Dra. Shelley Carson, chamado “O cérebro criativo”. Neste livro, a Dra. Carson nos apresenta o método CREATES (Connect, Reason, Envision, Absorb, Transform, Evaluate, and Stream) no qual propõe o estimulo da criatividade ao acessar diferentes partes do cérebro e comenta como ser criativo não é dom, é sim, algo que podemos alcançar por meio de treinos. Ainda segundo ela, o potencial criativo pode ser correlacionado com o aumento de sucesso e realização na vida profissional e pessoal.
Em algumas edições de inspirações para os sentidos, mencionei minha preferência por anotar as coisas em papel. Na área da neurociência, a professora Audrey L. H. Van der Meer fez um estudo no qual verificou a importância da escrita e do desenho à mão não apenas para aumentar a criatividade em cérebros de crianças e jovens adultos, mas também para aumentar a capacidade de armazenamento de memórias. Segundo a autora do estudo, o movimento da mão ao digitar é único e repetitivo, já escrever a mão contempla mais movimentos pela diferença das letras, o que traz inúmeros benefícios além de requerer maior controle das habilidades motoras e dos sentidos. Como ela ainda coloca, é importante que coloquemos o cérebro em estado constante de aprendizado.
Sabendo que não basta apenas ter conhecimento sobre uma área/tema, é preciso desenvolver também soft skills, como comunicação, inteligência emocional, inovação e criatividade. Para pesquisadores da Universidade do Teerã, no artigo: Lifelong learning; why do we need it? , esse estado de aprendizado constante enrique a vida, além de nos preparar melhor para situações que também exigem soft skills.
“[Lifelong learning] is a continuously supportive process which stimulates and empowers individuals to acquire all the knowledge, values, skills and understanding they will require throughout their lifetimes and to apply them with confidence, creativity and enjoyment in all roles, circumstances and environment.” (Laal, MD, Salamati, MD, 2011)
Enquanto escrevo este parágrafo, me lembrei daquele livro clássico: Desenhando com o lado esquerdo do cérebro de Betty Edwards no qual a autora comenta como o desenho também é uma habilidade que pode ser desenvolvida, e não um dom. Para Edwards, o desenho ajuda a exercitar a percepção o que a Dra Carson apresenta sob a ótica da observação, e com isso, nós melhoramos nossa forma de ver o mundo. Além disso, ela expõe o desenho como propulsor da felicidade e de algumas invenções, que surgiram de pequenos esboços. Vale lembrar os artigos sobre invenções e serendipidade que inclui nesta newsletter.
Voltando à pesquisa da professora Van der Meer, ela comenta que o teclado deve ser usado para redigir um artigo e uma cardeneta para anotar as ideias/observações1. Sendo que o papel tem um peso maior não apenas para escrever mas também na leitura. Já li alguns textos e entrevistas da prof. Naomi S. Baron, nos quais ela comenta como a gente apreende muito mais, além de termos mais foco, ao ler livros em papel em oposição aos livros eletrônicos e audiobooks.
Enquanto livros de culinária e arte ainda são líderes de venda em sua forma impressa, muitos são os fatores que chamam a atenção acerca da escolha de impressos x eletrônicos. Um dos pontos que a professora comenta é a facilidade de levar o livro digital consigo em uma viagem ou mudança, por exemplo. No entanto, neste outro artigo, ela comenta como o papel, somado ao peso do livro e o indicador de onde se está - seja na página ou no livro - também têm um fator importante que acaba por influenciar o nosso cérebro. Um comentário interessante, é que as pessoas associam que ler algo nas telas, como nas redes sociais, pode vir a ser uma leitura que não requer tanta dedicação.
E por falar em livros, ainda sobre neurociência e design, relembro aqui uma dica de leitura da autora Ingrid Fetell Lee, o livro “As Formas da alegria: o surpreendente poder dos objetos”, dica que dei neste post no qual também linkei um vídeo sobre a “era da Critividade”.
Os temas percepção e sentidos são uma constante por aqui, né? Pois bem, o meu interesse pelo tema surgiu em 2011/2, quando eu fiz uma revista chamada Senses para a disciplina de Teoria da Arquitetura sobre percepção arquitetônica. No editorial, eu escrevi assim: “Estava totalmente perdida quanto ao assunto desta revista, até o momento em que me foi proposta a seguinte pergunta: ’O que é arquitetura?’ Perante as respostas colocadas pelos colegas - que variavam desde organização espacial à formas harmoniosas num conjunto- pude refletir que, para mim, arquitetura era mais que apenas estética e formalidade. Ela deve provocar uma experimentação, proporcionar sensações, dando significado aos ambientes, de forma a criar memórias, elos do usuário com o espaço.. Foi então que visualizei o tema. Por que não, Arquitetura Sensorial? Afinal, o que é arquitetura para aqueles que não a vêem?”
Eu estava claramente influenciada por uma cena que vi num filme 7 anos antes chamado “At First Sight” no qual uma arquiteta descreve um espaço para um cego que consegue entender o espaço por meio do barulho da chuva no telhado. E como frase de abertura da minha “revista” escolhi uma do teórico Juhani Pallasmaa, autor de os olhos da pele, que diz assim: “a Arquitetura não deve ser um mero instrumento da funcionalidade, conforto corporal ou prazer, perdendo sua tarefa mediática, mas precisa equilibrar-se e manter seus segredos e mistérios impenetráveis no sentido de ativar nossa imaginação e emoções”.
Em 2021, fui aceita num programa incrível sobre arquiteturas e experiências - a primeira edição do Moving Boundaries e, infelizmente, não pude ir. Comento isto pois me encanta a proposição deste programa. Um dos meus arrependimentos de não ter ido era porquê Pallasmaa foi um dos palestrantes. Seu nome é referência quando o assunto é percepção e experimentação arquitetônica.
Ainda acerca deste tema, é possível fazer uma avaliação negativa e outra positiva de espaços acessando memórias, o que me preocupa um pouco. Já comentei até com alguns psicológos sobre o meu receio de que algo possa servir como algum gatilho de uma memória ruim, mas isto também me dá esperanças de que psicólogos se juntem aos escritórios de arquitetura compondo equipes multidisciplinares em breve. Eu adoraria que isso acontecesse, pois acho que poderia enriquecer muito mais o trabalho dos arquitetos na construção de espaços que sejam benéficos para indivíduos, especialmente no mundo corporativo pós-pandemia.
Existem diferentes vertentes da psicologia para análise dos sonhos. Esses dias eu sonhei que eu mudava de casa. Ia para um apartamento que eu amei a primeira vista pois já vinha com uma biblioteca montada e que - coincidentemente - tinha alguns dos livros que eu já tinha - que sinal maior eu poderia ter de que aquele apartamento tinha sido feito pra mim?! O que me fazia mais feliz naquele lugar, além dos livros, claro, era um sofá branco e nele tinha uma poltrona listrada que não fez muito sentido pra mim. Mas, para minha surpresa, a estante era um tom de amarelo manteiga algo bem anos 902. Quando acordei, eu simplesmente me dei conta que estava sonhando com o que poderia ser o cenário do filme de Norah Ephron ou de Nancy Meyers.

Pra mim, tudo pode ser justificado com alguns fatos.. como: naquele dia eu li que o filme You’ve got mail (Mensagem pra você), estava fazendo 25 anos, vi e debati com algumas amigas o apartamento da food stylist Romilly Newman, no Brooklyn - que poderia ser um cenário de filme por si só… E li este texto sobre a receita de Norah Ephron de purê de batata para um, que eu estou louca pra fazer3. Ou seja, eu apenas sonhei com alguns temas que estavam na minha cabeça.
Exemplos e a metodologia em vista de um projeto4:
Se eu fosse descrever um espaço/ou espaços que desperta/m boas emoções em mim, seriam espaços amplos, claros, iluminados, com tecidos naturais e muita ordem, com aroma de bamboo, flores brancas ou figo - descansei só de imaginar este espaço rs. Já um ambiente que me desperta emoções não agradáveis teria amarelo como cor, Beatles tocando, cheiro de eucalipto, flores sempre-vivas ou perfume extremamente doce, um ambiente seco e árida como Brasília - sem flores ou uma vista para alguma vegetação, com formas orgânicas em excesso, perfis led por todo canto e mix de mobiliário sem harmonia. Acontece que esses são espaços pra mim mas talvez sejam o sonho/pesadelo de alguém. O legal da neuroarquitetura é que ela é extremamente pessoal pois tem ligação direta com as memórias, experiências e vivências de cada um.
Lembram do sonho que comentei? Ele também aconteceu pois nestes dias, em um exercício imaginário, pautado pela metodologia proposta pela neuroarquitetura, eu pensei como seria uma livraria feita por mim e para mim. E uma coisa não me saía da cabeça: a porta tinha que ser de vidro com moldura de madeira. Fiquei pensando nos detalhes, que as estantes teriam que ter uma escala humana bem pensada, para aproximar o objeto do visitante - pois as melhores livrarias que eu visitei eram exatamente assim… pensei nos arquivos e na biblioteca do MoMA, nos bancos do museu, pq eu queria que a experiência fosse como estar em um museu, um espaço de contemplação dos livros. Pensei nas salas das bibliotecas que eu mais amava… logo teria madeira mas teria branco nas paredes também… e bancos pretos! Mas a porta não me saía da cabeça. Eis que do nada, num momento de serendipidade, eu lembrei!
Eu visitei uma pequena livraria com porta de vidro e madeira na Índia. Não tinha bancos, não tinha nada além de muitos livros dispostos ao alcance das mãos. Eu a conheci no meu 4o dia no país, no auge do meu choque cultural.5 E um amigo disse que eu estava tão feliz, que tirou uma foto minha abrindo a porta de vidro com moldura de madeira. Na legenda do post desta foto no Instagram, escrevi: “Achei meu lugar aqui” e tudo fez sentido. Dias depois eu descobri uma livraria maior e mais bonita, mas, era exatamente como se a "nova" livraria fosse a “Fox Bookstore” (enorme) e a "antiga" outra fosse o “Shop Around the Corner” (pequena e aconchegante)6.
Viu como a metodologia é interessante?
Recomendações da semana:
Visite o post de Abril de inspirações para os sentidos clicando no botão abaixo. Ele ficou tão grande que eu não consegui enviar pelo e-mail.
Achei interessante a série A Diplomata, que estreou na Netflix. Na semana passada, Fiz um pequeno post comentando a escolha de alguns itens cenográficos que me chamaram a atenção. Exercitando a percepção e observando cenários - Série: A Diplomata.
Até Breve!
Apesar de amar a moda dos anos 90 - o minimalismo chic de CBK, que ainda me inspira -, em minha memória, acho que a década ficou muito marcada na área de design de interiores com todo aquele revival de Louis XV e tecidos estampados em sincronia por todo o ambiente, sejam eles listrados ou florais. Mas, como diz este artigo, se prestarmos atenção, também teve algumas tendências interessantes e que estão com tudo - e algumas que eu também gosto.
A introdução me chamou a atenção, os ratos não, mas acho que vale a leitura. A autora comenta como purê de batata - pelo menos nos EUA - é um prato que não se faz para apenas uma pessoa, sendo, ocasionalmente, um prato de eventos. Achei interessante isso. Qual poderia ser o nosso equivalente no Brasil? Fiquei pensando.
Coloco aqui de forma breve e rápida, apenas para ilustrar a situação e como ela funciona em relação a explorar os sentidos.
Já li pesquisas que apontam que o choque cultural vai de 7-10 dias, então percebe-se como eu estava no auge do meu. Caso o termo seja desconhecido para você, choque Cultural é um momento de aclimatação em uma cultural diferente. Pode causas muitos estranhamentos e desconfortos e é uma situação normal inerente às novidades que encontramos em um lugar desconhecido, independente da nossa inteligência cultural.
Uma pequena comparação com as livrarias de “Mensagem pra você”
Helena, amo a forma como você escreve. Super me indentifico com seus relatos. Eu associo demais cheiros e músicas. <3 Já inclui mais um livro na lista da amazon por influência sua.
Aprendo muito com vc, e cada vez mais me surpreendo de como nossas idéias sobre a arquitetura se convergem tanto. Obrigada por dividir seu conhecimento!